- Acho que a gente se falou mais nessas horas, aqui no hospital, do que no nosso tempo na Hermann.- É verdade, Humberto. - Você devia me achar muito chato.- Essa era a sua visão. Nós somos o que somos. Você nunca foi chato, ao contrário. Era alegre e comunicativo. As pessoas nos enxergam de um modo, nós também as vemos de outro modo. Essa visão pode mudar, logicamente. Para melhor ou pra pior de acordo com o conhecimento do outro. Sempre o achei muito capaz, uma pessoa agradável e zelosa para com os refugiados. - Legal, Apollo. É bom ouvir isso. Realmente, a minha visão sobre você mudou muito.- É o que falei sobre o conhecimento. Eu conheci o Humberto da fundação. Por isso, a minha visão é baseada na sua atuação na fundação.- Entendi. Apollo verificou as horas no celular.- São dez para as onze da noite. Eu tenho que ir.- Achei que ia dormir aqui, de acompanhante?- Gostaria mas não posso. Jheniffer está com uma alergia forte, estava tremendo até. Imagina, uma pessoa jovem,
Apollo deixou o corpo cair na poltrona de acompanhante do hospital.- Não creio.Humberto se manteve sério.- Pode acreditar, Apollo. Só estou lhe contando porquê você foi muito bom comigo, quando estava no fundo do poço, onde estou agora. Eu estou lascado, quebrado, valendo menos que uma moeda de um real. Perdi o cargo na fundação, o teto, o companheiro, o chão, tudo. Estava a um passo da morte mas você me resgatou.Humberto começou a chorar.- Eu fiz tanto mal a você. É um tapa na cara que a vida está me dando pois, aquele a quem fiz tanta coisa ruim, me estende a mão. Me salva, paga as despesas do hospital e me dá um quarto de hotel.- O que você me fez de ruim?- Talvez não tenha feito, diretamente mas ajudei a fazer, indiretamente. Colaborei com as falcatruas da Bianca, levado pela influência da Renata, que me apunhalou pelas costas. Pensava que ela era a minha melhor amiga.- Isso é muito sério, Humberto.- Eu juro. Após a decepção com o Guilherme, pensei em me jogar de um viadu
Apollo e Humberto chegaram ao hotel, no Itaim.- É um lugar luxuoso, Apollo. Estarei feliz em qualquer pensão, meu anjo.- Não é um cinco estrelas. Me passe seu telefone pessoal, pra mantermos contato. - Certo.- Seu telefone é a sua chave pix?- Não, é o meu número de CPF.- Perfeito. Deixarei três semanas de hospedagem pagas. Terá cinco mil na sua conta, caso precise comprar alguma coisa.- Puxa, Apollo. Nem sei como agradecer e retribuir.- Já está fazendo isso, Humberto. Confiando em mim e me abrindo os olhos. O que me contou não tem preço.- O que eu poderia fazer, se você salvou a minha vida? Estou envergonhado. Como administrador da fundação, eu devia ser o exemplo. Diz tudo ao contrário das palestras de médicos, psicólogos e assistentes sociais que eram voluntários na fundação.- Eu entendo, Humberto. O bom padre não é aquele que sabe pregar, falar bonito, cantar ou ser carismático. É bom ser assim mas o fundamental é viver aquilo que prega. Ser cristão é ser seguidor do Cris
Jheniffer e Apollo terminaram o café. Pouco depois, o casal sentou-se, confortavelmente, no sofá. Théo veio da sacada e pulou no colo dela. - Pela sua cara, lá vem bomba.- Sim. E das grandes. Falando em bomba, sabia que a bomba atômica não era pra ter caído em Hiroshima?- Não sabia. Era pra ter caído aonde, em Araçatuba, onde tem muitos japoneses?- Não. Araçatuba e região têm muitos descendentes de japoneses, é verdade. Não era Araçatuba, amor. O alvo era outra cidade, não me lembro o nome mas não era Hiroshima. Acontece que o vôo para a cidade alvo estava compromisso pelo mau tempo. Isso faria abortar a operação de jogar a bomba atômica e forçar o Japão a se render. Informações chegaram que o tempo em Hiroshima estava bom e com ótima visibilidade. O fator clima decidiu que a bomba seria lançada sobre a cidade, o que aconteceu.- Puxa. Vivendo e aprendendo. Voltemos ao Humberto.- Ele estava no velório da Consuelo, Jheniffer. Sabe disso. A novidade é que ele foi procurar um banhei
Sem palavras. Assim estava Jheniffer, após a conversa com Apollo. - Por favor, levante-se.Ele a obedeceu, ainda que sem entender. Jheniffer se levantou e o abraçou. Um carinho demorado, os corpos colados. Apollo deu vazão ao sentimento e as lágrimas dele molharam o ombro dela. Jheniffer também estava emocionada. Eles se beijaram e voltaram as cadeiras.- Obrigado. Eu precisava de um abraço.- Não é só você que lê pensamentos. Depois dessas revelações de Humberto, verdadeiras bombas ainda que a gente desconfiasse, é cruel saber que tudo se confirmou. Tiraram Manoela de você, amor. Podaram a felicidade e o futuro de vocês dois.- É verdade. Saber disso tudo é insano. Tiraram a filha da Consuelo também. Manoela tinha planos espetaculares para a fundação também, uma visão inovadora sempre pautada no respeito e integração dos refugiados. Sua proposta era expandir aos poucos, com recursos próprios.- E os filhos de vocês? Fazia planos?- Sim. Queria dois filhos, um casal. - Já falou com
Jheniffer e Apollo chegaram ao hotel, onde Humberto estava hospedado. Apollo ligou para o rapaz.- Humberto, é o Apollo. Podemos subir?- Sim. Trouxe a Jheniffer?- Ela quis vir para vê-lo.- Não vai ver grande coisa ou a sétima maravilha do mundo mas podem subir. É o quarto 43.Minutos depois, o casal entrou no quarto. Humberto os recebeu com alegria.- Apollo. Que bom receber visitas. Bem vindos ao hotel.- Não se alegre muito, vai me ver quase sempre.- Isso é bom. Jheniffer, obrigada por vir.- Olá, Humberto. Não poderia deixar o Apollo vir sozinho. Da última vez que se viram, ficaram conversando por horas.- Não se preocupe. Ele será só seu. Você está linda, como sempre.- São seus olhos, Humberto. Me alegra ver que está bem, apesar dos pesares. O braço engessado.- Verdade. Estou vivo e isso é motivo de gratidão, ao mundo e ao nosso criador. Que percebi que gosta muito de mim. Apollo tem sido fantástico. Você tem um noivo de ouro.- Com certeza, amigo. - Como você está? - Mel
A noite chegou e trouxe consigo a chuva. - A noite pede uma sopa, o que acha?- Perfeito, Jheniffer. Tenho que verificar se temos todos os ingredientes.- Vou tomar um banho e escolher um filme pra gente ver.- Está bem. Já vi que a janta sobrou pra mim.- É a desvantagem de cozinhar muito bem.- Vou encarar isso como um elogio. Quando tinha sopa no seminário, não podia faltar pão francês, pra acompanhar e dar sustância. Os italianos são assim, gostam de tomar sopa comendo pão. E com as mãos, nada de cortar o pão com faca.- Interessante.- Certa vez, a cozinheira fez sopa no inverno. Cidade serrana, uma noite de um frio de rachar. Não havia pão. O reitor, um padre italiano de Florença, ficou muito bravo. Deu a ordem para não servirem a sopa, até que ele retornasse com pães. Os quarenta alunos tiveram que esperar. O reitor chamou eu e outro aluno. Numa Kombi, rodamos a cidade atrás de uma padaria aberta. Achamos uma, para alegria geral, principalmente do reitor. Dois sacos de pães, e
Apollo atendeu o Interfone. Era o porteiro, anunciando a chegada de Bianca e os diretores.- Obrigado, senhor Marcos. Estão autorizados a subir.Jheniffer veio do quarto.- Estou ansiosa. Como estou?- Precisa da minha opinião? Linda, como sempre.- Básica. Só não consigo disfarçar a cara de... você sabe o que.Eles ouviram o sinal do elevador chegando e abrindo no andar. Apollo abriu a porta. Bianca estava a frente e sorriu.- Boa noite. Apollo, desculpa a surpresa.- Boa noite. Tudo bem, Bianca. Espero que bons ventos a trouxeram.- Oxalá fossem bons ventos. Esses são Olivares e Rômulo, diretores da fundação.- Sejam bem vindos. Já conheço Olivares de longa data. Entrem.Bianca abriu os braços, ao ver Jheniffer.- Olá, Jheniffer. Primeiramente, está linda. Puxa, que apartamento luxuoso, adorei. Segundo, desculpa a nossa vinda tão abrupta.- Tudo bem, Bianca. Você está linda também. É um prazer receber pessoas do bem.- Esses são Olivares e Rômulo, da fundação.Jheniffer os cumprimen