Roberto não foi esperto o suficiente para desistir da viagem que tinha planejado com a amante, esperou apenas um tempo e logo apareceu com a notícia de que precisava viajar a trabalho. Minha mãe acreditou, não seria a primeira vez, e eu me perguntava se das outras vezes também era mentira. A única certeza que tive, era que eu não poderia continuar escondendo tudo que sabia, minha mãe não merecia essa traição.
O traste passou duas semanas fora, raramente o via conversando com minha mãe pelo telefone, às vezes parecia mais que estava tentando descobrir se eu havia contado algo, sempre pedia para falar comigo, mas eu recusava, e minha mãe começou a estranhar minhas atitudes referentes a ele.
— O que está acontecendo, filho? — Me perguntou. Lembro-me perfeitamente de seu tom de voz suave, nunca a tinha visto alterar sua voz.
— Nada! — Respondi imediatamente, já sabendo onde ela queria chegar.
— Já faz um tempo que você tem agido de uma forma estranha com seu pai, aconteceu alguma coisa? — Insistiu.
A olhei fixamente nos olhos, como eu poderia mentir? E se eu falasse a verdade, quão mal ela ficaria? Não conseguia tomar uma decisão, me senti mal por estar traindo a confiança da minha mãe, me senti tão covarde quanto o meu pai, mas não queria vê-la sofrer.
— Não é nada. — Garanti, reprimindo um choro.
Minha mãe me abraçou, percebeu que eu não estava bem e respeitou o meu desejo de não me abrir naquele momento, mas aquela situação toda estava mexendo com a minha cabeça cada dia mais, eu imaginava que se ela descobrisse de outra forma e soubesse que eu já sabia, ia me odiar para sempre, jamais me perdoaria, e eu acabaria sozinho. Hoje vejo que ser digno do ódio dela seria o menor dos meus problemas.
Me tornei uma criança que já não brincava, passei a ter problemas na escola, me afastei dos meus amigos. As professoras perceberam e chamaram minha mãe para conversar, até encaminhado para uma psicóloga fui na época, e me perguntava se poderia me abrir com aquela estranha. No fundo era isso que eu precisava, me abrir e arrancar de mim aquele peso, que era muito para minhas costas, mas eu não conseguia, não sabia se deveria.
Os meses foram passando e meu pai deixou de se preocupar, no mínimo imaginava que se eu não havia dito nada até aquele momento, não diria mais. Acredito que tenha deixado de acreditar que eu de fato tivesse ouvido alguma coisa, em sua cabeça eu era apenas uma criança apresentando transtornos psicológicos. Então ele voltou ao normal, voltou a se afastar, parou de tentar fingir que me queria por perto, e da mesma forma, voltou a tratar minha mãe como antes. Para mim não fez a menor diferença, mas pude notar que ela sentiu, estava feliz com aquele breve momento de casamento perfeito e parecia não entender porque tudo havia mudado novamente.
Brigas e mais brigas, as discussões entre os dois se tornaram constantes, ao menos antes isso não acontecia, e na maioria das vezes os motivos eram os mesmos, meu pai sempre chegava tarde do trabalho, viajava com frequência e nunca estava disponível nos finais de semana. Minha mãe estava desconfiada, finalmente. Eu me perguntava o que aconteceria se ela descobrisse, eu tinha amigos com pais separados, não parecia ser tão ruim assim, até porque, a presença do meu pai não fazia diferença para mim. Desejei que ela descobrisse, queria que isso acabasse, minha mãe merecia ser feliz, mas eu a vi chorando sem que ela percebesse e aquilo que matou por dentro, logo vi que as coisas não seriam tão simples, ela sofreria no processo.
Minha mãe evitava discussões na minha frente, geralmente eles se trancavam no quarto, mas provavelmente não faziam ideia de que eu podia ouvir as vozes alteradas, ambos gritavam e na maioria das vezes o fim era o mesmo, meu pai saia de casa e dormia fora, enquanto minha mãe permanecia chorando. Lembro-me que em uma dessas discussões ouvi a palavra divórcio sair da boca do meu pai, e pior do que isso, foi ouvir minha mãe suplicando para que ele não fizesse aquilo. Como eu odiava aquele homem, ouvia tudo, chorando sozinho no meu quarto, tomando as dores da minha pobre mãe, como era doloroso ver a pessoa que eu mais amava nesse mundo sofrendo daquela forma.
Meu estado foi se agravando, me isolei de tudo e de todos, me fechei para o mundo ao redor, meu corpo ia para a escola, mas minha alma já não estava lá, eu não me relacionava com as outras crianças, não conseguia prestar atenção nas aulas e inutilmente as professoras continuavam insistindo em atormentar a minha mãe, que permanecia tentando explicar que estávamos passando por problemas familiares. Crises de ansiedade, síndrome do pânico, vários foram os transtornos com que me diagnosticaram na época.
Eu tinha pesadelos terríveis, em alguns deles perdia a minha mãe. Lembro-me de um, em que ela caia num imenso buraco negro, eu ouvia seu grito, mas não podia vê-la, era fundo e escuro, então pulei logo atrás dela tentando encontrá-la. Naquele dia acordei gritando na madrugada, um grito de pavor, meus pais entraram correndo em meu quarto, tentando entender o que estava acontecendo, mas eu mal conseguia ouvi-los e comecei a chorar desesperado, um choro doloroso, já não suportava mais aquela dor, aquela angústia.
Naquele dia, notei a preocupação no olhar do meu pai, eu não conseguia acreditar que ele me amava, mas se sentou ao meu lado e me abraçou, me acolhendo num ato protetor que jamais havia visto antes, então me acalmei. Minha mãe se sentou próximo de nós e segurou a minha mão.
— Foi apenas um pesadelo, meu amor! — Disse com o mesmo amor de sempre, mas ela estava chorando. Que motivos minha mãe tinha para chorar? Eu me perguntava, afinal ela não sabia o que eu tinha sonhado, e jamais deixaria que soubesse.
— Eu te amo, mamãe! — Falei em desespero. — Me perdoa? — Supliquei, só queria que ela não me odiasse por minha traição, por ter deixado que as coisas chegassem onde chegaram.
— Pelo que, meu amor? — Ela me olhava confusa, mas no olhar do meu pai não havia confusão, ele sabia que era o culpado.
— Eu sou um covarde! — Gritei.
— Por que está dizendo isso? — Minha mãe parecia preocupada com a minha sanidade mental, quando meu pai interferiu.
— Não, você não é! Você é um ótimo filho… — Ele me disse, e o vi chorar. Naquele momento não entendi o porquê, meus pais se entreolharam, minha mãe confusa e meu pai com pesar, com arrependimento.
— Posso conversar com ele um segundo? — Pediu para minha mãe, seu tom era suave. Ela apenas concordou sem questionar e saiu do quarto. Olhei para meu pai tentando entender, e ele enxugou suas próprias lágrimas, olhando fixamente em meus olhos. — Me perdoa, filho… Eu sei que errei com você! Não se culpe dessa forma, você não vai entender agora, mas os problemas que sua mãe e eu temos, não tem relação contigo, de forma alguma! Nós somos adultos, saberemos resolver as coisas, não precisa se sentir na obrigação de interferir.
— Por que o senhor não conta de uma vez para ela? — Supliquei, escondendo meu rosto em minhas mãos, imaginei que ele se chocaria com o meu pedido, mas não, somente colocou a mão em minhas costas.
— Ela já sabe. — Falou tranquilamente.
Ergui a cabeça para olhá-lo, incrédulo. Não pude acreditar que minha mãe sabia da verdade e ainda assim estava com ele. Meu pai pareceu perceber a confusão que assolou a minha mente naquele momento, eu era apenas um garoto, mas não era difícil entender que ninguém gostava de ser traído ou enganado.
— Eu só quero que você saiba, que independente do que aconteça, você sempre será nosso filho, amado por nós dois! — Ele disse com a voz falhando, engasgando com o choro.
— Você não me ama! — O olhei fixamente. — Nunca me amou, você não merece a minha mãe!
Pude ver o choque em sua expressão, ele perdeu as palavras quando me levantei correndo e fui ao encontro da minha mãe que estava na sala de cabeça baixa, chorando silenciosamente. Ela ergueu a cabeça para me olhar nos olhos e abriu os braços para que eu me aninhasse em seu colo.
— Não se preocupe, meu amor, tudo vai ficar bem! — Disse enquanto me envolvia num abraço apertado.
Meu pai se aproximou de longe e nos observou por um momento, ainda chorando e eu não entendia o porquê, não tinha motivos para estar triste, ele era a razão do nosso sofrimento e não o contrário. Algum tempo se passou e eu adormeci nos braços da minha mãe, quando acordei na manhã seguinte, já estava em minha cama. Olhei no rádio relógio que ficava em cima da cômoda e vi que tinha perdido a hora da escola, minha mãe não havia me chamado, me deixou descansar. Me levantei ainda sonolento indo na direção do banheiro, mas do corredor pude ouvir a voz da minha mãe, seguida pela voz do meu pai, estranhei o fato dele ainda estar em casa pois naquele horário já teria ido para o trabalho, os dois pareciam estar conversando tranquilamente, então resolvi espiar.
— Para mim, nossa família é o mais importante. — Minha mãe dizia. Notei que haviam lágrimas em seu rosto, mas também havia um leve sorriso. Ela não parecia estar chorando de tristeza, mas que motivo teria para estar chorando de felicidade? Entendi melhor quando meu pai a abraçou, aquilo não era a muito tempo algo normal de se ver. "Eles estão fazendo as pazes?" Pensei, e por um momento minha mente infantil se alegrou, voltei na direção do banheiro animado, escovei meus dentes e corri de volta para a cozinha, permitindo que eles me vissem dessa vez.
— Oh, meu amor, você está aí?! — Minha mãe disse, aguardando meu abraço. — Bom dia!
— Bom dia, filho! — Meu pai acenou de longe, com uma expressão aparentemente desconfortável, mas abriu um leve sorriso.
Forcei um sorriso de volta para ele, diante do que eu tinha visto, se minha mãe o perdoou e havia a chance de que fizessem as pazes, por que eu não poderia perdoar também? Meu pai abriu os braços e me aproximei timidamente, nos abraçamos de uma forma que eu não estava acostumado e ele sussurrou.
— Eu te amo, acredite… — Entendi que as minhas palavras na noite anterior o machucaram, ou ao menos abriram seus olhos.
Estranhamente nos sentamos todos juntos para tomar nosso café da manhã, o mesmo aconteceu durante o almoço e meu pai não foi trabalhar. Naquele dia, experimentei a sensação do que deveria ser uma família de verdade, mas no dia seguinte, meu pai foi para o trabalho normalmente e voltou arrasado por algum motivo que eu não saberia explicar.
Hoje entendo que todos os sorrisos que ele abriu a partir dali eram falsos, hoje enxergo que ele tentou voltar atrás na sua atitude e salvar a nossa família, mas que aquilo não o fazia feliz, tanto que falhou e alguns meses depois voltamos à estaca zero.
Nós havíamos passado as férias de julho em Recife, tivemos momentos legais, mas eu notava algo errado na expressão do meu pai, acredito que minha mãe também tinha percebido, pois em alguns momentos os dois conversavam a sós, e era nítido que o assunto não era agradável. Estávamos no mês de setembro, meu pai não conseguia mais disfarçar sua infelicidade, percebi que era inútil acreditar que ele queria recuperar a nossa família, não estava satisfeito, e a situação piorou quando minha mãe descobriu que estava grávida. Ela parecia feliz, estava animada, a ouvi dizendo que dessa vez desejava que fosse uma menina e se chamaria Fernanda. Meu pai por outro lado se desesperou, pareceu detestar a notícia, e pude ouvir quando os dois se trancaram no quarto discutindo. — Você não podia ter feito isso! — Falava irritado. Ele estava culpando minha mãe por estar
Assim que entrei de férias, minha mãe e eu fomos para a fazenda, e apesar de tudo eu estava feliz pois minha tia cuidava dela, a fazia comer, e ela já até parecia mais animada. Depois nós viajamos para passar as festas de final de ano em Brasília, o que eu achava fantástico, e parecia que minha mãe também ficava feliz, eu me perguntava por que nós dois não poderíamos nos mudar para lá de uma vez. Meu aniversário é em Janeiro, estava prestes a completar 10 anos, ainda estávamos em Brasília e ganhei uma festa, meu pai me ligou na tentativa de dar os parabéns, mas me recusei a perder tempo em atendê-lo. Eu estava feliz lá, mas logo voltamos à realidade, minhas férias estavam chegando ao fim e eu precisava voltar para a escola. Minha mãe parecia melhor, mais conformada, depois que soube que de fato estava esperando uma menina, percebi que encontrou um
Entrei em choque, minha irmã já não chorava mais, alguém devia tê-la acolhido, eu não reagia aos chamados ao meu redor, alguém tentava me puxar, mas eu resistia, não queria sair de perto da minha mãe. Polícia, corpo de bombeiros, o apartamento se tornou pequeno para a quantidade de pessoas que estavam lá. Eu não chorava, uma policial me abraçou carinhosamente, ela tinha em seus braços também a minha irmã. — Seu pai já está a caminho, querido, tente se acalmar. — Ela dizia, mas eu sequer estava questionando algo, a imagem da minha mãe jogada no chão sem vida ainda estava girando na minha cabeça. — Helena! O que aconteceu? Meus filhos, onde estão os meus filhos? — Ouvi os gritos de desespero do meu pai. — Aqui senhor! — A policial o chamou. — Eu sinto muito. Nós fomos passar as férias do meio do ano na fazenda da tia Anelise, eu já não me queixava tanto de ir para lá, pois morria de saudades dela. Meu primo Cristiano e eu ainda não éramos melhores amigos, até porque apesar da diferença de idade não ser tão grande, eu era muito mais maduro do que ele e o Rafael, mas nosso relacionamento havia melhorado um pouco. Os dois já falavam de meninas com certo interesse, eles tinham apenas 13 anos, e isso de fato me surpreendeu, pior do que isso, Cristiano revelou algo que me deixou ainda mais espantado. — Não sou mais virgem! — Ele contou orgulhoso. — Como assim? — Rafael perguntou tão chocado quanto eu. — Como foi isso? — Foi com minha prima, Yeda! — Cristiano cochichou. — Ela propôs que a gente experimentasse 6. Adolescência
Eu estava agora no último ano da escola, no que dizia respeito aos estudos, nunca dei trabalho para a minha avó, era considerado do tipo nerd, sempre fui estudioso, como era muito fechado não tinha tantos amigos e os poucos que tinha eram como eu. Nós éramos quietos e nunca me envolvi nas bagunças, já o Rafael era diferente, mesmo sendo mais novo era do tipo mais descolado, e mesmo namorando a Melissa não tinha dificuldade nenhuma em se desenrolar com as garotas, e depois da Bruna, a maioria das meninas com quem eu fiquei foi ele quem apresentou para mim. Porém as coisas eram diferentes, quando eu ficava com uma garota não levava nada adiante como levei com a Bruna, e buscava explicar sempre de forma sútil que não queria compromisso. Não queria compromisso, mas queria sexo, queria experimentar na verdade, principalmente após saber que o Rafael também já tinha dado esse passo com a Melissa, e mais um
Minha irmã ainda dormia comigo todas as noites, desde que nos mudamos para Brasília, e então a levava para a cama no seu próprio quartinho, contava histórias para ela dormir, brincava de bonecas e ia em todas as festinhas da escola. No dia dos pais o nosso avô ganhava o presente e surpreendentemente eu também. Eu ficava feliz por ela me ver dessa forma, afinal, sempre estaria ao seu lado e Fernanda nunca teria que se preocupar em me perder. — Filho, seu pai ligou perguntando se você já decidiu algo sobre a faculdade. — Minha avó comentou, ainda hesitante. Ela sabia que eu odiava falar do meu pai, e odiava mais ainda quando ele tentava se meter na minha vida. — O que ele tem a ver com isso? — Perguntei irritado. — Ele quer arcar com os gastos.&
Tranquei meu coração a sete chaves, o mais próximo que me aproximei de me envolver com alguém foi com a Bruna, mas éramos duas crianças ainda e não vivemos nada tão intenso. Rafael por outro lado, ainda namorava a Melissa, para mim ele já era um caso perdido, eu só não imaginava que se casariam, porque não entrava na minha cabeça que alguém que levava a vida como se fosse solteiro quando estava longe da namorada, teria interesse em se prender e ainda iludir alguém dessa forma. No dia que ela descobriu uma das traições, meu primo se desesperou, Melissa acabou o namoro e ele ficou arrasado, eu o via chorando e se arrastando para tê-la de volta, para ter o seu perdão e nada daquilo fazia sentido para mim, pois se ele a amava tanto como dizia, por que precisava magoá-la daquela forma? Era difícil não lembrar da atitude do meu pai, mas Melissa ainda teria a oportunidade de seguir em frente, era apenas um
Um ano se passou desde a morte da minha prima e durante esse período o Cristiano nunca mais foi o mesmo, eu nunca mais o vi se aproximar de uma mulher, e quando aconteceu ele chorou e se flagelou como se tivesse cometido o erro mais grave do mundo. Rafael também vivia feito zumbi, a morte da irmã mexeu com ele de tal forma que seu comportamento também mudou, meu primo vivia triste pelos cantos, se não fosse Melissa sempre ao seu lado o apoiando, acredito que ele não suportaria, pois além de carregar a própria dor tinha que suportar a dor dos seus pais. Eu estava com 20 anos, estava indo bem na faculdade e comecei a fazer estágios remunerados que pagavam até bem. Me afastei um pouco da rotina de farras, não tinha mais tanto tempo para isso. Notei que minha avó passou a ficar mais tranquila ao meu respeito, antes tia Adelina pegava muito no meu pé a pedido dela, porque ela própria tinha um medo terrív