Ivy Calleya
A dor havia cessado, assim como as vozes das pessoas à minha volta, e tudo que me restava eram as memórias, elas iam e vinham como ondas, me fazendo lembrar de cada acontecimento, de cada erro que eu havia cometido.
Estava frio, meu corpo parecia ter sido abraçado pela neve do inverno, pelo gelo… Era como se eu estivesse adormecida por muito tempo, presa em um pesadelo.
— Pela Deusa!… Chame o sacerdote… a princesa está despertando!.. — Pude ouvir uma voz rouca e grave falar, o som estava distante, mas mesmo assim era audível o suficiente para chamar minha atenção.
Meus olhos se abriram de repente, e toda aquela escuridão que me cercava, resplandeceu, era como se eu olhasse diretamente para o sol, como se fosse a primeira vez que eu enxergasse a luz.
— Princesa!? Você está bem? Consegue me ouvir?!
Virei assustada, ainda confusa, até que aquele borrão a minha frente ficou nítido, e eu pude enxergar um velho de cabelos grisalhos, que usava uma túnica esverdeada, à minha frente. Ele parecia assustado, surpreso, era como se ele estivesse vendo um milagre.
Eu estava confusa, completamente abalada, quase entrando em desespero.
Meu olhar arrastou ao redor, e pude ver que estava no quarto de algum nobre, em um cômodo que nunca havia visto em minha vida, as paredes brancas com detalhes azuis me deixavam atônita, aquele lugar, era completamente estranho.
— Alexandre? — Minha boca se abriu, e sem pensar, o nome do meu filho foi a primeira palavra a sair, mas havia algo errado, algo de diferente em meu corpo, aquela voz, não era minha.
— Princesa… sei que deve estar tudo confuso agora, mas apenas ouça, você está em casa, e acabou de despertar de um longo sono — Aquele velho se aproximou de mim, e quando ele disse aquelas palavras, tudo que senti foi um aperto em meu peito, estendi minhas mãos diante meus olhos, e o'que vi, eram dedos delicados e pálidos como a lua, aquele corpo, não era meu.
Eu não conhecia aquele lugar, eu não conhecia aquelas pessoas, nem mesmo quem era a dona daquele corpo, e tudo que eu queria, a única coisa que eu ansiava, era meu filho.
Desesperada, tentei me levantar daquela cama e procura lo, mas não conseguia, estava fraca demais, debilitada demais, e tudo que podia fazer, era permanecer paralisada enquanto as lágrimas rolavam, até que alguém chegou, abrindo aquelas portas pesadas com força, assustando a todos ao entrar.
— Ivy? Querida?! — Um homem de cabelos platinados e capa púrpura veio até mim, debruçando sobre a cama, me abraçando com tanta força que pensei que iria sufocar.
— Vossa majestade! Por favor…! Tenha cuidado, ela acabou de acordar! — O velho grisalho falou, interrompendo o abraço, e quando o platinado finalmente me soltou, eu tive certeza, que ali, não era o reino de Lyra, e que aquele lugar não era minha casa.
Eu permaneci calada, e apenas ouvi tudo que aquele velho tinha a dizer, a história daquele lugar, de quem eu era, e oque havia acontecido, e então tive certeza, que eu estava em outro corpo, que Camille Larsen havia falecido, ela não existia mais.
Se tudo que ele estivesse falando fosse verdade, a dona daquele corpo era uma jovem chamada Ivy, uma princesa frágil e doente de um reino distante, um local com campos congelados e neve que caia o ano todo, e aquele homem de cabelos perolados e olhos frios, era seu pai, o imperador, o soberano Victor Calleya.
Eu já havia escutado boatos sobre Oracalia, histórias de viajantes e peregrinos, eles diziam que as pedras gélidas mantinham a magia esquecida selada, que seus lobos eram prateados, abençoados pela luz do luar, e diferentes de todos ou outros.
Naquela época eu não acreditava naqueles boatos, estava ocupada demais servindo a meu reino, a minha família, e não fazia imaginava o vasto mundo que me rodeava.
— Ivy? Você, tem certeza que não se lembra mesmo de nós?— Victor me chamou, me olhando com seus olhos cinzentos, sérios, repletos de preocupação.
— Eu, não me lembro de nada… — Falei com sinceridade, n~~ao tinha nenhuma lembrança daquele corpo, daquele lugar.
Victor suspirou, desviando seu olhar para Javier Urc, o curandeiro, que parecia tão aflito quanto ele.
— Vossa majestade, tenha paciência… a princesa passou muitos anos adormecida, seu corpo e mente precisam de tempo para se recuperar — As palavras que saíram da boca daquele velho fizeram Victor vir até mim novamente, ele se curvou à minha frente, fazendo seu rosto ficar próximo ao meu, e me encarou, acariciando meu rosto com suas mãos geladas — Não se preocupe se não conseguir se lembrar de tudo, talvez a Deusa preferiu assim para evitar que você sofresse, sei o quanto foi difícil para você, como foi doloroso… Apenas foque em descansar, logo seu corpo estará curado, e como lhe prometi quando ainda era uma criança, farei de tudo para encontrar uma cura. — Eu não entendia aquelas palavras, mas meu coração se aqueceu, e tudo que fiz foi assentir, sorrindo levemente como resposta.
Após se despedir, ele saiu por aquela enorme porta de madeira entalhada, e os curandeiros e sacerdotes me ajudaram a me alimentar, as servas me deram banho, e quando eu pude finalmente me ver diante o espelho, vi o quão magra e franzina aquela jovem estava, como seus cabelos eram claros, prateados, tão cinzas quanto aos de seu pai, e sua boca levemente rosada, seus olhos dourados como âmbar polido e seu rosto belo e bem esculpido, digno de ser chamado de obra de arte.
Ivy tinha um belo corpo, tudo que ela precisava era de tempo para se recuperar, tempo qual eu sabia que ela não tinha, aquele corpo estava a beira do colapso, o'que significava, que eu tinha pouco tempo.
Eu precisava recuperar a saúde daquele corpo, rápido.
Javier me contou detalhes sobre a vida de Ivy, claro, que eu disse a todos que minhas memórias haviam sumido por completo, e depois de ouvir tudo que havia acontecido com aquele corpo, finalmente entendi, que aquela era a chance que eu tanto implorei a Deusa, e seria aquele corpo frágil e fraco que me faria conquistar minha justiça.
Após me vestir, pedi um momento sozinha, pedi para que todos saíssem para que eu pudesse finalmente respirar, pensar. Eu precisava de um plano, eu precisava saber o que estava acontecendo com meu reino após minha morte, e o mais importante, eu necessitava de notícias de Alexandre.
As palavras de Lindsey Ingraf ecoavam em minha mente a todo momento, me torturando, eu não iria permitir que ela criasse meu filho, que ela tocasse nele e o envenenasse com suas mentiras como ela havia feito comigo durante toda a vida. Eu iria matá-la, eu iria matar todos os que me causaram mal, e mostrar a eles, que nunca deveriam ter machucado uma Larsen, uma portadora do sangue dourado.
Ivy CalleyaEu me alimentei, descansei e tomei os diversos chás de ervas que aqueles sacerdotes do templo de Urc me deram, eram muitas xícaras por dia, e minha boca permanecia com o gosto amargo quase o tempo todo, mas mesmo assim continuei os tomando.Já haviam se passado algumas semanas, e eu sentia que estava ficando cada vez mais revigorada. Até que em uma daquelas manhãs frias uma das serviçais do palácio veio até mim, eles eram diferentes dos criados de Lyra, seus cabelos tinham sempre o mesmo tom claro, como se fossem realmente iguais nas histórias que me foram contadas, como se todos tivessem sido banhados pela luz da lua.— Princesa.. Vossa Majestade, Helena Calleya, chegou de viagem.. Ela deseja vê-la, e pediu para que você comparecesse ao salão para acompanhá-la no café da manhã. — Como sempre, a serviçal evitou contato visual, e após ouvir minha resposta, me auxiliou a vestir algo adequado.— Como ela é? — Perguntei despreocupada, todos estavam cientes da minha total perd
Ivy CalleyaTudo à minha volta havia ficado escuro novamente, e a única coisa que mantinha minha consciência ainda desperta, eram os gritos dos serviçais que vinham preocupados até meu corpo caído ao chão, e a voz com timbre abalado de Helena.Fui levada até meu quarto, mas diferente das outras vezes, levaram apenas 2 dias para que eu me recuperasse, e levantasse da cama sozinha, sem nenhum apoio.Eu tentei não pensar muito, não me estressar para que a saúde daquele corpo não fosse afetada, más era impossível. Toda vez que eu lembrava de Alexandre, meu pequeno filhote, nos braços da víbora que era Lindsey Ingraf, sentia minha carne tremer, e o gosto de ferro brotava em minha boca.Aquele corpo tinha pouco tempo, e eu sabia disso, e precisava de um plano, um que me desse livre acesso ao palácio de Adiel, que me fizesse ter controle sobre aqueles nobres corruptos e mentirosos, pois somente daquela forma, eu conseguiria colocar meus planos em prática.Eu precisava de poder, precisava de i
Ivy Calleya— Você se refere ao baile que irá acontecer em Lyra? — Helena perguntou para mim, levantando a sobrancelha de forma confusa, e os servos que estavam à nossa volta olharam um para os outros com expressões surpresas, fazendo sussurros começarem a ecoar pelo salão.Respirei fundo, apertando com apreensão o talher prateado em minha mão, e a respondi.— Sim.. Eu quero ir à cerimônia de noivado do Imperador Adiel Viegas… — Meus olhos permaneceram fixos nos de Helena, e eu pude vê-la dar um passo para trás, incrédula com o meu pedido.— Ivy.. Você sabe que aquele baile irá reunir a nobreza de todo o continente, certo? E que sua finalidade não passa de acordos políticos.. Casamentos arranjados, apenas para questões econômicas.. — Victor falou, vindo até mim, me olhando com atenção, como se me visse ainda como uma criança.Sei que Ivy nunca havia saído de seu reino, cresceu presa no castelo rodeada de curandeiros e sacerdotes, tudo para que pudesse ter sua curta vida prolongada. El
Ivy Calleya O dia da viagem havia chegado, e usando um casaco de pele que cobria quase meu corpo inteiro, eu segui até a carruagem que estava à minha espera.Enquanto caminhava sobre a neve que afundava a cada passo, minhas mãos ficaram vermelhas por conta do frio, e por um momento pensei que iriam congelar.Quando me aproximei da carruagem pude ver uma fila extensa de cavaleiros que me aguardavam para a escolta, e no fim daquele corredor formado por homens de armadura, estavam Helena e Victor Calleya.Apressei meus passos, e Victor, vendo minha dificuldade de caminhar, por conta do peso da roupa e também pela da fraqueza que ainda me causava tonturas, veio até mim, pegando em meu braço com carinho, e me ajudando a chegar até a carruagem.— Filha… Você tem certeza que quer ir a esse baile? — Ele perguntou, e pude ver em seu rosto uma expressão de preocupação, ele apertou mais meu braço e eu senti que ele tinha medo que algo de ruim acontecesse.— Sim… — Respondi de forma direta, e con
Ivy CalleyaSenti meu corpo enrijecer quando ouvi aquelas palavras.— Um inimigo? Do reino de Oracalia? — Eu perguntei, olhando para o cavaleiro assustada, apertando com força. o vestido que ainda estava em minhas mãos.Eu sabia que Helena Calleya não tinha uma boa relação com os reinos vizinhos, e saber que havia um inimigo a bordo, só podia significar uma coisa: alguém queria a filha da imperatriz morta, e provavelmente era alguém próximo, pois eram poucos que sabiam da minha ida até o baile em Lyra.Me movi rapidamente, e de forma desajeitada pulei dentro do pequeno barco, e em seguida o cavaleiro fez o mesmo.Vi os outros homens que haviam ido fazer minha escolta formar uma parede de proteção, impedindo que os trabalhadores do navio que estavam fora do controle invadissem o bote.— Se mais pessoas entrarem, o bote irá afundar.. — Ouvi outro cavaleiro falar enquanto segurava um dos homens que estava fora de si. — Vão logo.. Não vamos aguentar por muito tempo. — Ele gritou cansado, e
Ivy Calleya Encarar o fato de que aquele homem a minha frente era o companheiro destinado de Ivy, foi como encarar tudo que eu sonhei em minha vida anterior. Tudo que aquela versão minha de 16-17 anos, tinha desejado para sua vida. Um amor, um romance com alguém que verdadeiramente me entendesse, que me aceitasse.Droga.Eu não tinha tempo para pensar nesse tipo de coisa, não depois de tudo que havia acontecido comigo, não depois de tentarem me matar, de novo…Não. Eu tinha que focar no que importava, na minha vingança e claro: no meu filho, que eu iria recuperar, custasse o que viesse a custar.— Obrigada pelo convite para dançar, — acabei por dizer, tentando quebrar o silêncio que embora não fosse constrangedor ou desconfortável, ainda era um silêncio, e isso era o oposto do que eu desejava para aquele momento.— É a primeira vez que uma dama me agradece por um convite para dançar, — ele praticamente sussurrou, de forma abafada, muito provavelmente pela voz vir de dentro daquela ca
Ivy CalleyaNo momento em que minha mão tocou seu rosto, sua máscara, senti minha pele arrepiar, e no mesmo instante, ele a segurou, mas diferente do que imaginei, seu toque não era bruto, nem exagerado, era gentil.— Não deveria brincar com estranhos — Foi tudo que ele disse, ainda com sua enorme mão sobre a minha, e eu sorri.— Está com medo de mostrar seu rosto? — Perguntei, na tentativa de provocá-lo, e ouvi uma risada abafada sair daquela máscara que era quase completamente fechada.— Medo?! — ele perguntou, apertando minha mão de forma delicada, a tirando de seu rosto. — Eu desconheço essa palavra. — Ele terminou, me puxando pelo braço, me fazendo ficar confusa com seu movimento repentino.— Se quer tanto ver meu rosto assim, irei lhe mostrar — ele falou, me guiando para dentro do palácio novamente, mas dessa vez, entramos pelo corredor lateral, indo em direção às escadas que levavam aos quartos de hóspedes, (onde os visitantes de reinos distantes ficavam quando faziam visitas).
Sebastian Jaeger Eu estava na guerra há meses, preso em um cerco, esperando mais uma vez a ordem do imperador para que as tropas avançassem, mas isso não aconteceu.Quando finalmente recebi uma carta de Adiel, esperava tudo menos o verdadeiro conteúdo que ela continha. Ele não falava sobre a guerra, sobre os sacrifícios dos soldados e cavaleiros e das vidas inocentes perdidas, mas sim sobre um baile real, um que minha presença era necessária, — como se nada mais em todo o universo pudesse ser mais importante que toda aquela droga.“Desgraçado…” Eu pensei, apertando a carta em minhas mãos, sujando com o sangue ainda fresco em minhas mãos, o papel branco e perfumado, — e com um rosnado, gritei por meu escudeiro para passar as informações adiante e avisar a todas as tropas que estaríamos recuando.Adiel queria uma breve trégua na guerra, tudo para acalmar os ânimos dos nobres que iriam até sua “festinha” na capital de Lyra, uma cerimônia idiota feita apenas para amaciar o ego da nobreza