Ivy Calleya
— Você se refere ao baile que irá acontecer em Lyra? — Helena perguntou para mim, levantando a sobrancelha de forma confusa, e os servos que estavam à nossa volta olharam um para os outros com expressões surpresas, fazendo sussurros começarem a ecoar pelo salão.
Respirei fundo, apertando com apreensão o talher prateado em minha mão, e a respondi.
— Sim.. Eu quero ir à cerimônia de noivado do Imperador Adiel Viegas… — Meus olhos permaneceram fixos nos de Helena, e eu pude vê-la dar um passo para trás, incrédula com o meu pedido.
— Ivy.. Você sabe que aquele baile irá reunir a nobreza de todo o continente, certo? E que sua finalidade não passa de acordos políticos.. Casamentos arranjados, apenas para questões econômicas.. — Victor falou, vindo até mim, me olhando com atenção, como se me visse ainda como uma criança.
Sei que Ivy nunca havia saído de seu reino, cresceu presa no castelo rodeada de curandeiros e sacerdotes, tudo para que pudesse ter sua curta vida prolongada.
Ela nunca havia debutado, nunca havia sido apresentada às famílias Reais e aos Nobres de forma adequada, e para mim, aquilo era desperdício.
Do que valia viver uma vida presa como um pássaro em uma gaiola, como um cão em uma coleira, vegetando por meses a cada desmaio, apenas para“ permanecer viva”.
Eu não sabia oque a verdadeira Ivy Calleya iria achar da minha decisão, e sendo sincera, eu não me importava, a única coisa que era importante para mim, era meu filho.
E se eu tivesse que me casar novamente com o canalha de Adiel para ter meu filhote em meus braços, assim eu faria.
Eu limpei a garganta e, olhando fundo nos olhos de meu “pai” eu o respondi.
— Sim, eu sei… — Minhas mãos foram até as suas, e com carinho eu as peguei, as segurei enquanto o encarava, tentando passar meus sentimentos, meu desejo de sair dali, de ir até aquele baile, que talvez fosse o primeiro e o último, dado à saúde daquele corpo.
— Eu estou cansada, pai… Eu quero poder ver o mundo lá fora, de poder ver as florestas e os desertos que li tantas vezes nos livros, queria visitar os palácios dos reinos vizinhos e dançar em bailes.. Eu só quero.. Viver um pouco..
Eu falei sentindo a tristeza brotando nos olhos de Victor, e o vi tentando conter as lagrimas para que não corressem.
Ele se soltou de minhas mãos, e se virou para Helena, que permanecia calada, olhando para nos, tão triste e cabisbaixa quando todos do salão, após ouvir meu pedido.
— Você tem certeza disso, Ivy? — Helena falou baixo, quase sussurrando, e eu assenti.
— É tudo que eu mais quero.. — Eu falei, e pude ver a Imperatriz daquele reino, Helena Calleya, acenar, assentindo com a cabeça enquanto desviava seu olhar, tentando não me encarar.
Um sorriso sincero surgiu em meus lábios.
— Obrigada, mãe.. Eu serei eternamente grata — Eu a gradeci, deixando de lado as formalidades, e corri até ela, e mesmo sabendo que Helena não era minha mãe de verdade, eu a abracei com força, a apertei com carinho, e pela primeira vez na vida senti o que era o abraço de uma mãe. Ela retribuiu de forma calorosa e, enquanto ainda me apertava em seus braços, falou próximo ao meu ouvido.
— Fico feliz que tenha despertado, irei providenciar o navio para o reino de Lyra, apenas tenha cuidado — Ela desfez o abraço, e continuou. — Irei organizar tudo… Quero que leve alguns guardas com você.
Eu entendia sua preocupação, o reino de Lyra não tinha boas conexões com Oracalia, e por isso, era bom tomar cuidado.
— Tudo bem.. Eu irei tomar cuidado.. — Eu agradeci e, após voltarmos para nossos lugares e comermos, fui para meu quarto e me joguei naquela cama macia e imensa.
Sorri, olhando para o teto, onde havia pintura colorida de paisagem, e imaginei como seria, finalmente, retornar para casa e ter meu filho em meus braços.
— Não seja boba, Camille, Alexandre não irá te reconhecer.. Ele nem mesmo se lembra de sua mãe — Falei a mim mesma, levando a mão em meus cabelos, pensativa.
— Ele já tem 3 anos... Como ele deve estar? Será que falaram para ele sobre mim? Sobre sua falecida mãe? — Senti meu coração apertar e meus olhos ficarem embaçados por conta das lágrimas, mas as contive, não permiti que elas rolassem sobre meu rosto, e me levantei, indo até o enorme espelho que cobria quase a parede inteira.
— Ele nunca irá me reconhecer assim.. — Sussurrei, passando a mão em meu rosto pálido, em meus cabelos prateados, e bufei.
— Portanto, que eu me torne sua madrasta.. Que fique próximo a ele, terei tempo o suficiente para conquistar sua confiança. — Falei a mim mesma, e então me lembrei de Adiel. Senti a raiva sobre minha pele, e por algum motivo, senti o lobo que pertencia a Ivy rosnar dentro de mim, como se ele concordasse com meus sentimentos.
Depois que faleci, perdi minha verdadeira essência, e agora, possuía a de Ivy.
Senti meu interior se aquecer e, colocando minha mão sobre o peito, falei com aquela fera que parecia estar adormecida até aquele momento.
— Me desculpe… eu não sei o que aconteceu com a verdadeira dona desse corpo.. Mas eu prometo que, se me ajudar, farei de tudo para recuperar o tempo perdido atrás dessas paredes, eu o deixarei livre, e juntos, dominaremos, subjugaremos a todos que entrarem na nossa frente.
Fechei meus olhos, e pude ver a imagem da fera que vivia no interior de Ivy, senti sua raiva, seu medo, e seu desejo de viver.
Seus pelos eram cinzas, brilhantes como prata derretida, seus olhos dourados cintilantes, e suas presas, afiadas, e pareciam prontas para rasgar qualquer um que atravesse a ir contra nós.
Eu sorri, abrindo meus olhos, e caminhei até a janela, onde olhei para as montanhas cobertas de gelo, tão brancas que faziam meus olhos doerem, senti o vento gelado bater em meu rosto, e inspirei fundo, sentindo meus pulmões se encherem de ar, senti que estava finalmente viva, e que agora, sim, poderia viver tudo aquilo que me foi proibido.
Eu não era mais Camille Larsen, a ômega destinada a dar herdeiros a Adiel, e sim Ivy Calleya, a filha do reino esquecido, e da magia congelada.
Alguns dias depois.
Em uma daquelas manhãs nubladas, uma das criadas de Helena veio até mim, ela carregava uma carta selada, com o símbolo do brasão da família Viegas.
Era a carta de resposta a minha confirmação ao baile.
Com delicadeza, eu peguei aquele papel decorado em minhas mãos, e quando a criada finalmente saiu, me deixando sozinha em meu quarto, eu abri a carta com pressa, ansiosa para ler oque continha dentro.
Senti meu corpo formigar a medida que meus olhos passavam por cima das palavras, e com um sorriso no rosto, eu dobrei cuidadosamente aquele papel.
Adiel havia me respondido, dizendo que estava surpreso pela minha carta, pelo meu interesse em ir a seu baile.
Ele sabia que Ivy era uma mulher de saúde frágil, e por isso, nunca imaginou que ela compareceria a um evento tão grande.
Ele também disse na carta, que iria me aguardar em seu palácio, e se eu lhe desse a honra, teríamos a primeira dança para iniciar a festa.
Aquilo era perfeito, uma verdadeira benção da Deusa, e se as coisas continuassem como planejado, não iria demorar muito para que eu finalmente pudesse ter meu filho de volta.
Ivy Calleya O dia da viagem havia chegado, e usando um casaco de pele que cobria quase meu corpo inteiro, eu segui até a carruagem que estava à minha espera.Enquanto caminhava sobre a neve que afundava a cada passo, minhas mãos ficaram vermelhas por conta do frio, e por um momento pensei que iriam congelar.Quando me aproximei da carruagem pude ver uma fila extensa de cavaleiros que me aguardavam para a escolta, e no fim daquele corredor formado por homens de armadura, estavam Helena e Victor Calleya.Apressei meus passos, e Victor, vendo minha dificuldade de caminhar, por conta do peso da roupa e também pela da fraqueza que ainda me causava tonturas, veio até mim, pegando em meu braço com carinho, e me ajudando a chegar até a carruagem.— Filha… Você tem certeza que quer ir a esse baile? — Ele perguntou, e pude ver em seu rosto uma expressão de preocupação, ele apertou mais meu braço e eu senti que ele tinha medo que algo de ruim acontecesse.— Sim… — Respondi de forma direta, e con
Ivy CalleyaSenti meu corpo enrijecer quando ouvi aquelas palavras.— Um inimigo? Do reino de Oracalia? — Eu perguntei, olhando para o cavaleiro assustada, apertando com força. o vestido que ainda estava em minhas mãos.Eu sabia que Helena Calleya não tinha uma boa relação com os reinos vizinhos, e saber que havia um inimigo a bordo, só podia significar uma coisa: alguém queria a filha da imperatriz morta, e provavelmente era alguém próximo, pois eram poucos que sabiam da minha ida até o baile em Lyra.Me movi rapidamente, e de forma desajeitada pulei dentro do pequeno barco, e em seguida o cavaleiro fez o mesmo.Vi os outros homens que haviam ido fazer minha escolta formar uma parede de proteção, impedindo que os trabalhadores do navio que estavam fora do controle invadissem o bote.— Se mais pessoas entrarem, o bote irá afundar.. — Ouvi outro cavaleiro falar enquanto segurava um dos homens que estava fora de si. — Vão logo.. Não vamos aguentar por muito tempo. — Ele gritou cansado, e
Ivy Calleya Encarar o fato de que aquele homem a minha frente era o companheiro destinado de Ivy, foi como encarar tudo que eu sonhei em minha vida anterior. Tudo que aquela versão minha de 16-17 anos, tinha desejado para sua vida. Um amor, um romance com alguém que verdadeiramente me entendesse, que me aceitasse.Droga.Eu não tinha tempo para pensar nesse tipo de coisa, não depois de tudo que havia acontecido comigo, não depois de tentarem me matar, de novo…Não. Eu tinha que focar no que importava, na minha vingança e claro: no meu filho, que eu iria recuperar, custasse o que viesse a custar.— Obrigada pelo convite para dançar, — acabei por dizer, tentando quebrar o silêncio que embora não fosse constrangedor ou desconfortável, ainda era um silêncio, e isso era o oposto do que eu desejava para aquele momento.— É a primeira vez que uma dama me agradece por um convite para dançar, — ele praticamente sussurrou, de forma abafada, muito provavelmente pela voz vir de dentro daquela ca
Ivy CalleyaNo momento em que minha mão tocou seu rosto, sua máscara, senti minha pele arrepiar, e no mesmo instante, ele a segurou, mas diferente do que imaginei, seu toque não era bruto, nem exagerado, era gentil.— Não deveria brincar com estranhos — Foi tudo que ele disse, ainda com sua enorme mão sobre a minha, e eu sorri.— Está com medo de mostrar seu rosto? — Perguntei, na tentativa de provocá-lo, e ouvi uma risada abafada sair daquela máscara que era quase completamente fechada.— Medo?! — ele perguntou, apertando minha mão de forma delicada, a tirando de seu rosto. — Eu desconheço essa palavra. — Ele terminou, me puxando pelo braço, me fazendo ficar confusa com seu movimento repentino.— Se quer tanto ver meu rosto assim, irei lhe mostrar — ele falou, me guiando para dentro do palácio novamente, mas dessa vez, entramos pelo corredor lateral, indo em direção às escadas que levavam aos quartos de hóspedes, (onde os visitantes de reinos distantes ficavam quando faziam visitas).
Sebastian Jaeger Eu estava na guerra há meses, preso em um cerco, esperando mais uma vez a ordem do imperador para que as tropas avançassem, mas isso não aconteceu.Quando finalmente recebi uma carta de Adiel, esperava tudo menos o verdadeiro conteúdo que ela continha. Ele não falava sobre a guerra, sobre os sacrifícios dos soldados e cavaleiros e das vidas inocentes perdidas, mas sim sobre um baile real, um que minha presença era necessária, — como se nada mais em todo o universo pudesse ser mais importante que toda aquela droga.“Desgraçado…” Eu pensei, apertando a carta em minhas mãos, sujando com o sangue ainda fresco em minhas mãos, o papel branco e perfumado, — e com um rosnado, gritei por meu escudeiro para passar as informações adiante e avisar a todas as tropas que estaríamos recuando.Adiel queria uma breve trégua na guerra, tudo para acalmar os ânimos dos nobres que iriam até sua “festinha” na capital de Lyra, uma cerimônia idiota feita apenas para amaciar o ego da nobreza
Ivy CalleyaO quarto estava em completo silêncio, exceto pelo som da minha própria respiração acelerada. As velas, que antes iluminavam o ambiente com uma luz suave, agora pareciam projetar sombras que me engoliam.Eu estava sentada na beira da cama, com os lençóis ainda bagunçados e meu corpo envolto em um robe fino. Minhas mãos tremiam, apertando o tecido com tanta força que meus nós dos dedos estavam brancos. Ele... Sebastian. O homem com quem eu havia me deitado naquela noite, não era apenas um cavaleiro mascarado. Ele era o irmão bastardo de Adiel.O fato de ele estar mascarado fazia sentido agora. Não era apenas para esconder cicatrizes ou intimidar — era para ocultar sua verdadeira identidade. Meus pensamentos giravam em espiral. Como eu não percebi antes? Sua postura, sua presença... havia algo em comum entre os dois irmãos, mesmo que um fosse a encarnação da frieza e o outro carregasse um ar de mistério e raiva reprimida. Eu havia me entregado a um homem que, de certa forma,
Ivy CalleyaAs primeiras luzes da manhã entravam pelas janelas do meu quarto, mas eu mal conseguia relaxar. A noite havia sido longa, e meu corpo estava exausto, mas minha mente parecia presa em um amaranhado de pensamentos que não me deixavam descansar.“Sebastian…”O nome dele ecoava em minha cabeça como uma melodia perigosa.Eu ainda podia sentir o calor de suas mãos em minha pele, ouvir sua voz rouca em meu ouvido, era como se cada toque seu tivesse sido gravado em meu corpo, de uma maneira que eu não conseguia mais escapar, esquecer.O vínculo que havíamos compartilhado durante o baile me assustava tanto quanto me atraía. Havia algo nele — algo cru, indomável e completamente diferente de qualquer coisa que eu já havia sentido.O corpo de Ivy… ou melhor, o meu novo corpo, havia esperado anos por aquele momento, pelo dia que encontraria seu par destinado, sua alma gêmea, e aquilo estava queimando de uma forma tão intensa dentro de mim, que chegava a ser incontrolável.Os lobos têm
Sebastian JaegerLevantei-me da cama com movimentos controlados, cuidando para não olhar para trás. Aquela mulher ainda estava ali, fingindo dormir, mas eu sabia que ela me observava, atenta a cada movimento.Eu não sabia nada sobre ela além de seu nome, mas algo dentro de mim, parecia conhecê-la melhor do que qualquer outra pessoa.“ Então esse é o vínculo entre dois lobos? “ Pensei, sentindo meu peito se aquecer só de olhá-la, era a primeira vez que sentia algo do tipo, que sentia paz estando ao lado de alguém, parte de mim queria distância daquele sentimento novo, daquela sensação que era diferente de tudo que eu havia sentido na vida, enquanto o outro lado, ansiava por tranquilidade, conforto e paz, algo que era impossível de se ter quando é odiado pelos outros, ao ser o filho bastardo de alguém.Decidi focar, eu ainda tinha trabalho a fazer.Como não fui ao encontro de Adiel no baile, para pegar o restante das infirmações de quem eu deveria matar, eu julgava que seria esse o motiv