Capítulo 04

Ivy Calleya

— Você se refere ao baile que irá acontecer em Lyra? — Helena perguntou para mim, levantando a sobrancelha de forma confusa, e os servos que estavam à nossa volta olharam um para os outros com expressões surpresas, fazendo sussurros começarem a ecoar pelo salão.

Respirei fundo, apertando com apreensão o talher prateado em minha mão, e a respondi.

— Sim.. Eu quero ir à cerimônia de noivado do Imperador Adiel Viegas… — Meus olhos permaneceram fixos nos de Helena, e eu pude vê-la dar um passo para trás, incrédula com o meu pedido.

— Ivy.. Você sabe que aquele baile irá reunir a nobreza de todo o continente, certo? E que sua finalidade não passa de acordos políticos.. Casamentos arranjados, apenas para questões econômicas.. — Victor falou, vindo até mim, me olhando com atenção, como se me visse ainda como uma criança.

Sei que Ivy nunca havia saído de seu reino, cresceu presa no castelo rodeada de curandeiros e sacerdotes, tudo para que pudesse ter sua curta vida prolongada. 

Ela nunca havia debutado, nunca havia sido apresentada às famílias Reais e aos Nobres de forma adequada, e para mim, aquilo era desperdício.

Do que valia viver uma vida presa como um pássaro em uma gaiola, como um cão em uma coleira, vegetando por meses a cada desmaio, apenas para“ permanecer viva”.

Eu não sabia oque a verdadeira Ivy Calleya iria achar da minha decisão, e sendo sincera, eu não me importava, a única coisa que era importante para mim, era meu filho.

E se eu tivesse que me casar novamente com o canalha de Adiel para ter meu filhote em meus braços, assim eu faria.

Eu limpei a garganta e, olhando fundo nos olhos de meu “pai” eu o respondi.

— Sim, eu sei… — Minhas mãos foram até as suas, e com carinho eu as peguei, as segurei enquanto o encarava, tentando passar meus sentimentos, meu desejo de sair dali, de ir até aquele baile, que talvez fosse o primeiro e o último, dado à saúde daquele corpo.

— Eu estou cansada, pai… Eu quero poder ver o mundo lá fora, de poder ver as florestas e os desertos que li tantas vezes nos livros, queria visitar os palácios dos reinos vizinhos e dançar em bailes.. Eu só quero.. Viver um pouco.. 

Eu falei sentindo a tristeza brotando nos olhos de Victor, e o vi tentando conter as lagrimas para que não corressem.

Ele se soltou de minhas mãos, e se virou para Helena, que permanecia calada, olhando para nos, tão triste e cabisbaixa quando todos do salão, após ouvir meu pedido.

— Você tem certeza disso, Ivy? — Helena falou baixo, quase sussurrando, e eu assenti. 

— É tudo que eu mais quero.. — Eu falei, e pude ver a Imperatriz daquele reino, Helena Calleya, acenar, assentindo com a cabeça enquanto desviava seu olhar, tentando não me encarar.

Um sorriso sincero surgiu em meus lábios.

— Obrigada, mãe.. Eu serei eternamente grata — Eu a gradeci, deixando de lado as formalidades, e corri até ela, e mesmo sabendo que Helena não era minha mãe de verdade, eu a abracei com força, a apertei com carinho, e pela primeira vez na vida senti o que era o abraço de uma mãe. Ela retribuiu de forma calorosa e, enquanto ainda me apertava em seus braços, falou próximo ao meu ouvido.

— Fico feliz que tenha despertado, irei providenciar o navio para o reino de Lyra, apenas tenha cuidado — Ela desfez o abraço, e continuou. — Irei organizar tudo… Quero que leve alguns guardas com você.

Eu entendia sua preocupação, o reino de Lyra não tinha boas conexões com Oracalia, e por isso, era bom tomar cuidado.

— Tudo bem.. Eu irei tomar cuidado.. — Eu agradeci e, após voltarmos para nossos lugares e comermos, fui para meu quarto e me joguei naquela cama macia e imensa. 

Sorri, olhando para o teto, onde havia pintura colorida de paisagem, e imaginei como seria, finalmente, retornar para casa e ter meu filho em meus braços.

— Não seja boba, Camille, Alexandre não irá te reconhecer.. Ele nem mesmo se lembra de sua mãe  — Falei a mim mesma, levando a mão em meus cabelos, pensativa.

— Ele já tem 3 anos... Como ele deve estar? Será que falaram para ele sobre mim? Sobre sua falecida mãe? — Senti meu coração apertar e meus olhos ficarem embaçados por conta das lágrimas, mas as contive, não permiti que elas rolassem sobre meu rosto, e me levantei, indo até o enorme espelho que cobria quase a parede inteira.

— Ele nunca irá me reconhecer assim.. — Sussurrei, passando a mão em meu rosto pálido, em meus cabelos prateados, e bufei.

— Portanto, que eu me torne sua madrasta.. Que fique próximo a ele, terei tempo o suficiente para conquistar sua confiança. — Falei a mim mesma, e então me lembrei de Adiel. Senti a raiva sobre minha pele, e por algum motivo, senti o lobo que pertencia a Ivy rosnar dentro de mim, como se ele concordasse com meus sentimentos.

Depois que faleci, perdi minha verdadeira essência, e agora, possuía a de Ivy.

Senti meu interior se aquecer e, colocando minha mão sobre o peito, falei com aquela fera que parecia estar adormecida até aquele momento.

— Me desculpe… eu não sei o que aconteceu com a verdadeira dona desse corpo.. Mas eu prometo que, se me ajudar, farei de tudo para recuperar o tempo perdido atrás dessas paredes, eu o deixarei livre, e juntos, dominaremos, subjugaremos a todos que entrarem na nossa frente.

Fechei meus olhos, e pude ver a imagem da fera que vivia no interior de Ivy, senti sua raiva, seu medo, e seu desejo de viver.

Seus pelos eram cinzas, brilhantes como prata derretida, seus olhos dourados cintilantes, e suas presas, afiadas, e pareciam prontas para rasgar qualquer um que atravesse a ir contra nós.

Eu sorri, abrindo meus olhos, e caminhei até a janela, onde olhei para as montanhas cobertas de gelo, tão brancas que faziam meus olhos doerem, senti o vento gelado bater em meu rosto, e inspirei fundo, sentindo meus pulmões se encherem de ar, senti que estava finalmente viva, e que agora, sim, poderia viver tudo aquilo que me foi proibido.

Eu não era mais Camille Larsen, a ômega destinada a dar herdeiros a Adiel, e sim Ivy Calleya, a filha do reino esquecido, e da magia congelada.

Alguns dias depois.

Em uma daquelas manhãs nubladas, uma das criadas de Helena veio até mim, ela carregava uma carta selada, com o símbolo do brasão da família Viegas.

Era a carta de resposta a minha confirmação ao baile.

Com delicadeza, eu peguei aquele papel decorado em minhas mãos, e quando a criada finalmente saiu, me deixando sozinha em meu quarto, eu abri a carta com pressa, ansiosa para ler oque continha dentro.

Senti meu corpo formigar a medida que meus olhos passavam por cima das palavras, e com um sorriso no rosto, eu dobrei cuidadosamente aquele papel.

Adiel havia me respondido, dizendo que estava surpreso pela minha carta, pelo meu interesse em ir a seu baile.

Ele sabia que Ivy era uma mulher de saúde frágil, e por isso, nunca imaginou que ela compareceria a um evento tão grande.

Ele também disse na carta, que iria me aguardar em seu palácio, e se eu lhe desse a honra, teríamos a primeira dança para iniciar a festa.

Aquilo era perfeito, uma verdadeira benção da Deusa, e se as coisas continuassem como planejado, não iria demorar muito para que eu finalmente pudesse ter meu filho de volta.

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