Capítulo 1: Entre Sussurros e Olhares

Elena não conseguia tirar as palavras da carta da cabeça. "As sombras estão mais próximas do que você pensa. Cuidado em quem confia." Aquilo parecia um aviso claro, mas a quem estava direcionado? Para sua vida pessoal? Seus poucos amigos na faculdade? Ou talvez, e mais perturbador, para os três irmãos que moravam no andar de baixo? De qualquer maneira, Elena sabia que não podia ignorar aquela mensagem. Sentia que cada detalhe ao seu redor estava repleto de segredos, e era como se o passado estivesse à espreita, pronto para explodir.

Era uma manhã fria e cinzenta, e Elena decidiu ir para a faculdade mais cedo do que de costume. Talvez um pouco de ar fresco a ajudasse a organizar seus pensamentos. Saiu de casa com passos rápidos, como se estivesse tentando fugir do próprio apartamento, daquelas paredes que pareciam sufocá-la com memórias e incertezas.

À medida que caminhava pelos corredores escuros do prédio, sua mente vagava. Estava inquieta, incapaz de afastar a sensação de que estava sendo observada. A cada passo, sentia os olhos dos moradores a seguirem. Era um prédio antigo, sem muita luz, com janelas pequenas e mal conservadas, o que contribuía para o ar opressivo que dominava o lugar.

Foi então que, no caminho para a saída, ela viu Theo pela primeira vez naquele dia. Ele estava parado perto do elevador, de costas para ela, conversando baixo com alguém ao telefone. Ela tentou passar despercebida, mas seus passos ecoaram pelo corredor vazio.

— Bom dia, Elena — disse ele, virando-se lentamente, ainda segurando o telefone, mas com um sorriso discreto nos lábios. Havia algo em seu olhar que sempre a deixava desconfortável, como se ele soubesse mais do que demonstrava.

— Ah... bom dia, Theo — respondeu ela, hesitante. Tentou manter a compostura, mas não pôde evitar sentir um arrepio ao perceber que ele a estava observando atentamente.

Theo era o mais novo dos três irmãos italianos. Tinha uma aura misteriosa, com seus olhos profundos e escuros que pareciam sempre analisá-la, como se estivesse decifrando seus pensamentos. Apesar da aparência tranquila, havia algo nele que a deixava em alerta. Suas palavras eram sempre medidas, e seus gestos, sutis, como se estivesse constantemente em um jogo mental que ela desconhecia.

— Está indo para a faculdade, imagino — ele comentou, ainda sorrindo. — Esses dias têm sido longos, não?

Elena assentiu, sem saber como responder. Não queria prolongar a conversa, mas também não queria parecer rude. Havia algo nos três irmãos que sempre a deixava inquieta. Mateo, Felipo e Theo viviam no prédio há alguns meses, mas desde sua chegada, Elena sentia uma tensão no ar. Eles eram discretos, raramente interagiam com os outros moradores, mas a forma como seus caminhos se cruzavam com o de Elena parecia sempre mais do que uma simples coincidência.

— Sim, os dias estão corridos — respondeu, tentando ser vaga. — E você, algum plano para hoje?

Theo deu um passo em sua direção, diminuindo a distância entre eles. Seu sorriso se alargou levemente, mas seus olhos continuavam intensos.

— Talvez — disse ele, enigmático. — Temos muito trabalho. A propósito, você recebeu alguma correspondência interessante ultimamente?

A pergunta a pegou de surpresa. O que ele queria dizer com aquilo? Seria possível que ele soubesse da carta?

— Correspondência? — repetiu ela, forçando-se a parecer indiferente. — Não, nada de mais... só coisas normais. Contas, essas coisas.

Theo manteve o olhar fixo nela por mais um instante, como se estivesse pesando suas palavras.

— Entendo — murmurou ele, finalmente se afastando um pouco. — Bem, tenha um bom dia, Elena. E, por favor, se precisar de algo, não hesite em nos procurar. Estamos sempre por aqui.

Ela apenas assentiu, desconfortável, e apressou-se a sair do prédio. O ar frio da manhã a envolveu imediatamente, mas não ajudou a clarear sua mente. Algo não estava certo. A pergunta de Theo, o olhar penetrante, a maneira como ele parecia saber algo sobre as cartas... Tudo aquilo a deixava mais alerta.

Enquanto caminhava pelas ruas até a faculdade, os pensamentos corriam em sua mente. Precisava descobrir mais sobre os três irmãos. O que eles faziam de verdade? E, mais importante, porque parecia que eles sabiam tanto sobre ela?

Ao chegar na faculdade, Elena tentou se concentrar nas aulas, mas sua mente estava longe. Estava preocupada com a carta, com Theo e com as possíveis conexões que estavam começando a se formar em sua mente. Mesmo cercada por colegas, a sensação de isolamento era esmagadora. Todos pareciam tão alheios ao que estava acontecendo em sua vida. E era isso que mais a incomodava: ela não tinha ninguém em quem confiar.

Durante o intervalo, enquanto estava sentada sozinha em uma mesa no refeitório, mexendo distraidamente na comida, ouviu uma voz familiar.

— Você está bem? Parece distante hoje.

Elena olhou para cima e viu Clara, sua única amiga mais próxima na faculdade. Clara era uma garota extrovertida, com cabelos curtos e um jeito descontraído que a fazia parecer sempre despreocupada. Ao contrário de Elena, Clara sempre estava cercada de amigos e parecia ter uma vida social ativa. Elas tinham se conhecido no início do semestre e, aos poucos, se aproximaram, apesar das diferenças.

— Ah, sim, só um pouco cansada — respondeu Elena, forçando um sorriso.

Clara sentou-se ao lado dela, observando-a com atenção.

— Você anda esquisita ultimamente. Desde que se mudou para aquele prédio, na verdade. Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou Clara, com uma pitada de preocupação na voz.

Elena hesitou. Poderia confiar em Clara? Ela sabia que Clara era uma boa pessoa, mas a carta avisava claramente: "Cuidado em quem confia." As palavras ecoaram em sua mente.

— Está tudo bem, só estresse da faculdade — respondeu Elena, tentando afastar as preocupações de Clara. — E, bom, aquele prédio... ele é meio estranho. Tem uns vizinhos esquisitos, mas é mais perto da faculdade e o aluguel é mais em conta.

— Pera, pera vizinhos esquisitos? — Clara se animou. — Isso parece interessante. Como assim esquisitos conta mais.

Elena deu uma risada nervosa. Não queria se aprofundar muito no assunto, mas Clara parecia determinada a arrancar mais detalhes.

— São três irmãos que moram no andar de baixo. São meio... misteriosos, acho. Nada demais, deve ser porque são italianos, só o jeito deles, só que eles fazem umas coisas que me deixam um pouco desconfiada.

Clara arqueou uma sobrancelha.

— Irmãos? italianos e misteriosos? Parece o começo de um filme de suspense, adorei! — brincou ela, mas havia um leve tom de curiosidade em sua voz. — Sério, você nunca me contou sobre isso. Eles são gatos pelo menos?

Elena balançou a cabeça, rindo.

— É, acho que sim... mas não é isso— disse se lembrando de um deles especificamente — Eles... Não sei, tem algo neles que não consigo explicar. Como se sempre soubessem mais do que aparentam.

Clara a observou por um instante, antes de dar de ombros.

— Talvez seja só sua imaginação, ou talvez eles sejam realmente estranhos. Mas se você acha que algo está errado, talvez devesse ficar de olho neles. Quem sabe? Pode ser que você esteja no meio de algo mais interessante do que imagina.

Elena sorriu, mas no fundo sabia que Clara não tinha ideia do quão certo aquele comentário parecia.

Mais tarde, naquele mesmo dia, ao voltar para o prédio, Elena se deparou com Felipo no corredor. Ele estava saindo de seu apartamento e, ao vê-la, sorriu de forma educada.

— Elena, certo? — disse ele, com seu sotaque italiano evidente.

Ela confirmou com um aceno.

— Eu sou Felipo. Já nos esbarramos algumas vezes, mas nunca tivemos a chance de conversar.

— Sim, eu lembro. — Elena respondeu, sentindo o desconforto aumentar. — Tudo bem?

Felipo inclinou a cabeça levemente, observando-a de cima a baixo de uma forma que a fez sentir-se exposta. Havia uma intensidade em seus olhos que a fez engolir em seco.

— Eu diria que as coisas estão... interessantes ultimamente, não? — Ele sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos. — Se precisar de algo, estamos sempre por aqui.

As palavras eram quase idênticas às de Theo. Aquilo não podia ser coincidência.

— Obrigada — disse ela rapidamente, desejando terminar a conversa o mais rápido possível. — Boa noite.

Ela passou por Felipo, apressando-se para entrar em seu apartamento. Trancou a porta atrás de si, seu coração batendo acelerado.

Algo estava acontecendo. Algo grande. E Elena sabia que, cedo ou tarde, descobriria o que estava por trás daqueles olhares misteriosos.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo