Ele ainda era uma criança quando fora "infectado". Seu pai, Joe, levou-o à médicos e padres.
Ele não estava doente, muito menos possuído.
Irmã Merit chamou a infecção de Provação Divina. Joe não acreditava em Deus, pouco menos em qualquer outra divindade.
Joe viu-se obrigado a curar o filho à sua própria maneira.
Primeiro comprou uma fazenda em Klamath, no Oregon. Deixou ele estabilizar-se, familiarizar-se com o local. Comprou remédios - caixas e mais caixas, perfeitamente lacradas, de remédios inúteis.
Quando completou onze anos, seu filho se transformou.
Joe não entendeu. Horrorizou-se. Temia perder o controle sobre a situação. Mas, surpreendentemente, acima de qualquer coisa, Joe não queria perdê-lo.
Joe criou um cercado, amplo o bastante para seu filho correr, viver... Porém, deixou alto o suficiente para ele não escapar. Fez também, dentro do cercado, uma cabana abastecida com suprimentos para quando seu filho voltasse a ser somente seu filho.
Meses se passaram e ele não voltou a ser só ele.
Inundado de medo e dor pelo pequeno, Joe decidiu fazer o que - talvez - qualquer pessoa faria: deu liberdade ao filho.
Abriu a grade do cercado.
Pensou se o filho se viraria bem sozinho.
Chamou o filho.
Perguntou-se se aquela era mesmo uma boa idéia.
Deu de comer e beber ao filho.
Tentou não chorar.
Olhou o filho nos olhos...
"Ainda são os mesmos olhos".
Sorriu ao ver o filho, em outra pele, experimentar o chão do lado de fora do cercado.
Com um incentivo: Vai! Pode ir. Você está livre agora. Está livre, meu filho!, Joe despediu-se do filho, que calmamente embrenhou-se na mata.
Quando não haviam mais rastros de para onde o filho fora, Joe chorou.
Joe esperou, verão após verão, por seu filho, esperando que ele voltasse sendo apenas seu filho.
Ele não apareceu.
Vez ou outra, Joe ouvia ruídos no solto mais próximo de casa. Faíscas de esperança lhe encheram... Mas os ruídos logo se perderam e nunca mais foram ouvidos.
Joe nunca, nem por um dia se quer, deixou de olhar para fora, na esperança de rever seu filho. E, naquela espera desconcertante, Joe percebeu que, mesmo se seu filho não fosse só seu filho, mesmo que fosse seu filho perdido sob a pelagem daquele lobo cinzento e inquieto, ele seria sempre seu filho. Sendo homem ou fera. Seria sempre parte de Joe. E era essa a parte que preenchia todo o vazio.
Eu não sabia o que fazer.Estava - ou era - escuro, para onde quer que eu tenha ido.Eu não sabia o que fazer.Cheirei o chão. Eu queria voltar. Queria voltar para aquele homem que cuidava de mim. Queria voltar a ser aquele para quem ele olhava através dos meus olhos.Eu não sabia o que fazer.Não sabia o que era.O que sou?Eles, os humanos, as criaturas que andam sobre as patas traseiras e nos olham com medo, costumavam me chamar de... Eu não consigo lembrar. Eu deveria lembrar? Acho que sim.Lembro de quando aquele homem me pegou em seus braços e chorou olhando para meus olhos, ele estava vendo alguém ali, nos meus olhos, alguém que estava sob mim, sob minha pele. Não era eu a quem ele via. Ele chamou-me... Filho.Olhei ao meu redor. Era tudo branco. Parecia algum lugar onde eu já estivera antes. Era apertado, u
O solo sob minhas patas é frio e feio e grudento. Folhas estão jogadas sob poças de lama – folhas sujas de lama sempre agarram no pelo.Uma fina garoa cai, delicadamente, sobre mim e sobre tudo, erguendo no ar um odor terroso e almiscarado.Luzes dançam, não tão longe, como uma festa de vaga-lumes vermelhos e amarelos. Uma festa, extremamente quieta, de vaga-lumes vermelhos e amerelos, distantes e rechonchudos.Cheiro de fumaça, algo podre e rosas selvagens preenche todo o ar, se misturando com o cheiro da terra, me fazendo sentir uma certa sensação claustrofóbica. A urgência de me afastar do local quase, quase, me fez ir embora. Mas algo – não sei se nas luzes, ou na cacofonia de vozes que se aproxima lentamente – me fez seguir em frente.Em poucos instantes, os vaga-lumes vermelhos dão lugar à lâmpadas redondas, presas em varais de fios verdes e brancos, retorcidos, trançados, saindo de uma casa e se e
- O que foi...? - Angel me olhou assustado, com seus grandes olhos azuis, sua boca parou aberta num grande O.Balancei a cabeça, freneticamente. Os air-bags explodiram em nossos rostos, bloqueando minha visão.Abri a porta, o álcool, misturado a esse impacto contra o invisível, me deixaram um bocado tonta.Tentando permanecer fixa ao chão - ou começar a me fixar -, fechei os olhos e senti o silêncio da rua e meus pés afundando em um mar inexistente.Abri os olhos, num sobressalto, e encontrei o que havíamos atropelado. Um lobo cinzento estava caído à um metro e meio do Nissan vermelho de Angel - ele ama vermelho.- Um lobo - murmurei o visível.- Quê?- Um lobo, Angel, nós matamos um lobo! - pus as mãos em frente aos olhos, não consigo ver mais a cena fúnebre a minha frente. A mancha de sangue no asfalto me deixou atônita. Sangue. Sangue. Muito sangue.
Angel segurou o lobo pela lombar enquanto eu tentava manter a cabeça do bicho no chão. Espuma e sangue mancharam os pelos ao redor de seu focinho.Eu gritei. Acho que gritei. Com certeza gritei:- Angel! Ele está morrendo! Chame alguém! Por favor...Ele me olhou como se eu fosse um cachorrinho desobediente. Seus cabelos, agora revoltosos, vermelhos como tinta de caneta, me deixaram ainda mais atônita.- Meu tio, Eddie, ele é veterinário, eu acho que ele...- LIGUE AGORA! - gritei erguendo as mãos no ar. - LIGUE!Angel correu até o carro, em busca de seu celular - acho.Os lábios finos do lobo tremem incessantemente. É como se o pobre animal fosse se desfazer em minhas mãos. Seus pelos estão sem vida... Ele sofre com a falta iminente dela.- Não morre, tá? - sussurrei. - Por favor, não morre.Os ol
Meu corpo está se liquefazendo, transformando-se em um bocado de massa branca e gosmenta.O solo sob meu corpo balança e se move, vozes sussurram e dedos quentes me tocam de vez em quando.Todo o meu corpo parece envolto em uma grossa camada de dor.Tenho fome e cede, e um frio doentio que expreme meus ossos - apesar de eu não saber se ainda existem ossos no meio de toda essa massa.- Ele está morrendo... Morrendo... Morrendo... Morrendo... - disse uma voz. Não sei se a voz repetiu a mesma palavras tantas vezes, ou se estava só ecoando. Ela parece distante, como um assobio de passarinhos migrando.O mundo dá voltas.Me sinto dentro de um grande redemoinho, girando e girando, me chocando contra pedras de gelo que me tornam ainda mais gosmento.Eu estou morrendo?O Adeus dará adeus...Tudo fic
O corpo do garoto que era lobo, chacoalhava e emitia ruídos nos bancos de trás. Vez ou outra ouvíamos o barulho do trincar de dentes e gritos sufocados por uma boca cheia de sangue.O assoalho do Nissan agora está repleto do líquido escarlate e espesso.- Ele está manchando meu carro - Angel reclamou baixinho, batendo no volante com as duas mãos.Sei que ele não está realmente preocupado com a mancha que o sangue vai deixar, ou quão terrível ficará o assoalho de seu carro novo. Angel está com tanto medo quanto eu, ainda mais porque decidimos levar o garoto que era lobo para o pequeno cubículo onde ele mora.Meus pais claramente não receberiam muito bem um garoto desnudo, que, por sinal, costumava ser um lobo cinzento e grande. Aliás, minha casa está cheia, os filhos do tio Herman vieram de Salem para passar o verão, somado a meus dois irmãos isso quer dizer que todos os cômodos estarão superlotados. 
Minhas patas arrastaram no chão terroso e o humano sussurrou algo em meu ouvido. Eu não entendia...O mundo piscou em cores sortidas. Um arco-íris de cores tão próximas, levando-me, arrastando-me...Sinos badalaram em minha mente bagunçada, eles parecem me chamar. Venha. Venha, jovem Adeus...Morrer.Morrer.Morrer.Será isso o que meu corpo está fazendo? Será a morte quem sussurra em meus ouvidos?Morte.Morte.Morte.Sinto ela me arrastando sobre as pedras no chão, sinto minha pele ficando no caminho.O que ela diz?O mundo piscou em cores mortas.Vazio.Foi assim que me senti antes de o mundo não ter mais cores.
Do armário de Angel, tirei uma camisa branca, toda abarrotada, e calças de moletom – o garoto lobo terá que se contentar só com isso, não me atrevo a vasculhar entre as cuecas de Angie.Angel levou o garoto para o banheiro e o deitou na banheira, permitindo que a água quente fizesse todo o trabalho.— E o que faremos? — perguntou-me Angie, passando as mãos nervosas nos vastos cabelos vermelhos.— Nada. Você o veste e dá algo para comer, o pobre garoto lobo pode estar com fome, não é? — entreguei-lhe as roupas que peguei no armário. — E... eu vou ligar para casa e avisar que não morri, só quase matei lobo que acabou se transformando num garoto, ou algo mais real que isso, como...— Vampiros no Oregon? Furar um dedo e dormir por sem anos?— É, algo assim.Angel piscou algumas vezes, sério e meio anestesiado.— Ok, eu vou pegar alguns biscoitos