Já tínhamos desistido há muito tempo, mas continuamos nossa procura. Era desalentador o modo como as pessoas as vezes riam quando um de nós mudava o assunto, de garoto para lobo, em instantes. Mas nos mantinhamos calmos, até que Angie decidiu desabafar na minha – e em sua própria – cara.
– Certo – ele parou o carro no acostamento e o motor soltou um ruído de alívio. – Talvez aquele caçador tenha pego o menino-lobo e se mandado daqui. Ou, o meio-lobo tenha ficado assustado com algum disparo e tomou um rumo totalmente diferente dos que seguimos. Não adianta procurar tanto assim por ele. Ele não é ninguém, afinal. Nós só quase o matamos, mas já era, pagamos nossa dívida.
Ele bateu as mãos no volante como se este fosse uma bateria improvisada. Seus pés seguiam o mesmo ritmo repleto de desespero disfarçado de aceitação. Angie encarou o retrovisor, parecia pronto para algo grande.
– Não vai adiantar nada continuar me iludindo
Não dormi essa noite, embora estivesse sentido meu corpo extremamente cansado. Invés disso, rondei todo o quarto e também os estreitos corredores do pequeno hotel. Eu estava pensando sobre tudo o que o garoto me disse, sobre sua mãe e sobre nós, sobre seu futuro e o futuro que não tive.Quero levá-lo para casa, me assegurar que ele nunca mais saia por aí, encarando suas lutas de cachorro grande. Mas, e a fera? E a grande fera selvagem que vislumbra todo o mundo por trás de seus olhos e as vezes toma esses olhos para si? O que farei quanto a ela? E se ela quiser habitar seu mundo outra vez? E se, dessa vez, ela não quiser ir embora? O que farei? A adestrarei como a um cão e então a deixarei em uma coleira, presa a todo tempo? Talvez eu seja morto numa dessas tentativas, morto por meu filho que também é um cachorro grande.Se tudo o que ele me disse no hospital for verdade, caso ele se transforme outra vez, sua vida não será tão longa. E o que posso f
Papai me levou até a ponte, me deixou ver o rio sob ela. Esta manhã, bem cedo, arrumamos nossas poucas coisas e deixamos o hotel.– Vamos para casa – ele disse, extremamente animado.Eu concordei – apesar de parecer que ainda não devo ir, que há algo que preciso fazer, pessoas a quem preciso dizer adeus. Devem ser apenas os lobos, ou os cervos, ou os coelhos, ou as árvores. Talvez todos eles. Afinal, não recordo de muito mais que isso. O lobo tem roubado a maioria das memórias. Talvez isso o acalme. Mas não tem me deixado muito satisfeito.Há dias em que acordo com medo de esquecer quem sou agora, então recebo lampejos de memórias antigas, que podem pertencer ao lobo, não a mim. São borrões coloridos, manchados de vermelho, olhos felizes, um garoto meio triste que não sabe o que está fazendo e uma garota seguindo seus passos, um pouco atordoada, mas seguindo ainda assim. Não sei seus nomes, eles só falam sobre despedidas e des
Angie e eu decidimos que vamos procurar pelo garoto-lobo uma última vez. Acordamos cedo, Angie umas duas horas mais que eu. Ele rondou a mata, contou os lobos e fotografou quantos pôde. Nenhum era ele.Contamos com a possibilidade de ele ter voltado a sua forma humana, Adeus. Então precisamos voltar aos hospitais, perguntar a toda Astoria se preciso, mas precisamos encontrá-lo. De certa forma, somos os culpados por essa bagunça toda. Se Angie não o tivesse atropelado e drogado, talvez ele fosse apenas um lobo agora, são e salvo e selvagem e livre e completamente desconhecido para nós. Se eu não tivesse chamado o Angie para me buscar aquela noite, talvez ele não tivesse batido o carro no Mogli e nada disso teria acontecido. Então somos os culpados e não podemos deixá-lo assim. Pronto, está decidido.Descrevemos sua forma humana às infermeiras. Uma delas pareceu saber de algo, então esperamos que seu paciente estivesse calmo.– Hã, Lu
Nós chegamos no pequeno hotel em frente à praça, a gerente nós disse que Joe não estava lá, que tinha saído a pouco e que falou com "o menino" sobre passar na cidade e voltar para casa.Isso significa que eles terão de passar pela ponte, isso significa que precisamos correr. E foi o que fizemos. Pisei firme no acelerador até encontrar o carro. Então é só pará-los e encontrar o Mogli e daí por diante a coisa de desenrola sozinha.Pegamos todos os atalhos possíveis e cortamos a cidade ao meio. Chegamos a ponte e nós deparamos com um bloqueio. Cerise saiu primeiro e perguntou a um casal o que estava acontecendo.– Um lobo – foi o que ela disse. Um lobo. E saiu correndo.Um lobo.Não pode ser o nosso. Não pode ser.Cerise se enfiou em qualquer passagem que conseguia, obrigando os motoristas a avançarem ainda mais devagar. Os policiais pediam calma em tons cada vez mais altos.
Ele se debatia em convulsões intermitentes. Os olhos ainda abertos, os dedos frios.– Filho...? Filho!Seu corpo pendeu para o lado e acalmou-se, mas as mãos ainda não haviam aceitado e continuavam a se debaterem.O garoto se cabelos vermelhos me ofereceu uma carona até o hospital. Hospital. Não quero mais ouvir essa palavra. Chega deles. Chega... Essa tem que ser a última vez.E nós fomos ao hospital (droga) e meu filho foi atendido com rapidez por uma enfermeira de riso frouxo. Então, o garoto de cabelo vermelho e uma garota de cabelo colorido me contaram uma história. Uma história sobre um lobo que fora atropelado e transformou-se em meu filho.A história pareceu durar uma eternidade, até que visitas foram aceitas e eu pude finalmente vê-lo, meu filho grande demais para ser tratado como uma criança, que se transforma em lobo de vez em quando e tem amigos estranhos com cabelos estranhos e contam h
As máquinas outra vez, sempre as máquinas e seus bips vulgares. Eu sei que estão aí, não precisam gritar sempre, não precisam berrar em meus ouvidos.– Zach? – vozes diminutas soaram longe, muito longe, e ao mesmo tempo bem aqui, em meus ouvidos.– Esse é seu nome? Zach? – Cerise olhava para mim com seus grandes olhos castalhos. A massa de cabelo cacheados e colorido cobrindo boa parte do rosto. Ela parece feliz, talvez apenas um pouco triste.– É, desde que me lembro – que não faz muito tempo. – Zachary McPherson, muito prazer.– McPherson? – Angel brotou em minha visão, ainda meio turva e agora, com toda aquela coisa vermelha em sua cabeça, um pouco mais. – Como aquela loja de artigos esportivos em Salem?– É – tentei encontrar meu pai na sala, ele estava em um canto, meio distante, os olhos cheios de lágrimas. – É a loja do tio Kurt. Eu fui lá uma vez, mas era muito pequeno, não lembr
– Não vai dar muito trabalho? – perguntei, prendendo o cinto.– Não, não vai – Joe checou os retrovisores (como se mais alguém pudesse mexer naquela lata velha). – Você está muito velho para entrar na escola do bairro. As crianças iriam caçoar de você.Ele checou o porta luvas, suas aspirinas e minhas fritas estavam ali. Além de repelente, um sinalizador, documentos do carro e um guia de TV.– Eu sei, mas... Existe Internet e meios mais fáceis de fazer isso – apontei para o celular em sua mão. Ele me passou o aparelho junto há um risinho amarelo.– Então você não quer vê-los? – aquele olhar travesso manchou toda a silhueta de pai superprotetor que ele esbanjava há somente um segundo atrás.– Quero, quero sim. Só não quero dar muito trabalho – talvez eu seja o superprotetor.– Esse não é o papel dos filhos? Dar trabalho?– Aaaah, você me entendeu!
Ele ainda era uma criança quando fora "infectado". Seu pai, Joe, levou-o à médicos e padres.Ele não estava doente, muito menos possuído.Irmã Merit chamou a infecção de Provação Divina. Joe não acreditava em Deus, pouco menos em qualquer outra divindade.Joe viu-se obrigado a curar o filho à sua própria maneira.Primeiro comprou uma fazenda em Klamath, no Oregon. Deixou ele estabilizar-se, familiarizar-se com o local. Comprou remédios - caixas e mais caixas, perfeitamente lacradas, de remédios inúteis.Quando completou onze anos, seu filho se transformou.Joe não entendeu. Horrorizou-se. Temia perder o controle sobre a situação. Mas, surpreendentemente, acima de qualquer coisa, Joe não queria perdê-lo.Joe criou um cercado, amplo o bastante para seu filho correr, viver... Porém, deixou alto o suficiente para ele não escapar. Fez também, dentro do