Eu estava caçando mais uma vez. Fazia isso quase todas as noites e estava cada vez mais difícil manter a fome sob controle.
Ouvi risos em algum lugar próximo e fui bem devagar até lá.
Três pessoas estavam andando no meio da rua, com latas de cerveja nas mãos e rindo como loucos.
Bêbados! - bufei. Eu simplesmente odiava esses bêbados. O sabor deles não era muito bom e fazia minha mente ficar um pouco enevoada, mas era melhor do que nada.
Puxei o ar com força e senti um cheiro estranho que me lembrava de terra molhada e... madeira, como cheiro de árvore, misturado com um leve aroma que me lembrava o cheiro de um cachorro, ou de um lobo.
Na verdade o cheiro em si não era tão estranho, afinal aquele lugar era cercado por árvores e tinha alguns cachorros na rua, mas o estranho era que o cheiro parecia vir de um lugar específico, ou no caso, de uma pessoa específica.
Fiquei em posição de ataque e foi quando eu fui surpreendida por um homem que pulou de cima de uma árvore, caindo bem na minha frente.
O homem era alto e musculoso, seu rosto tinha um formato quadrado e queixo forte, seus olhos e cabelos eram castanhos, sua barba era espessa, apesar de curta, e sua pele bronzeada. Entretanto o que mais me chamou a atenção foram seus dentes, que eram pontiagudos e um pouco grandes demais para a sua boca, e suas unhas, que eram encurvadas, quase parecendo garras.
- Oi gracinha. - ele falou.
Algo em sua voz me pareceu ameaçador, mas eu não me assustava fácil, por isso mantive uma pose firme, tentando mostrar que eu não tinha medo dele.
- Quem é você? - perguntei.
- Me chamo William, muito prazer.
Ele estendeu a mão para mim e eu fiz questão de ignorar.
- E você é?.... - ele perguntou.
- Não te interessa.
Ele sorriu de forma maliciosa.
Seu movimento foi tão rápido que não tive tempo para reagir. Quando percebi ele havia me dado uma rasteira e estava sentado em cima de mim.
Me debati tentando me soltar, mas não consegui. Ele era forte e com certeza não era um humano comum.
Ele segurou firme as minhas mãos e olhou para o meu pulso, onde havia a marca de um "V", como uma tatuagem. Algo que eu tinha desde que me lembrava.
- Muito bem, vou te chamar de "V". - anunciou ele.
Rosnei.
- Calma "V", eu não sou seu inimigo.
Ele se levantou e estendeu a mão para mim, mas eu o ignorei de novo e me levantei sozinha.
- Meu nome é Cinco! - o corrigi com raiva e ele riu.
- Cinco? Como o número? - debochou.
Era um número, mas era o único nome que eu conhecia, e seria estranho escolher outro depois de tanto tempo.
- Se você não é meu inimigo, então o que você é? - questionei, ignorando seu comentário desnecessário.
- Isso vai depender de você. - foi a resposta que ele me deu - Posso ser seu amigo, se você quiser.
Revirei os olhos e cruzei os braços.
Ao fundo eu ouvi os três bêbados se aproximando de nós. Estavam andando devagar, mas logo chegariam à esquina onde eu pretendia encurrala-los.
William também percebeu e olhou atrás de mim, para verificar o quão longe eles estavam.
- É melhor irmos para um lugar mais reservado. - ele disse, caminhando em direção às árvores.
O lugar onde estávamos era praticamente uma pequena floresta, com um mato alto e várias árvores, principalmente pinheiros.
William foi caminhando e eu acabei por segui-lo apenas pela curiosidade.
Estávamos já bem longe da estrada onde estavam os bêbados e ninguém mais nos ouviria dali.
William parou e se virou para mim.
- Agora sim. - ele disse com um sorriso. - Aqui nós podemos conversar em paz.
Cruzei os braços sobre o peito e o encarei, esperando que começasse a falar.
- Eu sei quem você é. - anunciou ele - Sei de onde veio e também sei o que pode fazer.
- E como você sabe?
Ele então levantou o pulso e eu pude ver a marca "VII" escrita na cor preta, como uma tatuagem. Olhei para o meu próprio pulso, percebendo a similaridade.
- Você é como eu?
- Não. - ele respondeu - Não exatamente como você.
Franzi a testa sem entender.
- Eu sou a experiência número sete. - ele explicou - Minha mutação é diferente da sua.
Continuei confusa.
- O lugar de onde você fugiu era um laboratório. - ele continuou - Nós dois fomos criados lá, mas você é uma experiência diferente e mais antiga também.
- Mas... Se você é o número sete... Há outros como nós?
- Há sim. - ele respondeu.
Encarei o chão e fiquei pensativa, tentando entender o que aquilo podia significar.
- Como você fugiu? - perguntei curiosa - Como me encontrou?
William riu.
- Eu fugi porque sou muito esperto. - respondeu vagamente - E você... Eu estava te observando há alguns dias e era óbvio que você não era uma humana comum, mas só agora que vi a marca em seu pulso, tive realmente certeza de quem você era.
Assenti, ainda tentando absorver todas as informações.
William se aproximou mais de mim e me encarou.
- Infelizmente... - falou em voz baixa - Durante esses dias em que te observei, percebi uma coisa...
- O quê? - perguntei, dando um passo para trás.
De repente meu instinto me alertou do perigo.
William me encarava sério e em um movimento rápido me agarrou pela garganta e me empurrou contra uma árvore.
- Não há espaço aqui para nós dois. - ele disse - Você está chamando muita atenção. Você mata pessoas!
Seu aperto em minha garganta aumentou e eu lutei para respirar, arranhando seus braços numa tentativa inútil de fazê-lo me soltar.
- Eu... Preciso... - tentei dizer.
Ele apertou mais o meu pescoço e eu pude ver a ira em seu olhar.
Me debati desesperadamente, tentando chuta-lo, arranha-lo, ou soca-lo. Eu só não queria morrer.
Senti meus olhos se encherem de lágrimas enquanto eu me desesperava totalmente.
- P-por... Favor...
Ele ainda me encarava e eu começava a sentir que desmaiaria, e então ele me soltou.
Caí de joelhos no chão e comecei a tossir descontroladamente, enquanto tentava respirar.
Minha garganta doía demais e todo o ar do lugar parecia não ser o suficiente.
Meu rosto estava todo molhado pelas lágrimas e eu percebi que aquela havia sido a primeira vez que eu senti medo, medo de verdade.
William ainda estava ali, parado há poucos centímetros, de costas para mim.
Ele urrou e socou uma árvore com força, fazendo um buraco enorme no tronco.
Tentei me recuperar. Eu não podia deixar que ele me matasse. Eu não podia morrer, não mesmo.
Me levantei, ainda um pouco cambaleante e ele se virou para mim, me encarando mais uma vez.
- Posso te deixar viver. - ele disse - Mas você não pode continuar matando as pessoas. Está chamando atenção demais. Policiais já estão procurando por um assassino nas redondezas e vão acabar nos achando.
Balancei a cabeça.
- Quer que eu passe fome? Se eu fizer isso vou morrer do mesmo jeito.
- Posso arranjar outra forma de te alimentar. - ele garantiu.
- O quê? Como?
- Apenas espere. Me dê alguns dias.
- Alguns dias?!
- É. Ou prefere que eu te mate agora?
O encarei. Se eu não estivesse tão fraca poderia enfrenta-lo. Eu precisava me alimentar, pois não podia depender da boa vontade dele.
- Eu espero. - menti.
- Estou falando sério. - ele disse - Eu não vou arriscar a minha liberdade por você.
Encarei o chão, tentando decidir o que eu faria.
Era verdade que William podia ter me matado e decidiu não fazê-lo, mas eu não confiava nele. Meu instinto me dizia para não confiar.
Minha vida inteira eu passei em uma pequena cela, dentro de um laboratório, que ficava em uma ilha.Se não fosse pelos livros que eu havia lido lá eu não teria a mínima ideia de como era o mundo do lado de fora.Depois que fugi da ilha, eu corri por dias, me escondi em vários becos e ruas e caminhei por entre florestas, até estar longe o suficiente.Eu me lembrava de estar com fome e com
William dormia tranquilamente ao meu lado enquanto eu acariciava seu cabelo, reparando pela primeira vez no quanto suas orelhas eram grandes e pontudas.Admirei o seu corpo, vendo como sua barriga subia e descia suavemente enquanto ele respirava. Pousei minha mão em seu peito e senti seu coração bater num ritmo constante, fazendo minha boca salivar mais uma vez.Ele não era exatamente bonito, sua beleza era selvagem, máscula e pouco comum, mas seu sangue era realmente bom e despertava minha fome ainda mais.
Se passaram três dias sem que William aparecesse de novo e eu aproveitei a sua ausência para voltar à minha rotina.Me aventurei em lugares um pouco mais distantes da minha casa e me alimentei de uma ou duas pessoas desafortunadas que encontrei.Com o passar desses dias minhas unhas, dentes e todos os outros resquícios do DNA de William sumiram e eu comecei até a sentir falta dele.Eu estava bem ciente
No fim acabei concordando em deixar William vivo até eu poder analisar melhor a situação.Talvez não fosse muito inteligente da minha parte, mas ele poderia ser a minha melhor chance de continuar livre. Eu poderia usá-lo e depois descarta-lo quando não precisasse mais dele.Me sentei em sua cama e encarei o chão, pensando em qual seria meu próximo passo.- Tem mais uma coisa que e
Acordei de manhã totalmente sozinha.Estranhei o frio da cama ao perceber que William não estava lá, mas notei um pedaço de papel deixado em cima do travesseiro."Volto logo." - era tudo o que dizia.Me levantei e tomei um banho rápido para me preparar. Provavelmente iríamos embora assim que ele voltasse. Nós continuamos a viagem de carro até escurecer, então William entrou numa estrada de terra e estacionou o carro entre as árvores de uma pequena mata, num lugar bem escondido, para podermos dormir um pouco.Não era muito seguro, mas naquele momento nenhum lugar era.William não queria chamar a atenção dos humanos ou da polícia, o que significava que teríamos de trocar de carro mais uma vez, evitar sermos vistos, e talvez até fazer algumas mudanças na aparência antes de andarmos em publicCapítulo 7
William acordou parecendo um zumbi. Ele estava tremendo e suando frio, e seus olhos estavam fundos.Comecei a ficar preocupada com ele.- Você esta bem? - perguntei mais uma vez ao vê-lo se sentar no sofá pesadamente.- Estou. - respondeu ele com a respiração pesada. - Só preciso descansar um pouco.Acenei com a cabeça mesmo sabendo que aquilo não era totalmente verdade.V-Seis deu um sorriso torto e se levantou indo em direção ao banheiro.- Onde você vai? - perguntei desconfiada.- Tomar um banho.Ela sorriu ainda mais e continuou andando.Bufei e cruzei os braços e decidi que eu também deveria ir. Havia dois banheiros na casa e eu precisava aproveitar que ela estava ocupada, pois não queria deixá-la sozinha com William, não quando ele estava tão debilitado.Entreguei a arma na mão dele e fu
Abri os olhos assustada.Eu não sabia onde estava, mas William estava deitado ao meu lado, dormindo.O sol brilhava lá fora, incomodando meu olhos, e eu me perguntei há quanto tempo eu estaria desmaiada.Assim que me sentei na cama senti uma ânsia horrível e corri para o banheiro, vomitando um líquido azul estranho que deixou um gosto amargo na minha boca.Lavei a boca com abundância de água, depois resolvi escovar os dentes para tirar aquele gosto horrível. Onde eu estava com a cabeça para beber aquela porcaria?Saí do banheiro e vi William se remexer na cama. Ele se virou e abriu os olhos, percebendo que eu não estava ali, e então se sentou e seus olhos encontraram os meus.Eu não sabia se continuava com raiva dele e o enchia de socos ou se fingia que não me importava.- Cinco... - ele sussurrou.Fiquei parada encar