A vida de plebeia é uma tortura, um espetáculo diário de privações que me fazem querer arrancar a própria pele de desgosto. Um mês inteiro vivendo escondida, afastada da opulência que me pertence por direito, longe dos empregados que atendiam a cada capricho meu, das refeições refinadas e do luxo que era respirar o ar puro das montanhas de Syltirion. Tudo isso… por causa daquela humana patética e dos filhos bastardos dela. Me pergunto, com frequência crescente, se tudo isso realmente vale a pena.Minhas unhas cravam na madeira da mesa à minha frente enquanto observo Karin com olhos semicerrados. Ele demorou e minha paciência, que nunca foi grande, agora é quase inexistente. Quando ele finalmente se aproxima, o som de seus passos é quase inaudível, mas o roçar do papel em suas mãos chama minha atenção como uma promessa prestes a ser cumprida.“Aqui está, Seraphina… a localização da humana,” Karin fala, me entregando um papel com o endereço.“Finalmente! Já não estava mais aguentando es
“Mamãe, podemos ir para praia?” Elowen pergunta, a voz doce carregada de entusiasmo, enquanto mal termina de comer o pedaço de pão com geleia. Seus olhos brilham como o sol da manhã, cheios de esperança, e sua energia é quase contagiante.Sorrio, apesar da exaustão que sempre parece me acompanhar desde que cheguei aqui.“Podemos ir apenas no final do dia, minha princesa. Agora é hora de se preparar para a escola, lembra?” eu respondo de forma gentil, ajeitando um penteado nos seus cabelos enquanto ela come.O café da manhã é um ritual caótico, mas cheio de amor. A mesa é um campo de batalha de migalhas, tigelas vazias e guardanapos amassados, mas cada momento ao lado deles vale o trabalho. Assim que todos terminam de comer, começa o segundo ato: colocar sapatos, encontrar mochilas e organizar as crianças para a escola. Minha mãe leva as crianças para a escola e eu fico com a função de limpar as coisas.Pela janela da cozinha eu observo a praia à minha frente. Há pessoas caminhando e o
Drave Frost, meu irmão mais velho, voltou. Não pensava nele há anos, desde que eu o bani do reino de Veridiana após a morte do nosso pai. Drave Frost, sempre com suas ideias perigosas, sua visão de poder tão deturpada quanto ele mesmo. A idealização de um governo baseado em opressão e força bruta é uma ameaça constante, e agora essa ameaça está próxima de Aria. Próxima dos meus filhos.A simples ideia de que Drave poderia estar tramando algo contra eles faz o sangue ferver em minhas veias. Minha família. Uma palavra que eu mal começo a compreender e que já se torna um alvo. Asher foi na frente para preparar as coisas para mim. Não posso locomover meus soldados até a cidade, isso ia levantar suspeitas e não quero que meu irmão saiba que estou chegando. Preciso do elemento surpresa ao meu favor.Além de que as coisas aqui na capital estão difíceis. Seraphina sumiu do mapa e isso me deixou preocupado, deixando que a nossa separação oficial fique complicada. O reino de Veridiana e de Sylti
Finalmente os deuses resolveram olhar para mim. É quase poético, como se, após anos de desprezo, eles resolvessem intervir, oferecendo-me uma oportunidade dourada. A chegada de Asher é esse presente divino, uma oferta dos céus para meus planos. Meus espiões, silenciosos e leais, espalhados por cada canto estratégico da cidade, mal demoraram a me informar assim que ele se instalou no hotel.Subornar alguns funcionários foi a parte mais fácil. Uma promessa de ouro, um olhar ameaçador, e as línguas se amarraram com um fervor que chega a ser cômico. Eles se fizeram de cegos e surdos enquanto eu torturava Asher. Fiz apenas por prazer e confirmar as minhas suspeitas sobre Caelum e Aria. Cada grito dele, cada respiração ofegante enquanto sua resistência se despedaçava diante de mim, foi uma sinfonia que eu apreciei como se fosse a composição mais sublime.Pelo jeito, nem mesmo o meu irmão sabia do potencial que há nos gêmeos. O poder que escorre naquelas duas pequenas criaturinhas. Admito que
“Senhora Seraphina?” Uma voz feminina surge de repente atrás de mim, se misturando com o som das ondas.Estou sentada de frente para o mar, admirando a praia enquanto planejo meus próximos movimentos.Olho para trás e noto a presença de uma mulher alta, negra, com o corpo definido, seus ombros são largos e seu olhar firme até me intimidaria se eu fosse humana.“Quem quer saber?” Eu questiono com desconfiança, já sentindo meus poderes formigarem em meus dedos.A mulher se aproxima e se senta ao meu lado, seu olhar percorre meu corpo como se estivesse avaliando se eu sou digna de saber a resposta.“Khiliana, venho em nome do meu rei…” ela responde com formalidade e eu arqueio a sobrancelha. Caelum não possuiu nenhuma funcionária chamada Khiliana. “Drave Frost,” ela completa.Pisco para ela surpresa com a declaração. Drave Frost se declarando rei? A audácia da criatura me deixa abismada. Pouso meu braço na cadeira em que estou sentada e me ajeito para conversar melhor com a Khiliana.“E o
Pela primeira vez na vida, eu consigo ter o deslumbre de como a minha vida será com Alexander e meus filhos juntos, uma família feliz. Observo com o coração aquecido e alegre, Alexander colocar Elowen de cavalinho em seus ombros enquanto Thorne segura a mão dele e conversa sobre os personagens favoritos dele. Elowen mexe nos cabelos pretos de Alex e ele nem se incomoda.Estamos andando pelo calçadão da praia até chegarmos na área onde as ondas não são tão agitadas para as crianças. Essa imagem que está se formando à minha frente é perfeita. Meus filhos felizes, Alexander feliz e eu feliz.Assim que nos ajeitamos na areia, Alexander me ajuda a passar protetor nas crianças. Estamos em perfeita sincronia, sem eu precisar me esforçar para ensiná-lo.Thorne e Elowen logo correm em disparada para a água com os seus brinquedos, animados para explorar o raso do mar. Observo Alexander ficar atento se as crianças estão seguras na água.Coloco a mão em cima do seu ombro despido, ele já começou a
É doloroso ver a imagem perfeita da família que deveria ser minha, mas há outro em meu lugar. A lembrança de presenciar meus filhos ao lado de Alexander e Aria, se divertindo e criando esse momento de união e amor, me causa uma náusea no estômago.Afasto a cena para o fundo da minha mente, não posso lidar com isso agora. Drave está na cidade e mesmo não gostando de como Aria escolheu ficar noiva de Alexander, não posso deixar que Drave separe os dois.A noite já chegou e eu estou observando a cidade da varanda do meu quarto. O som do oceano se mistura com o som dos carros e das pessoas andando na orla. É uma bela cidade, manchada pela presença imprevisível de meu irmão mais velho.O interfone toca e imagino que seja Alexander. Atendo e autorizo a subida dele para o meu quarto. Não temos tempo a perder sobre os assuntos passados, Alexander afinal estava certo… ele encontrou Aria primeiro, ele venceu.“Desculpa a demora, as crianças estavam um pouco agitadas e chateadas de terem que ir e
Um carro esportivo preto para na frente do hotel, um homem alto e musculoso de pele bronzeada desce e caminha na minha direção.“Vim buscá-la, senhora Seraphina,” o rapaz informa com uma voz grossa.“Em nome de quem?” questiono com desconfiança.Nos tempos atuais, não consigo confiar em ninguém nessa cidade. Caelum e Drave são homens astutos, mesmo que os níveis dessa astúcia sejam diferentes.“Meu rei Drave Frost, senhora,” o homem responde. “Você pode vir por bem ou por mal, mas vira comigo para vê-lo.”Sinto os meus poderes sobressaírem no meu corpo ao ouvir a ameaça do rapaz, um sorriso malicioso surge nos meus lábios. Levanto a mão e permito que uma faísca de eletricidade percorra entre os meus dedos.“Drave Frost não te alertou sobre mim, queridinho?” Eu rebato com humor. “Ninguém me obriga a fazer nada, então… não tente ser o primeiro.”O rapaz dá de ombros e abre a porta do carona para mim. Entro no carro com todos os meus sentidos em alerta, meus poderes prontos para serem us