Eu tinha tantas perguntas, mas nenhuma resposta.
- Eu... Vou tentar lhe explicar o que houve... – ela pareceu hesitante – Mas quero que se mantenha calma, ok?
- Ok... – Senti o coração acelerar, amedrontada por ter acontecido algo com Andress.
- Você chegou aqui no hospital vítima de um afogamento.
- Afogamento? – Respirei fundo, sentindo o corpo estremecer levemente – Eu... Não sei nadar.
A doutora foi até um armário de duas portas que havia num canto e retirou de lá um pequeno plástico com algo dentro. Entregou-me e observei a aliança, retirando-a enquanto tocava o metal dourado e largo. Dentro estava escrito o meu nome: “Maria Eduarda Montez Deocca”. Pus no dedo e era muito larga para se minha. Certamente era de Andress.
- Quando chegou ao hospital, estava em estado de hipóxia, com severa redução de oxigênio no cérebro. Encontramos esta aliança dentro da sua mão, que estava fechada.
- Por que... Não entregaram para Andress?
- Porque Andress só veio naquele dia que você deu entrada no hospital – a voz dela ficou terna – Ele nunca voltou.
- Nunca voltou? Como assim?
- O hospital seguiu sendo pago pelo senhor Montez Deocca por seis meses. Passado este tempo ele alegou falta de recursos financeiros... Pedindo inclusive que... – Ela saiu para perto da porta e fez uma ligação, interrompendo o que iria contar.
- Por favor, continue... – Pedi.
- Aguarde alguns minutos, senhora Montez Deocca.
- Pare de me chamar de senhora – pedi – Você ficou um ano ao meu lado... Me trouxe de volta à vida... Não pode me chamar de Maria Eduarda?
- Sim, eu posso. – Sorriu e voltou para o meu lado.
- Continue...
Ouvimos uma leve batida na porta e duas mulheres entraram. Uma usava um jaleco branco e óculos. Era loira e jovem. A outra tinha uma roupa azul, como a da doutora Verbena e era mais velha e morena.
- Estas são a Psicóloga e a Psiquiatra que estão acompanhando seu caso. – Verbena explicou.
Fiquei olhando-as, não entendendo muito bem o que faziam ali.
A Psicóloga pegou minha mão, de forma carinhosa enquanto a outra médica disse para Verbena:
- Siga com a conversa, por favor.
Verbena pegou minha outra mão:
- Seu marido sugeriu que desligássemos os aparelhos por conta da sua falta de dinheiro para seguir com a internação de alto custo
Olhei para o nada, confusa. O que teria acontecido para Andress tomar aquela atitude? Afinal, éramos ricos.
- Será que... Andress faliu? Mas... A empresa sempre foi tão sólida... E... Como eu lembro que tínhamos dinheiro e que a empresa ia bem? – Olhei para a psiquiatra.
- É normal sua confusão mental, senhora Montez Deocca. Irá lembrando de tudo aos poucos, quando menos esperar. E pode haver partes que não consiga se recordar. Mas estamos aqui para lhe falar sobre o que houve no tempo que esteve em coma. Fora deste período, não temos como ajudá-la.
- E vocês não desligaram os aparelhos. Isso significa que ele voltou atrás e pagou, não é mesmo? – Questionei.
- Não... Ele não pagou. A doutora Adams custeou todo o seu tratamento na Terapia Intensiva durante o coma. – A psicóloga olhou para Verbena.
- Por... Quê? – Senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto enquanto olhava a médica.
- Você estava sob a minha responsabilidade. E embora não tivesse apresentado melhora, também não teve piora. Sempre acreditei que acordaria, Maria Eduarda. – Apertou minha mão.
Respirei fundo:
- Certamente aconteceu alguma coisa. Andress não faria isso.
A Psicóloga me encarou:
- O senhor Montez Deocca veio trazê-la ao hospital no dia em que a senhora se afogou. Ele estava junto no momento do acontecido, embora não tenha sofrido nenhum dano. Ele a salvou. Quando soube do coma, não veio mais visitá-la. Sequer ligou para saber seu estado de saúde.
- Isso não faz sentido... – Balancei a cabeça, atordoada.
- Em breve receberá alta, Maria Eduarda – disse Verbena – Então poderá saber tudo que houve de fato no tempo em que esteve internada em coma no hospital depois de um afogamento.
- E meu avô? – Lembrei-me de imediato de Alexis Hauser, do nada, como se estivesse na minha mente o tempo.
Me veio à cabeça a imagem de Alexis Hauser, pai do meu pai, meu avô. Um homem não muito alto, com cabelos escuros penteados para trás, algumas mechas levemente grisalhas. Os olhos eram verdes e tinha uma barba esbranquiçada, sempre muito bem-feita. Era corpulento e exalava um cheiro refrescante, assim como o local onde morávamos. A menta e o eucalipto pareciam brigar entre si para destacarem-se em seu aroma, trazendo sempre uma sensação de limpeza e vitalidade.
Eu amava meu avô. E as lembranças com ele eram boas.
- Não sabemos sobre seu avô. – A psicóloga disse.
- Alexis Hauser. Já devem ter ouvido falar dele. – Tentei.
- Não sabemos. – Foi enfática.
- Mais alguma coisa que eu deva saber? – Perguntei.
- É tudo! – A psiquiatra concluiu.
- Por que vieram vocês três me falar isso? – Fiquei confusa.
- Porque nos preocupamos com seu estado emocional. – A psicóloga explicou.
- Estou bem... Confusa, mas bem. Tentarei entender o que está acontecendo com meu marido e meu avô.
- Iremos ligar para o seu marido, o senhor Montez Deocca, e avisar que acordou do coma. – A Psiquiatra avisou.
- Não... Por favor! – pedi – Não liguem para Andress. Quero... Fazer uma surpresa.
- Não podemos fazer isto. O senhor Montez Deocca é o responsável pela senhora e precisamos informá-lo que saiu do coma e precisará buscá-la.
- Não... Eu gostaria muito de surpreendê-lo. Andress certamente achou que eu não acordaria... E para evitar sofrer ainda mais não veio me ver.
- Pode ser... Mas ainda assim, precisamos comunicá-lo. – Ela deu um suspiro – Seguiremos acompanhando-a enquanto estiver internada. Quando receber alta precisará continuar o acompanhamento psicológico.
Assenti.
As duas saíram e fiquei novamente sozinha com Verbena:
- Não precisava chamar as duas para me dar as notícias. – Falei.
- Segui os protocolos.
- E cuidar de mim por um ano assim como deixar de ir para casa quando acordei do coma também são protocolos? Sem contar o fato de ter pago para eu permanecer neste hospital.
- Não, não são os protocolos.
- Por que fez tudo isto, doutora?
- Porque... De alguma forma me afeiçoei a você, Maria Eduarda.
- Fui sua primeira paciente em coma ou algo do tipo?
- Não, não foi.
Balancei a cabeça, confusa:
- Então me ajude e não deixe que elas comuniquem Andress. Realmente quero surpreendê-lo. Meu marido ama surpresas... – Sorri ao lembrar dele.
- Sobre seu avô... – Ela abaixou a cabeça.
- O que tem meu avô? – Meu coração acelerou imediatamente.
- O senhor Alexis Hauser foi interditado pela família e se encontra numa clínica de repouso. Ao menos... Foi o que li no jornal há um tempo atrás.- Como assim? – Fiquei atordoada.- Talvez seja muita informação para pouco tempo, Maria Eduarda.- Eu sou a família dele. Meu avô só tem a mim. Como assim “alguém” o interditou? E se realmente foi feito, não foi pela “família”.- Irei intervir na ligação para seu marido.- Acha que consegue? – Fiquei esperançosa.- Falarei diretamente com a diretora do hospital. Tenho uma boa relação com ela.- Obrigada, doutora Verbena... Muito obrigada. Sei que tenho uma grande dívida com a senhora. E prometo que pagarei cada centavo. Não sei o que está acontecendo, mas garanto que minha família tem posses e...- Não quero seu dinheiro, Maria Eduarda. Sinceramente, tenho o bastante e o que paguei para que ficasse internada aqui não me fará falta alguma.- Desculpe... Se a ofendi.Ela respirou fundo e voltou ao semblante tranquilo:- Está tudo bem. Assim
Parecia que ter sido ontem que aquilo tudo aconteceu. Eu sorri, sozinha, observando para fora do automóvel. Sabia que aos poucos iria lembrando de tudo.Cerca de quarenta minutos depois estávamos entrando na propriedade onde ficava a mansão Deocca, dentro de um dos mais conceituados condomínios de luxo de Noriah Norte.A casa ficava cercada de um gramado gigantesco. Não muito grande em extensão, mas extremamente luxuosa, tinha praticamente 50% vidro na sua composição, o que fazia com que durante o dia houvesse muita luz natural e à noite proporcionava uma bela visão da lua e das estrelas. Ri ao lembrar do quanto eu tinha medo de temporais e pedia a Andress que cobrisse as vidraças do quarto para evitar os relâmpagos que pareciam tomar conta do ambiente em tempestades.Andress sempre dizia que era desnecessário, que bastava eu abraçá-lo que tudo ficaria bem. Então eu me obrigava a ficar em seus braços enquanto ele alisava meus cabelos até o tempo ruim passar.O primeiro andar abrigava
Agora eu entendia porque Andress não foi me ver. E também porque Mabel não quis saber notícias. Ou mesmo meu avô. Tudo estava ficando muito claro. Parecia ser um plano... Para tirar todos do caminho.Mas... Com qual objetivo?Desci as escadas imediatamente, sentindo nojo, vergonha, raiva de mim mesma por não ter visto o que esteve na minha frente o tempo inteiro.Fernanda ainda no mesmo lugar, me esperando.- Senhora... Eu... Sinto muito.- Quanto tempo faz que Mabel saiu desta casa? – Perguntei seriamente enquanto limpava as lágrimas.- Sete meses.- E quando Ashley tomou meu lugar?- Algumas... Semanas... Depois que a senhora entrou em coma.- Quantas semanas exatamente?Fernanda abaixou o olhar, temerosa.- Por favor, Fernanda. Eu preciso saber.- Uma semana, senhora.- Preciso de um favor. – Pedi.- Qualquer coisa, senhora.- Não conte a Andress que estive aqui, por favor.- Não contarei.- Ashley está morando aqui?- Ela... Trouxe algumas coisas. E passa a maior parte do tempo ne
- Eu sempre amarei você, mamãe.Ela tocou a ponta do meu nariz com o dedo e sorriu:- Quem tem o nariz mais lindo do mundo?- Eu... – Sorri.- E os olhos?- Eu...- E... A barriga? – Me fez cócegas.- Eu... – Gargalhei.Todos os dias ela fazia aquilo comigo antes de dormir. E eu não conseguia adormecer sem que minha mãe fizesse as cócegas e aquela brincadeira que conheci desde sempre.- Só seja você, Maria. E sei que isto será o suficiente para tocar o coração de seu avô.Mordi o lábio, devastada pelo que sabia que estava acontecendo. Sim, por mais que ela sempre tivesse me preparado para aquele momento, não sabia que doeria tanto.Mamãe me abraçou com força e naquele momento eu soube que era chegada a hora de dizer adeus, o momento ensaiado ao longo dos meus nove anos.- Amo você, Maria. E sempre amarei. Que Deus sempre esteja com você. – Deu-me um beijo na ponta do nariz.Em seguida minha mãe levantou-se e tocou a campainha.- Pois não? – Ouvi a voz vinda de além, parecendo sair de
A porta atrás de mim se fechou e senti o coração acelerar e as pernas tremerem. Tinha uma sala grande ali, com tantos sofás estranhos que fiquei em dúvida novamente se aquele lugar era mesmo uma casa.A mulher me pegou pela mão, levando-me pelo meio dos sofás, até que eu chegasse nas três pessoas sentadas.— Eis a garota, senhor Hauser. — Largou minha mão, deixando-me no centro do tapete felpudo, sob o olhar inquisidor deles.Ficamos todos nos olhando um tempo, sem dizermos nada. Eu ainda segurava minha sacola branca nas mãos e aos poucos fui ficando envergonhada e escondendo minhas coisas para trás do corpo. Observei meus pés sujos no tapete bege claro e comparei meu par de sapatos gastos com os da menina que parecia ter quase a mesma idade que eu, usando sapatilhas pretas com ponteiras douradas e um pequeno saltinho.Sorri, ao lembrar do quanto pedia para minha mãe comprar sapatos iguais aos daquela menina. A meia calça branca que ela usava era impecável e sem um fio puxado, diferen
Andei vagarosamente até a minha suposta tia e peguei suas mãos, de forma carinhosa. Ela ficou confusa. Aproximei-me e cuspi para o alto, pegando na sua cara.A mulher tentou me dar uma bofetada, mas foi contida por uma mão que apareceu por trás dela:— Não se atreva a encostar um dedo na menina!Olhei para a mulher que saiu de trás de tia Maya. Não era muito alta, tinha a pele clara e o rosto redondo com belos olhos claros e cabelos pretos e lisos. Era bonita e cheirava bem.Ela aproximou-se a abaixou-se levemente, ficando na minha altura:— Olá! Eu sou Mabel. Tudo bem?Assenti, dando um passo para trás, amedrontada.A mulher limpou minha lágrima e disse com voz doce:— Vai ficar tudo bem.— Esta é Maria Eduarda, Mabel. É a filha de Rob, da qual lhe falei — Alexis explicou.— Sua neta. — Mabel olhou para o homem.— Sim, minha neta — confirmou.— Mabel, não me diga que concorda com esta palhaçada toda! — Maya disse furiosa.— Não é sobre concordar, Maya. A menina tem direitos. Ela pert
O Shopping era um lugar gigantesco, cheio de lojas e pessoas que pareciam andar em círculos, pois eu as via a cada esquina que dobrávamos. Haviam plantas vivas em vasos sem receber a luz do sol direta. E entendi o motivo pelo qual eu nunca tinha ido num lugar daqueles... Porque não tínhamos dinheiro. E sem dinheiro, não havia o que fazer naquele lugar, já que tudo estava à venda.Acontece que Mabel tinha muito dinheiro. E fomos entrando em todas as lojas que ela via roupas de crianças. E ela me deixava escolher qualquer coisa. Eu teria escolhido somente um vestido e uma sapatilha de ponteiras douradas. Mas ela não concordou e acabou levando tantas coisas que precisou dois homens para ajudar a levar.Eu estava já cansada de provar roupas e calçados quando Mabel sugeriu:— O que acham de comermos alguma coisa?— Eu acho ótimo! Fazer compras é chato — Andress disse, com cara de poucos amigos. — Muito chato.Eu ri. Também achei aquilo chato.— Concorda com ele, Maria Eduarda? — Mabel quis
Eu continuava mastigando a pasta doce que não se dissolvia na minha boca. Não aguentando mais, virei para o lado e vomitei no chão, chamando a atenção de todos.Quando levantei os olhos, já com a boca vazia, Mabel correu até mim, pegando guardanapos e limpando-me, apavorada. Mas eu só tinha olhos para o garoto que não piscava na minha direção, com o copo de refrigerante na mão, sem mover-se do lugar, espantado. Desde que eu pus os olhos em Andress Montez Deocca, sabia que não estaria mais sozinha.Observei o rosto atraente e marcante de Andress. Os olhos azuis intensos estavam fixos no trânsito enquanto ele gesticulava com uma das mãos, usando a outra ao volante. Seus cabelos estavam bem penteados e com tanto gel que o vento vindo de fora não o bagunçava. Ele já não era mais aquele menino de 12 anos que me pediu em casamento. Éramos adultos.Eu chorava copiosamente:— Não pode fazer isso comigo, Andress!— Duda, é o melhor... Para nós dois.— Eu amo você, Andress... — Limpei as lágrim