Parecia que ter sido ontem que aquilo tudo aconteceu. Eu sorri, sozinha, observando para fora do automóvel. Sabia que aos poucos iria lembrando de tudo.
Cerca de quarenta minutos depois estávamos entrando na propriedade onde ficava a mansão Deocca, dentro de um dos mais conceituados condomínios de luxo de Noriah Norte.
A casa ficava cercada de um gramado gigantesco. Não muito grande em extensão, mas extremamente luxuosa, tinha praticamente 50% vidro na sua composição, o que fazia com que durante o dia houvesse muita luz natural e à noite proporcionava uma bela visão da lua e das estrelas. Ri ao lembrar do quanto eu tinha medo de temporais e pedia a Andress que cobrisse as vidraças do quarto para evitar os relâmpagos que pareciam tomar conta do ambiente em tempestades.
Andress sempre dizia que era desnecessário, que bastava eu abraçá-lo que tudo ficaria bem. Então eu me obrigava a ficar em seus braços enquanto ele alisava meus cabelos até o tempo ruim passar.
O primeiro andar abrigava as salas, cozinhas: a normal e a gourmet e dois banheiros. Na parte de cima ficavam as suítes. Eu e Andress usávamos a principal e minha sogra e amiga Mabel a segunda maior. O restante dos quartos abrigavam os hóspedes.
Minha amiga Ashley também tinha um quarto na mansão, que usava vez ou outra quando chegava tarde e achávamos perigoso que voltasse sozinha para casa. Ela era perfumista, como eu. E trabalhava na empresa Montez Deocca.
O estado de saúde de Mabel, minha sogra, era delicado e exigia cuidados. No passado um acidente a deixou paraplégica e também dependente de algumas medicações.
- Estou em casa. – Avisei o motorista.
Ele abriu a porta para que eu descesse e afirmou:
- Só irei embora quando a atenderem, senhora. Fui pago pela doutora para que ficasse segura.
Eu ri:
- Estou segura agora.
- Ainda assim, esperarei até que entre pela porta. – Afirmou enquanto se escorava no capô do carro, parecendo decidido a cumprir a promessa que fez a Verbena.
Virei as costas e de alguma forma me senti segura por ele estar ali. Reconheci o carro de Ashley na garagem, mas o outro, um Porsche vermelho, não lembrei de ser nosso. Teria Andress trocado de carro?
Abri a porta e deparei-me com a minha casa. Antes de fechá-la, espiei o motorista, que enfim pareceu decido a ir embora.
Olhei a sala em tons brancos, que eu havia escolhido. Aspirei o aroma floral e doce de lar. E fiquei confusa ao ver tudo exatamente da forma como deixei, sendo que Andress havia alegado que estava sem dinheiro para pagar meu tratamento e estadia no hospital.
Se livrar da casa seria a primeira coisa a fazer na falta de dinheiro, já que uma mansão naquele lugar em específico valia muito.
Certamente Mabel havia ficado ruim naquela noite e por isso Ashley havia vindo ajudá-la, já que minha amiga também se dava muito bem com minha sogra.
Estava indo em direção à escadaria de vidro quando parei. Minha mente trouxe uma lembrança de Kayde e Andress discutindo. Lembrei de algumas situações onde os dois se alfinetavam, me certificando de que não se davam muito bem.
Toquei as têmporas quando lembrei de meu avô... E todo meu coração encheu-se de amor. Desde que cheguei à casa dos Hauser e soube que Alexis era doente, passei a cuidá-lo e não levou muito tempo para que descongelasse aquele coração que tinha tanto amor dentro.
- Senhora? – ouvi a voz de Fernanda, a governanta, reconhecendo-a imediatamente, como se nunca tivesse deixado aquela casa, já que ela estava exatamente como há um ano atrás.
- Fernanda! – Sorri, indo na direção dela e abraçando-a.
- Eu... Meu Deus! Achei que... Estivesse morta! – A voz dela mal saía.
- Está pálida. Parece mesmo que viu um fantasma. – Brinquei.
- Está... Viva!
- Em carne e osso. – Peguei a mão dela e a fiz tocar meu braço, o qual apertou levemente.
Percebi que suas mãos estavam trêmulas e tentei acalmá-la:
- Eu não estou morta. Não sou um fantasma, Fernanda. Acordei do coma há algumas semanas. E... Quis fazer uma surpresa a Andress e Mabel.
Ela deu um passo para trás e mordeu os lábios, nervosamente:
- Mas... Avisaram o senhor Montez Deocca?
- Não... Como eu disse, quis fazer uma surpresa – Sorri e me dirigi novamente para a escada, sendo contida por ela.
- Não pode subir, senhora. – Falou com a voz fraca.
Eu ri:
- Está tudo bem, Fernanda. Andress está em casa, não é mesmo?
Ela assentiu.
- Então irei fazer uma surpresa, conforme imaginei desde que saí do coma. Acredita que me disseram que meu Andress não quis saber notícias minhas? – ri – Isso tudo é uma loucura.
- Senhora... Eu... Não acho que deva subir.
Olhei no relógio, que marcava onze horas da noite:
- Andress não dorme cedo. Certamente irei encontrá-lo deitado, mexendo no celular – lembrei saudosa do corpo de meu marido na cama, usando somente uma cueca, com o corpo perfeito em evidência – E ele ficará feliz em me ver.
- Senhora...
- E Mabel? Meu Deus, que saudade da minha sogra!
- A senhora Mabel... Não está mais na casa.
- Como assim? – Voltei, dando alguns passos para trás e encarando Fernanda.
- Ela... Foi internada numa Clínica.
- O estado de saúde dela piorou?
- Eu... Não sei, senhora. Só sei que... Ela não se encontra mais na mansão.
- Onde ela está? Qual clínica?
- Não posso lhe dar esta informação, senhora... Porque realmente não sei.
Balancei a cabeça e Fernanda se pôs na minha frente:
- Senhora, não suba.
Estreitei os olhos e pedi:
- Saia da minha frente, Fernanda.
Ela abaixou o olhar e saiu, dando-me a passagem. Eu estava com medo do que encontraria lá em cima. Ainda assim respirei fundo, encarei-a e subi vagarosamente cada um dos degraus de vidro, com o coração acelerado.
Andei pelo corredor iluminado pelas andarelas acopladas à parede até chegar ao final dele, onde avistei a porta do meu quarto. Ouvi sons vindo do lado de dentro... E risadas abafadas.
Embora eu não quisesse admitir para mim mesma, já sabia o que estava acontecendo ali.
Vagarosamente girei a maçaneta, tentando não fazer nenhum ruído. Então, com a claridade que vinha da rua, das lâmpadas dos postes, agregada à da lua que emoldurava a noite bonita que fazia lá fora, avistei a silhueta perfeita do corpo de Andress sobre a mulher, enquanto beijava cada parte de seu corpo.
- Você é maravilhosa, Ashley!
- Eu sei... – Ela gargalhou.
Fiquei quase sem ar ao ouvir a voz da minha melhor amiga. Agora eu entendia o carro dela na garagem... E o fato de Mabel não estar mais na casa.
O que aqueles dois tinham feito com Mabel? Como Andress foi capaz de tirar a própria mãe de casa?
- Gostosa... – Andress abriu as pernas dela e começou a beijá-la.
Ouvi os gemidos intensos de Ashley ecoando pelo quarto:
- Me diga que será meu para sempre, Andress.
- Serei... Para sempre – Ele garantiu ainda entre suas pernas.
- E se Duda acordar? – Questionou, com a voz lânguida.
- Ela não vai acordar. E se acordar, exigirei o divórcio, quer ela queira, quer não. Não continuarei em hipótese alguma um casamento fracassado.
- Já vai fazer um ano... Talvez seja hora de entrar com um pedido judicial para que sejam desligados os aparelhos. – Ela sugeriu.
- Sinceramente... Não quero falar de Duda entre as suas pernas, amor...
Ela riu e gritou:
- Ai, isso dói... Continua... Adoro quando morde minha boceta.
Agora eu entendia porque Andress não foi me ver. E também porque Mabel não quis saber notícias. Ou mesmo meu avô. Tudo estava ficando muito claro. Parecia ser um plano... Para tirar todos do caminho.Mas... Com qual objetivo?Desci as escadas imediatamente, sentindo nojo, vergonha, raiva de mim mesma por não ter visto o que esteve na minha frente o tempo inteiro.Fernanda ainda no mesmo lugar, me esperando.- Senhora... Eu... Sinto muito.- Quanto tempo faz que Mabel saiu desta casa? – Perguntei seriamente enquanto limpava as lágrimas.- Sete meses.- E quando Ashley tomou meu lugar?- Algumas... Semanas... Depois que a senhora entrou em coma.- Quantas semanas exatamente?Fernanda abaixou o olhar, temerosa.- Por favor, Fernanda. Eu preciso saber.- Uma semana, senhora.- Preciso de um favor. – Pedi.- Qualquer coisa, senhora.- Não conte a Andress que estive aqui, por favor.- Não contarei.- Ashley está morando aqui?- Ela... Trouxe algumas coisas. E passa a maior parte do tempo ne
- Eu sempre amarei você, mamãe.Ela tocou a ponta do meu nariz com o dedo e sorriu:- Quem tem o nariz mais lindo do mundo?- Eu... – Sorri.- E os olhos?- Eu...- E... A barriga? – Me fez cócegas.- Eu... – Gargalhei.Todos os dias ela fazia aquilo comigo antes de dormir. E eu não conseguia adormecer sem que minha mãe fizesse as cócegas e aquela brincadeira que conheci desde sempre.- Só seja você, Maria. E sei que isto será o suficiente para tocar o coração de seu avô.Mordi o lábio, devastada pelo que sabia que estava acontecendo. Sim, por mais que ela sempre tivesse me preparado para aquele momento, não sabia que doeria tanto.Mamãe me abraçou com força e naquele momento eu soube que era chegada a hora de dizer adeus, o momento ensaiado ao longo dos meus nove anos.- Amo você, Maria. E sempre amarei. Que Deus sempre esteja com você. – Deu-me um beijo na ponta do nariz.Em seguida minha mãe levantou-se e tocou a campainha.- Pois não? – Ouvi a voz vinda de além, parecendo sair de
A porta atrás de mim se fechou e senti o coração acelerar e as pernas tremerem. Tinha uma sala grande ali, com tantos sofás estranhos que fiquei em dúvida novamente se aquele lugar era mesmo uma casa.A mulher me pegou pela mão, levando-me pelo meio dos sofás, até que eu chegasse nas três pessoas sentadas.— Eis a garota, senhor Hauser. — Largou minha mão, deixando-me no centro do tapete felpudo, sob o olhar inquisidor deles.Ficamos todos nos olhando um tempo, sem dizermos nada. Eu ainda segurava minha sacola branca nas mãos e aos poucos fui ficando envergonhada e escondendo minhas coisas para trás do corpo. Observei meus pés sujos no tapete bege claro e comparei meu par de sapatos gastos com os da menina que parecia ter quase a mesma idade que eu, usando sapatilhas pretas com ponteiras douradas e um pequeno saltinho.Sorri, ao lembrar do quanto pedia para minha mãe comprar sapatos iguais aos daquela menina. A meia calça branca que ela usava era impecável e sem um fio puxado, diferen
Andei vagarosamente até a minha suposta tia e peguei suas mãos, de forma carinhosa. Ela ficou confusa. Aproximei-me e cuspi para o alto, pegando na sua cara.A mulher tentou me dar uma bofetada, mas foi contida por uma mão que apareceu por trás dela:— Não se atreva a encostar um dedo na menina!Olhei para a mulher que saiu de trás de tia Maya. Não era muito alta, tinha a pele clara e o rosto redondo com belos olhos claros e cabelos pretos e lisos. Era bonita e cheirava bem.Ela aproximou-se a abaixou-se levemente, ficando na minha altura:— Olá! Eu sou Mabel. Tudo bem?Assenti, dando um passo para trás, amedrontada.A mulher limpou minha lágrima e disse com voz doce:— Vai ficar tudo bem.— Esta é Maria Eduarda, Mabel. É a filha de Rob, da qual lhe falei — Alexis explicou.— Sua neta. — Mabel olhou para o homem.— Sim, minha neta — confirmou.— Mabel, não me diga que concorda com esta palhaçada toda! — Maya disse furiosa.— Não é sobre concordar, Maya. A menina tem direitos. Ela pert
O Shopping era um lugar gigantesco, cheio de lojas e pessoas que pareciam andar em círculos, pois eu as via a cada esquina que dobrávamos. Haviam plantas vivas em vasos sem receber a luz do sol direta. E entendi o motivo pelo qual eu nunca tinha ido num lugar daqueles... Porque não tínhamos dinheiro. E sem dinheiro, não havia o que fazer naquele lugar, já que tudo estava à venda.Acontece que Mabel tinha muito dinheiro. E fomos entrando em todas as lojas que ela via roupas de crianças. E ela me deixava escolher qualquer coisa. Eu teria escolhido somente um vestido e uma sapatilha de ponteiras douradas. Mas ela não concordou e acabou levando tantas coisas que precisou dois homens para ajudar a levar.Eu estava já cansada de provar roupas e calçados quando Mabel sugeriu:— O que acham de comermos alguma coisa?— Eu acho ótimo! Fazer compras é chato — Andress disse, com cara de poucos amigos. — Muito chato.Eu ri. Também achei aquilo chato.— Concorda com ele, Maria Eduarda? — Mabel quis
Eu continuava mastigando a pasta doce que não se dissolvia na minha boca. Não aguentando mais, virei para o lado e vomitei no chão, chamando a atenção de todos.Quando levantei os olhos, já com a boca vazia, Mabel correu até mim, pegando guardanapos e limpando-me, apavorada. Mas eu só tinha olhos para o garoto que não piscava na minha direção, com o copo de refrigerante na mão, sem mover-se do lugar, espantado. Desde que eu pus os olhos em Andress Montez Deocca, sabia que não estaria mais sozinha.Observei o rosto atraente e marcante de Andress. Os olhos azuis intensos estavam fixos no trânsito enquanto ele gesticulava com uma das mãos, usando a outra ao volante. Seus cabelos estavam bem penteados e com tanto gel que o vento vindo de fora não o bagunçava. Ele já não era mais aquele menino de 12 anos que me pediu em casamento. Éramos adultos.Eu chorava copiosamente:— Não pode fazer isso comigo, Andress!— Duda, é o melhor... Para nós dois.— Eu amo você, Andress... — Limpei as lágrim
POV DavidReceber a notícia da morte de meu pai me abalou profundamente. E mexeu com o meio empresarial, já que Declan Dulevsky era mundialmente conhecido por ser o CEO da D.D., a empresa mais desejada pelos que decretavam falência e ao mesmo tempo a que as grandes marcas mais queriam distância. Isso porque o que fazíamos era “ajudar” financeiramente empresas que tinham grande potencial, mas estavam sob má administração, quase entrando em colapso.Nosso trabalho, mais precisamente, era comprar mais da metade das ações (dependendo da empresa, se tinha grande potencial, até 75%). Dessa forma nos tornávamos sócios majoritários e com poder de decisão em qualquer situação. A injeção financeira reerguia os negócios e passávamos não só a lucrar, como também sermos os detentores do poder de decisão da empresa. Éramos temidos no meio empresarial, pois sempre que nos interessávamos por alguma empresa, sendo alertado pela mídia, automaticamente ela já era taxada de falida, mesmo antes de acontec
— Odiar é uma palavra bem forte, não acha?— Você a ama?Pensei antes de responder:— Não.— E não a odeia?— Eu... Não sei, sinceramente. Afinal, faz uns bons anos que não a vemos, não é mesmo?— E isso não faz com que a odeie?— Élida, meu amor... Acha mesmo que é hora de falarmos disto? Vamos deixar esta conversa sobre a senhora Ágatha Dulevsky para uma outra hora.- Uma outra hora seria quando, David? Faz tanto tempo que não nos falamos!— Você quer dizer que não nos falamos pessoalmente, não é mesmo? Porque a gente se fala por mensagem e chamada de vídeo de forma frequente.— Você nem responde minhas mensagens! — Bufou, se afastando completamente de mim e deitando-se novamente na cama.— Respondo quando tenho tempo. Mas eu trabalho, esqueceu?— Trabalha à noite?— Sim, tenho reuniões à noite às vezes.— Prefere as piranhas com as quais sai do que eu — reclamou.— “Piranhas”? Onde aprendeu isto, mocinha?Ela riu:— Vai dizer que não sabe que as mulheres com as quais sai são piranh