Capítulo 1 Thalia.Batuquei os dedos, nervosamente, sobre a mesa, mordendo o lábio inferior numa tentativa frustrada de conter a ansiedade que me assolava. Finalmente, a porta se fechou atrás de nós, proporcionando um refúgio do barulho insistente vindo da sala de espera, que estava começando a me irritar.Respirei fundo, enquanto meus olhos se fixavam nos meus dedos. Havia feito as unhas, ou melhor, as havia pintado com um discreto tom de rosa-claro, sempre preferi tons mais sutis e discretos, e ao examinar mais detalhadamente, notei uma pequena cutícula levantada no canto da unha do meu dedo mindinho.Sem pensar, levei a mão à boca e tentei remover a cutícula com os dentes, fazendo uma careta ao puxar e sentindo um pouco de dor pela ação que acabou ferindo o cantinho da minha unha. Sabia que não deveria fazer aquilo, mas o tédio e a ansiedade obtinham o poder de me fazer agir impulsivamente. Em outras palavras, eu fazia merda quando estava entediada. Manter o controle era um desaf
Capítulo 2Thalia.— Eu não vou fazer exame algum porque eu não estou grávida! Exijo que refaça os exames, esses devem ter sido trocados, porque não tem como eu estar esperando um bebê se eu nunca fiz sexo! — Ok, eu já havia tido momentos íntimos com um homem, mas nada que corresse o risco de uma gravidez. Foram apenas algumas sarradas, mão boba, mas nada de penetração, nada que me fizesse acreditar que um bebê estava crescendo dentro de mim.Doutor Rodrigo soltou um suspiro, se sentou e levou os dedos à têmpora. Sua expressão era um misto de raiva, frustração e tédio. Ele cerrou os olhos em minha direção e começou a falar com mais calma para ver se eu conseguia compreender o que ele estava falando.Senti-me uma criança birrenta enquanto o pai tentava explicar pela décima vez que não podia colocar o dedo na tomada ou levaria um choque. Bom, eu estava realmente chocada. — Não estou afirmando que acredito em você, já que nunca havia me deparado com um caso assim, mas é possível ter eng
Capítulo 3Marcelo.Passado.Parei meu carro no estacionamento da casa noturna e desci. Do lado de fora, sorri ao ver meu irmão e estendi a mão para bater na sua em um cumprimento descontraído.— E aí, mano, veio encher a cara também? — questionou sorrindo.— Na verdade, eu vim impedir que você faça alguma besteira. Ele fez uma careta.— Sabe que não sou disso. Posso estar no fundo do poço, mas jamais me colocaria em risco ou faria isso com pessoas inocentes. — Sua fala saiu ríspida, ele havia se chateado com meu comentário e não podia julgá-lo. Soltei um suspiro.— Eu sei, mano. Me desculpa, mas não custa me certificar, não é? — Ele assentiu, mas sem esconder sua chateação. Mateus era médico, neurologista, para ser mais específico, então salvar vidas era sua função, sua missão na terra, mesmo que nem sempre conseguisse isso.— Vamos entrar, moças fofoqueiras, ou vão ficar aí a noite toda fofocando? — Gabriel, nosso amigo e dono da casa noturna, se aproximou e nos chamou, fazendo um
Capítulo 4.Marcelo.Passado - Meses depois...Acordei com o som estridente da campainha que não parava de tocar. Cocei os olhos e me obriguei a levantar. Ao chegar na porta do meu apartamento, abri-a e dei de cara com Andressa aos prantos.— O que...— Ai, Marcelo. — Se jogou em meus braços.— O que houve?— Estou com tanto medo. — Seu choro era sentido.Fechei a porta atrás de nós e a levei para o sofá.— Andressa, o que houve? Está me assustando.— Eu... — Me olhou, mas logo desviou o olhar. — Tenho medo do que pensará de mim.— Me diga o que houve, sabe que pode confiar em mim.Ela ergueu os olhos e, de sua boca, saiu algo que mudaria minha vida.— Estou grávida. — soltou, me deixando atômico e sem reação.— Eu estou grávida, Marcelo. — repetiu, acredito para ter certeza de que eu a ouvira.Eu já tinha ouvido, ouvi com muita clareza, só não sabia como reagir ao que havia acabado de sair de sua boca. — O quê? — minha voz se elevou e ela se levantou, tomando distância de mim.— Es
Capítulo 5.Marcelo.Passado - Dois meses depois...Os arranha-céus da cidade iluminavam o céu noturno enquanto eu dirigia pela estrada quase deserta. O brilho das luzes da cidade parecia piscar e dançar, como se estivessem tentando me acalmar após um dia exaustivo de trabalho. Como CEO, os dias eram sempre longos e cheios de desafios e surpresas. E algumas nada agradáveis, como descobrir um roubo de quase duzentos mil reais de uma das minhas contas empresariais. Mas eu sempre encontrava conforto ao pensar em Andressa, minha noiva, que me esperava em casa.Ela e a minha família eram as pessoas em quem eu mais confiava e não havia motivos para pensar o contrário. Ao estacionar o carro na garagem, respirei fundo, tentando deixar para trás o estresse do dia.Peguei minha pasta e as chaves, caminhando em direção à porta da frente. Ao abrir a porta, fui recebido pelo silêncio. Estava tudo estranhamente quieto para uma mulher que vivia em casa, se preparando para a chegada do nosso filho, e
Capítulo 6.Thalia.Passado.A manhã em São Paulo estava quente. Me abanei com a capa do caderno enquanto esperava o sinal tocar, sentada no pátio com minhas colegas. O uniforme do colégio era de um tecido leve, mas nem isso parecia ajudar a aplacar o calor que nos consumia lentamente.— Não dá para viver assim! — reclamei, enquanto passava a mão pela testa suada. — Esse calor está de matar, parece que estou dentro de uma frigideira com óleo fervendo. — Bufei, louca para tomar um banho. Minhas amigas riram. Camila, que sempre tinha um comentário debochado, respondeu:— Ué, Thalia, aproveita que você é nossa chefe de cozinha e faz um ovo frito no asfalto! — Debochou.— Só se for com o fogo do seu rabo! — rebati, sarcástica, rindo junto com as outras, menos Camila, que fechou a cara depois do meu comentário.Eu gostava de cozinhar, sempre que tinha alguma comemoração na escola, fazia os doces ou salgados. Estar ali com elas era sempre divertido. Mas claro, nem tudo era perfeito. Tinha
Capítulo 7Thalia Passado - Horas depois...Sentada no sofá da sala, com um livro aberto no colo, deixei minha leitura de lado para observar aquele momento que aquecia meu coração. O cheiro de alho refogado pairava no ar, misturando-se ao som da música suave que minha mãe cantarolava. As cortinas leves balançavam com a brisa que entrava pela janela aberta, trazendo consigo o perfume das flores do jardim.Como sempre, minha mãe já estava na cozinha, mexendo uma panela sobre o fogão, preparando nosso jantar. Ela cantava uma melodia qualquer, mas sua voz era tão doce que parecia composta especialmente para aquele momento. Meu pai, Efraim, entrou pela porta com um sorriso largo em seu rosto bonito, mas já marcado por algumas rugas.Antes de chegar à cozinha, ir abraçar e demonstrar à mamãe todo seu amor e a saudade que sentira dela, ele passou por mim. Estava ansiosa por vê-lo, já que hoje tínhamos almoçado sem ele, pois estava trabalhando e não pôde se juntar a nós nessa refeição sagrad
Capítulo 8.Thalia.Presente...Meu coração estava apertado depois das lembranças que vieram à minha mente. A dor de não ter minha mãe em minha vida era esmagadora. Ainda mais depois do que eu acabara de descobrir.Sentei-me na cadeira, tentando manter a compostura enquanto digeria tudo o que havia acabado de saber. Hoje era um daqueles dias em que tudo parecia dar errado. Para ser sincera, minha vida inteira vinha sendo uma sequência interminável de dias ruins. Há meses, eu estava com o aluguel atrasado, e o síndico já tinha me ameaçado com a expulsão mais vezes do que eu podia contar.Desde que minha mãe morreu, há dez anos, minha vida virou de cabeça para baixo. Meu pai, devastado pela perda,afundou-se na bebida. Saímos do bairro em que vivíamos confortavelmente e fomos parar em um lugar decadente, morando em um prédio caindo aos pedaços. Dinheiro era escasso, e eu tive que amadurecer rápido, começando a trabalhar antes mesmo de completar 18 anos.Por anos, minha rotina foi solitár