Ele era um homem de hábitos matutinos. Gostava de acordar às primeiras luzes da manhã, quando o sol, ainda preguiçoso, começava a despontar lentamente no horizonte. Apreciava imensamente sentar-se à varanda da casa, observando os homens trabalhando, sabendo que em breve estaria com eles, nas tarefas diárias, mas, logo assim que despertava, precisava passar um tempo com uma caneca de café forte e sem açúcar na mão. Sentia que havia algo de muito tranquilizante naqueles momentos, pois tinha a oportunidade de pensar na vida.
E a verdade era que ultimamente sua mente não parava um segundo.
Tinha muito no que pensar. Sentia falta do irmão, precisava proteger a sobrinha e agora ainda havia mais um pensamento em sua cabeça: a tia da criança.
Meredith Hart era uma mulher difícil. Nunca pensara que seria simples, mas ao menos imaginava que a mulher lhe daria uma chance para conversarem e resolverem como cuidariam do bebê... juntos. Sim, porque ele estava disposto a negociar, a encontrar uma forma de os dois poderem participar do crescimento da criança. Contudo, apesar de compreender que ela também tinha direitos como tia, Gavin precisava começar a se munir de informações, caso tivesse que tomar atitudes mais drásticas. Não podia permitir que a pequena Madeline sofresse pelo orgulho de uma pessoa teimosa.
Madeline... era um nome bem bonitinho. Pensar nisso fez com que seu coração se enchesse de carinho. Estava ansioso para conhecer a sobrinha. Não a via como um erro; pensava nela como uma esperança... uma perpetuação da lembrança de seu irmão.
― Querido, ele chegou...
Gavin nem ouviu sua mãe se aproximando, mas sua voz o resgatou de seus pensamentos.
Ouviu-a dizendo que a visita que esperava já tinha chegado, por isso, checou seu relógio de pulso. Já eram nove horas da manhã. Seria possível que tinha passado mais de quatro horas ali sentado?
Levantando-se e esticando-se depois de tanto tempo sentado, do alto de seus um metro e noventa de altura, Gavin preparou-se para a conversa. Sua mãe ainda o esperava na soleira da porta, pronta para acompanhá-lo. Ele sabia que ela iria querer estar presente para ouvir o que o homem tinha a dizer.
― Tem certeza disso, querido? ― ela perguntou quando ele se aproximou dela e colocou o braço ao redor de seus ombros. Ela era bem menor do que ele, o que lhe inspirava um imenso senso de proteção. E era por causa dela também que estava disposto a lutar por uma participação mais ativa na vida da sobrinha. O rosto que ele tanto amava andava muito abatido desde a morte de Steve, e ele queria poder lhe proporcionar ao menos um pouco de alegria, mesmo que não compensasse a perda.
― Tenho. Não vou fazer nada precipitado... também não quero brigar com Meredith Hart. Quero apenas estar informado para o caso de ela dificultar as coisas.
― A menina não precisaria estar passando por tudo isso. Por que Steve mentiu que ela não era filha dele?
Lá estava Winnifred Randall lutando contra as lágrimas novamente. Eram muitas emoções conflitantes açoitando sua alma. Gavin odiava aqueles momentos onde via sua mãe sofrer e não podia fazer nada a respeito. Sentia-se impotente.
― Não sei, mãe, mas vamos consertar tudo, ok? Eu prometo ― como se selasse a promessa, Gavin beijou a testa de sua mãe com ternura, e eles continuaram a caminhar pela casa enorme, até chegarem no escritório, onde um homem de meia idade já o aguardava.
Todos os dois o cumprimentaram e sentaram-se. Havia certa formalidade na forma como se comportavam, afinal, o assunto era sério.
― O que trouxe para nós, Dr. Lee? ― Gavin iniciou a conversa. Não tinha tempo a perder.
O advogado colocou sua pasta de couro sobre a mesa de madeira e abriu-a. Lá dentro havia alguns papéis e algumas fotos. Algumas delas eram de Meredith segurando uma criança no colo, outras de Meredith nos dois empregos e algumas da neném sendo cuidada por outra pessoa.
Winnifred praticamente arrancou uma das fotos da mão do homem; uma onde o rosto da criança aparecia com mais clareza por causa de um zoom da câmera.
― Ah, meu Deus! Mas ela é tão linda! ― a mulher exclamou, cheia de emoção, referindo-se à netinha.
Ignorando a mulher, os outros dois continuaram a conversa.
― Pelo que me disse, Sr. Randall, há muitas possibilidades de conseguir tomar a guarda da menina de Meredith Hart. Apesar de parecer gostar muito da criança, ela não tem condições financeiras para sustentá-la.
― E isso já seria suficiente em um tribunal? Por que até onde eu sei mulheres sempre levam vantagem nesses momentos... ― Gavin indagou.
― Sim, mas neste caso a Sra. Randall, como avó, seria uma possibilidade ainda mais plausível como tutora. É uma parente de sangue próxima e tem condições, não apenas financeiras, mas também toda uma estrutura muito mais favorável para a criação de Madeline.
― E como ficaria Meredith Hart nessa situação? Ela teria acesso à criança?
― Sim, como qualquer outra tia. A não ser que achem que ela possa ser uma ameaça, o que não me pareceu de acordo com a pequena investigação que fiz. Caso achem que ela maltrata a menina, podem recorrer a uma ordem de restrição.
― Não. De forma alguma. Não é o caso ― Gavin se apressou em responder. Com certeza Meredith não era uma ameaça à criança. ― Mas e se ela se recusar a um acordo? Se dificultar as coisas?
― Não há necessidade de acordo. Se entrarem na justiça, a causa é de vocês.
"A causa"... como se Madeline fosse um produto com defeito ou um problema a ser resolvido. Era um ser humano, parte de sua família. Apesar de não gostar da forma como o advogado se referiu à sua sobrinha, Gavin continuou ouvindo-o com atenção.
― Se quiserem dar entrada no processo imediatamente, eu posso preparar a papelada... ― o homem falou.
Por um momento, Gavin sentiu-se hesitante. Poderia simplesmente adiantar aquilo e minimizar as dores de cabeça, além de trazer Maddy para perto deles o mais rápido possível, o que faria sua mãe muito feliz. Contudo, havia mais uma pessoa nessa história toda e, apesar de ser ela a responsável pelas dores de cabeça, por estar prestes a dificultar tudo, ele compreendia que não poderia arrancar a menina dos braços dela como se não se importasse. Ele realmente se importava e não pretendia ser o vilão da história.
Antes de responder qualquer coisa, porém, olhou para sua mãe, tentando, em silêncio, buscar sua opinião. A mulher logo balançou a cabeça negativamente, e ele chegou a sorrir. Não era a toa que eram mãe e filho; sempre foram muito parecidos, tanto fisicamente, com os mesmos cabelos negros, pele morena e olhos amendoados, quando nos gestos, na forma de falar e pensar. Por mais que estivesse ansiosa para conhecer a neta, Winnifred sabia que a paciência era um dom divino. Colocava-se no lugar de Meredith e não iria aceitar, de forma alguma, que tomassem atitudes drásticas antes de conversarem com a moça e tentarem um acordo.
― Não. Vamos esperar um pouco mais. Acreditamos que com uma boa conversa a Srta. Hart vai acabar cedendo.
A expressão do advogado foi de puro cinismo. Ele visivelmente não acreditava que o que Gavin esperava fosse possível. Mas o cliente sempre tinha razão, não é mesmo? Por isso, ele aceitou o pedido dos Randall e retirou-se da casa assim que eles informaram que não tinham mais nenhuma dúvida.
Logo que ficaram sozinhos, Gavin e Winnifred voltaram a discutir.
― Acha mesmo que essa é a coisa certa a se fazer? Será que não estamos piorando a situação? Quanto mais demorarmos a resolver tudo, mais tempo Madeline vai passar por dificuldades.
― Não acho que vamos conseguir nada à força. Não conheço essa moça, mas entendo o lado dela.
― Claro que entende. É tão teimosa quanto Meredith Hart ― Gavin falou com um sorriso no rosto e cruzando os braços, em uma atitude divertida.
― Sim, acho que somos parecidas ― Winnifred afirmou, olhando para a foto da moça à qual se referia. ― E ela é bem bonita, não?
Poderia ser uma pergunta inocente, caso ele não conhecesse quem estava perguntando. E, claro, caso ele não sentisse o tom de malícia na voz de sua mãe.
― É... ela é bonita, mas há muitas mulheres bonitas no mundo...
E, em uma atitude de pirraça, Gavin arrancou a foto da mão da mãe e saiu do escritório, deixando-a sozinha com um sorriso no rosto, que ele não reparou.
A mente de Winnifred Randall também estava trabalhando a mil por hora.
Sim. Sem dúvida ela era bonita. Sentado sobre o pequeno muro da estebaria, Gavin analisava a foto que tinha nas mãos. Claro que seu maior foco era a sobrinha, aquela linda neném que ― com sorte ― muito em breve estaria sob seus cuidados, mas não podia ignorar a bela mulher que a sustentava nos braços. O detetive a tinha fotografado de cima, o que possibilitava ver perfeitamente o rosto do neném, contudo, também era possível distinguir perfeitamente o tom castanho mel de seu cabelo, o tom claro de sua pele, que fazia com que ela parecesse um pêssego macio, e os olhos ― desses ele se lembrava muito bem, por causa do tom inigualável que ficava entre o verde e o amendoado ― estavam voltados para baixo
ALGUNS DIAS DEPOIS... Era um desastre... Havia contas e mais contas sobre a mesa de jantar. Nenhuma carta sequer. Nenhuma oferta de ajuda de algum amigo distante caridoso ou algum prêmio, herança... nada de boas notícias. Sua cabeça estava prestes a explodir. Ela podia jurar que estava ouvindo o tic-tac da bomba em seu ouvido, quase em câmera lenta. Torturante. Uma batida na porta se misturou ao choro de Madeline, que parecia compartilhar do desespero da tia. Como se ela entendesse alguma coisa. Atendeu à porta e ficou aliviada ao ver Jenny. Estava um pouquinho atras
Pela primeira vez na vida, Meredith sentia medo do amanhecer. Assim que abriu os olhos, que tinha fechado por apenas alguns segundos, no momento em que Maddy cochilou, depois de ser acordada pelos berros do despertador, percebeu o quanto aquela noite mal dormida iria lhe prejudicar o dia inteiro. Não apenas estava desesperadoramente exausta, mas também não sabia o que fazer. Maddy estava mais calma, mas já acordada, dentro do bercinho. Não tinha muito tempo a perder, mas decidiu ficar parada por alguns minutos apenas olhando aquela linda bebezinha. Imediatamente, seus olhos se encheram de lágrimas. Sentia-se cada dia mais perdida, pensando que os sacrifícios que fazia acabariam não dando em nada. Perguntava-se
A sensação era de uma péssima ressaca. Mas ela sabia que não tinha bebido. Seu corpo estava mole, dolorido, e sua garganta estava seca, arranhando. Precisava de água, mas não tinha coragem de se levantar. A cama estava mais macia do que nunca, e os lençóis cheirosos e limpos, parecendo novos. Nem parecia a sua cama. Outra coisa também fazia com que aquele momento fosse um verdadeiro paraíso: Maddy estava quieta, tranquila e... Um flash de memória surgiu em sua mente. Tinha encontrado Gavin Randall na saída de seu trabalho. E o pior: tinha entregado Maddy para ele. Meu Deus! Tinha colocado a sobrinha nos bra&cc
Foi uma voz, exatamente cheia de amor, que a fez olhar para a porta dentro do quarto. ― Maddy, vovó voltou com seu leitinho quente e... Wendy entrou com uma mamadeira enrolada em uma fralda e ficou surpresa ao ver Meredith ali. ― Me desculpa, eu não deveria ter entrado aqui. Eu só queria vê-la... ― explicou-se, sentindo-se uma intrusa. ― Não tem problema. Você é bem-vinda aqui, Meredith. Ela parecia sincera, principalmente ao sorrir. Havia algo naquela mulher que fazia com que Meredith gostasse dela, por mais que tentasse evitar.&
A impressão que tinha era que ela tinha dormido por dias. Talvez meses, mas fazia apenas oito horas que a tinha colocado na cama. Passara a noite inteira em seu quarto, novamente, observando-a. A febre tinha cessado, e, quando ela acordou, parecia mais forte, mais saudável. Especialmente quando quase deu um pulo ao vê-lo ali. ― Você me assusta, sabia? ― ela falou, colocando a mão no peito. ― Desculpe. Não foi minha intenção ― ele disse muito sério. ― Preciso conversar com você. ― Comigo? ― Meredith não podia imaginar qual seria o assunto. Suspeitava que tivesse a ver com Maddy. 
Quando chegaram, ele insistiu em entrar com ela para deixá-la totalmente em segurança. Assim que abriram a porta, no entanto, percebeu nos olhos dela toda a solidão que aquela casa significaria dali em diante. ― Parece tão maior... tão vazio... ― ela não tencionava dizer nada, mas foi quase um pensamento alto demais. ― Meredith... ― Gavin colocou a mão em seus braços e a virou para si. ― Você não precisa ficar aqui. Pode voltar comigo até que se acostume com a ideia. ― Não vou me acostumar se não estiver aqui. Ele suspirou. ― Ent&a
Era estranho acordar e não estar com pressa. Já fazia muito tempo que não conseguia preparar seu próprio café, exatamente do jeito que gostava, e sentar-se à mesa lendo jornal. Tinha telefonado para seus dois patrões e pedido demissão. Por mais que já tivesse se decidido a respeito do pedido de Gavin, não estava fazendo aquilo pois planejava viver uma vida fácil e confortável, mas porque queria recomeçar. Assim que sua vida entrasse nos eixos — se é que entraria —, começaria a procurar por outro emprego melhor. Depois que aproveitou sua manhã, como não fazia há muito tempo, decidiu se arrumar com bastante empenho. Podia ser uma bobeira, mas estava prestes a conversar com seu futuro marido. Por mais que soubesse que seria um casamento de fachada, queria que ele a achasse boni