Capítulo 4

ALGUNS DIAS DEPOIS...

            Era um desastre...

            Havia contas e mais contas sobre a mesa de jantar. Nenhuma carta sequer. Nenhuma oferta de ajuda de algum amigo distante caridoso ou algum prêmio, herança... nada de boas notícias.

            Sua cabeça estava prestes a explodir. Ela podia jurar que estava ouvindo o tic-tac da bomba em seu ouvido, quase em câmera lenta. Torturante.

            Uma batida na porta se misturou ao choro de Madeline, que parecia compartilhar do desespero da tia. Como se ela entendesse alguma coisa.

            Atendeu à porta e ficou aliviada ao ver Jenny. Estava um pouquinho atrasada, com certeza por levar os meninos na escola, mas estava lá. Aquela mulher era um anjo de Deus em sua vida.

            ― Desculpa o atraso, Mer, mas uma professora me pediu para conversar. Acredita que Doug bateu em um coleguinha? ― Ela falou quase aos berros, tentando sobrepor sua voz aos fortes pulmões de Madeline, enquanto pegava o bebê para a amiga poder começar a se arrumar.

            Meredith se culpava quando não conseguia dar a devida atenção a Jenny, mas estava atrasada demais e ainda precisava tomar um banho, vestir-se e pegar um pequeno engarrafamento até a clínica, seu primeiro trabalho do dia.

            Ainda bem que Jenny era compreensiva e não insistiu no assunto. Contudo, assim que Meredith terminou o banho e começou a caminhar pela casa apenas de calcinha e sutiã, catando as roupas espalhadas pelo chão, que não tivera tempo de organizar na noite anterior, ela comentou.

            ― Mer, as contas estão todas vencidas? ― perguntou, segurando os papéis na mão. Jenny jamais mexeria nas correspondências de alguém, mas tinha intimidade suficiente com Meredith para aquilo.

            Meredith parou o que estava fazendo por alguns instantes e olhou para a amiga, parecendo completamente desolada.

            ― Estão. Não sei o que fazer. O Sr. Clarkson me ofereceu para fazer algumas horas extras em uma festa de hoje, onde ele foi contratado para fazer o buffet. Mas eu não tenho como fazer isso por causa da Maddy.

            ― Vai dar uma grana boa?

            ― Razoável. Daria uma ajuda. Mas vai acabar muito tarde.

            ― Tarde quanto?

            ― Acho que umas duas da manhã. Eu só conseguiria chegaria em casa às três ― falou com pesar.

            ― Eu posso levar Maddy para a minha casa e ficar com ela até você chegar.

            ― Mas o David não gosta quando você faz isso. Ele não aprova que você cuide de Maddy.

            ― Pode não aprovar, mas não é um desalmado. ― Jenny faz uma pausa. ― Vá e faça sua hora extra.  

            Meredith puxou Jenny para si e a abraçou com força. O que era irônico. Aquela felicidade toda só porque iria trabalhar dobrado! Que vida patética!

            Agradeceu e já ia se virando, pronta para terminar de se arrumar, quando Jenny a segurou pelo braço. Ainda tinha algo a dizer.

            ― Você não pode viver assim, Meredith! É jovem demais para se afundar em um trabalho do qual não gosta, para cuidar de uma filha que não é sua.

            ― Ela é minha agora, Jenny. E preciso fazer qualquer coisa que puder para mantê-la bem.

            Jenny se aproximou, olhando fundo nos olhos da amiga.

            ― Então procure os Randall. É sua melhor chance.

            Meredith não queria nem pensar naquela possibilidade. Ainda não queria chegar ao extremo de fazer pacto com o diabo. Porque era exatamente isso que eles eram para ela.

            Sem responder, terminou de se arrumar e saiu, dando um beijo na cabecinha de Maddy e outro no rosto da amiga.

            Jenny, por sua vez, ficou observando-a enquanto ela cruzava a porta, balançando a cabeça em negativa, desaprovando aquela atitude. Enquanto Meredith não deixasse o orgulho de lado, não conseguiria ter paz.

***

            Reuniões sociais eram um pesadelo para Gavin. Não que não gostasse de estar perto de pessoas, de conversar ou de se divertir, mas precisava confessar que preferia fazer tudo aquilo com seus verdadeiros amigos. Não com pessoas que o conheciam por causa de seu sobrenome, que se metiam em sua vida sem nem conhecê-lo.

            E assim que chegou naquela festa, ele teve a impressão de que seria exatamente assim. Conhecia a maioria dos rostos que o encaravam e sabia que todos eles deveriam estar cochichando pelo fato de ele estar novamente presente sem nenhuma candidata a esposa a tiracolo. A conversa era sempre a mesma: ele já tinha trinta anos, era bem sucedido e tinha uma aparência incrível, um chamariz de mulheres, mas nunca era visto com nenhuma. Podia até jurar que várias daquelas pessoas deviam achar que era gay.       

            Que achassem. Ele não ligava nem um pouco.

            Na verdade, ligava bem mais para o fato de estar preso em um terno e encoleirado por uma gravata. Duas coisas que, definitivamente, não combinavam com ele.

            Como bom fazendeiro que era, gostava de jeans, camisetas confortáveis e tênis. Estar arrumado para ele significava trocar a camiseta ou a blusa de flanela por uma camisa pólo e pronto! Já estava quase com roupa de gala.

            O problema era que não tinha muita escolha. Aquele tipo de evento social era necessário para os negócios, era onde ele conhecia novos clientes, investidores e formas de divulgar os produtos Randall de forma mais abrangente. Mas era um saco, com certeza. Tudo que queria era estar em casa assistindo a algum jogo de futebol na TV.

            Já que não tinha outra escolha e estava ali, sua meta era ficar bem escondido e não conversar com muitas pessoas, apenas com quem fosse realmente relevante para os negócios. Contudo, assim que se movimentou para pegar uma bebida da bandeja de um garçom e a luz incidiu em seu rosto, foi que o viram ali. E quem o viu foram exatamente pessoas que ele não poderia ignorar.

            O Sr. e a Sra. Greene eram dois senhores de mais de sessenta anos, donos de uma rede de mercados de médio porte, grandes compradores dos produtos que a fazenda de Gavin produzia. Eles atendiam boa parte das pequenas cidades nos arredores e rendiam um lucro excelente.

            Gavin gostava deles, de todo coração. Eram boas pessoas, divertidos, gentis... mas eram craques em perguntas indelicadas ― talvez pela idade avançada.

            ― Gavin, querido! ― A senhora Mildred Greene cumprimentou-o com um beijo no rosto. Ela estava sempre cheirando a baunilha. Era um aroma um pouco enjoado, mas ele já estava até acostumado. ― Que bom te ver por aqui. Cada dia mais bonito! ― Ela deu dois tapinhas no rosto dele, como uma avó faria.

            ― Digo o mesmo, sra. Greene. ― Gavin beijou a mão dela com gentileza.

            ― E os negócios, filho? Prosperando como sempre, não é?

            ― Graças a Deus, não tenho do que reclamar ― sorriu.     

            ― Só falta Deus colocar uma boa mulher no seu caminho, meu filho.

            Pronto! Lá estava o assunto que ele tanto temia. Mas por que será que aquele povo todo achava o amor assim tão importante?

            ― Ela vai chegar um dia. Tenho certeza ― Gavin sorriu outra vez, começando a ficar constrangido.

            ― Ah, mas está demorando muito. Você é um rapaz tão bonito, deve ter um monte de boas moças interessadas ― Mildred falou e ainda acrescentou. ― Se eu tivesse uns quarenta anos a menos, você não me escaparia. Essas garotas de hoje em dia são muito lerdinhas.

            E Gavin ficou ainda mais envergonhado. Olhou para Edgar Greene, mas esse não parecia nem um pouco incomodado com a afirmação da esposa. Parecia até concordar com ela.

            Gavin sabia que ela pretendia continuar falando, afinal, quando começava não conseguia mais parar. Para sua sorte, porém, eles eram os anfitriões da festa e foram chamados para falar com outro grupo de convidados que tinha acabado de chegar. Com a promessa de voltarem para terminar o assunto, os dois se afastaram de Gavin.

            Assim que ele se viu sozinho, respirou aliviado e começou a procurar a saída mais próxima para desaparecer. No entanto, foi interrompido por outra pessoa que se colocava ao seu lado.

            Sabendo que teria que participar mais uma vez de uma conversa enfadonha, bufou sem paciência, decidido a ser mal educado, mas viu que quem estava ali era Bernard Malls, seu contador e amigo.

            ― Já sabe que vai ouvir isso muitas vezes se não acabar se casando logo ― ele comentou.

            ― Até você, Bernie? Como vou me casar se não tenho nem namorada?

            ― Fica calmo, irmão. Só estou dizendo que se tivesse uma esposa facilitaria sua candidatura.

            Bernard tinha conseguido convencer Gavin a se candidatar a prefeito de Summershade nas próximas eleições que aconteceriam ainda naquele ano. O problema era que, apesar de todos aprovarem a ideia, ainda não tinham aprovado sua candidatura por ele ser solteiro. A cidade era muito conservadora e algumas regras bobas o estavam barrando.

            Na verdade ele nem sabia mesmo se queria ser prefeito, se tinha condições de arcar com uma responsabilidade daquele tamanho, mas queria consertar muitas coisas na cidade. Havia muita coisa errada por ali. Não que tencionasse ser o superhomem ou qualquer coisa assim, mas tinha suas metas e ideais.

            ― Se não acontecer, não aconteceu, paciência. ― Gavin deu de ombros.

            ― Acho que você ainda vai se arrepender de dizer isso, mas vou continuar tentando.

            Bernard era muito influente na cidade. Gavin não duvidava que ele iria conseguir.

            Seu amigo continuou falando sem parar, mas ele já não conseguia mais prestar atenção. Algo cativou seus olhos e os deixou completamente intrigados.

            O coque severo não deixava seus belos cabelos catanhos caindo pelos ombros, como ele tinha visto tanto pessoalmente quanto nos retratos do detetive que contratara. Seu rosto parecia um pouco diferente também. Além de não estar maquiada, os olhos amendoados estavam totalmente sem brilho, cheios de olheiras, sem vida. Ela parecia imensamente cansada, infeliz...

            Ao mesmo tempo que Gavin sentia pena, porque ela estava absorvendo a responsabilidade toda para si por amor à irmã, ficava com raiva por saber que ela estava acabando consigo mesma só para não aceitar a ajuda de sua família.

            Tudo bem que nem a conhecia, então, não deveria estar se preocupando tanto com sua saúde ou bem estar. Mas, por mais que nenhum dos dois gostasse disso, tinham uma ligação.

            Bernard, que ainda não tinha parado de falar, finalmente percebeu que Gavin não estava lhe dando atenção e desviou os olhos na direção de onde estavam os dele.

            ― Eu te aconselhei a procurar uma esposa, mas não precisa sair pegando qualquer uma. Uma garçonete? Você deve ter opções melhores.

            Imediatamente Gavin virou a cabeça na direção do amigo, surpreso pelo tamanho de seu preconceito.

            ― Ela não é qualquer uma. É a tia de Madeline ― afirmou indignado.

            ― Ah, a filhinha do seu irmão. Eu não sabia disso!

            ― Não, não sabia...

            Ainda incomodado com aquela resposta, Gavin se afastou de Bernard. Começou a caminhar lentamente na direção de Meredith, afinal, não podia perder uma oportunidade para falar com ela, nem que fosse por estar em um lugar onde ele sabia que ela não poderia gritar com ele ou tratá-lo mal.

            Entretanto, já estava bem perto dela quando desistiu. Ela já parecia aborrecida demais, cansada e humilhada. Não precisava que nenhum babaca a importunasse ainda mais durante seu trabalho.

            Sendo assim, ele tomou o caminho inverso e foi embora da festa. Já tinha vivido emoções demais por uma noite só.

***

           

            Meredith estava se tornando especialista em não cumprir suas promessas. Tinha garantido que chegaria na casa de Jenny para buscar Madeline às três, no máximo, mas já eram quase quatro quando bateu levemente na porta. Para aumentar ainda mais o seu azar, ela podia ouvir Maddy chorando e quem abriu a porta foi David. E ele não estava com uma cara nada boa.

            ― Boa noite, Dave! ― Meredith cumprimentou constrangida.

            ― A sua pode estar boa, porque a nossa está péssima.

            Ao ouvir o marido falando, Jenny veio até a porta com pressa, principalmente para entregar Maddy.

            ― Ela começou a chorar agora, mas está agitada o dia inteiro. Acho que você não vai conseguir dormir hoje ― Jenny explicou.

            ― Você deveria ter um pouco de senso, Meredith. Somos pais de família, trabalhamos muito. Não podemos ficar à sua mercê, cuidando da sua neném.

            David estava indignado, e com razão. O problema era que Meredith também não queria ficar à mercê do destino. Mas era exatamente ali onde ela estava, nas mãos de uma porcaria de sorte que não parecia nem um pouco sua amiga.

            ― Não vai acontecer de novo. Vou dar um jeito. ― E então se virou para Jenny, com uma expressão carinhosa no rosto. ― Obrigada por tudo, querida! ― E foi embora.

            De longe, ouviu Jenny chamando seu nome, com certeza para dizer que Meredith ainda podia contar com ela. Mas ela não ousaria atrapalhar a vida da amiga outra vez.

            Ainda não sabia o que poderia fazer, mas, pelo visto, teria o resto da noite inteira ― ou as poucas horas que ainda restavam dela ― para pensar, pois Maddy não parecia nem um pouco disposta a colaborar e dormir, não importava o que fizesse.

            Seriam as horas mais longas da sua vida.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo