Ethan SantoriniRespirei fundo, segurando a alça da mochila com força. A escola parecia enorme de novo, como se eu tivesse me esquecido do tamanho dela. Agradeci a tia Jujubinha e ao meu pai pelo apoio e entrei. O corredor estava cheio de alunos, conversando e rindo. Senti um frio na barriga, mas me forcei a continuar andando.Cheguei na minha sala e a professora, Dona Clotilde, me viu e abriu um sorriso.— Ethan! Que bom te ver de volta! Sente-se, por favor.A sala toda olhou para mim. Senti minhas bochechas corarem, mas fui até uma carteira vazia perto da janela e me sentei. Um menino de óculos redondos e uma menina numa cadeira de rodas me olharam com um sorriso.— Que bom que você voltou, Ethan! — disse o menino.— Sentimos sua falta! — completou a menina.— Obrigado — respondi, timidamente.A aula começou e, apesar de algumas matérias estarem um pouco atrasadas, consegui acompanhar a maior parte. A tia Jujubinha tinha me ajudado muito. Quando o sinal tocou para o lanche, Aurélia,
Jhulietta DuarteUm mês havia se passado, e eu estava feliz por Ethan estar se adaptando bem à escola novamente. Apesar de algumas crianças zombarem dele ocasionalmente, ele tem lidado de forma admirável. Sua amizade com Viollet, Aurélia e Emanuel tem sido positiva. Sempre que os pais permitem, os três vêm passar o dia com ele. Por vezes, tento deixá-los a sós para fazerem coisas de crianças, mas Ethie faz questão que eu esteja por perto.Minha relação com Nicolas, por outro lado, continua estagnada. Não sinto mais o desprezo que sentia no início, mas nossa interação se limita a conversas esporádicas na cozinha, nosso local de encontro quase que oficial.Hoje, Ethan pediu para visitar os avós, e Nicolas sugeriu que eu o levasse. Ao chegar, fui recebida por Gina, a governanta da casa, a quem Ethan chama carinhosamente de "tia Gina". A casa era grandiosa, e fiquei imaginando Nicolas correndo por ali na infância, explorando cada canto.Depois que minha mãe foi assassinada, nunca tive um
A madrugada parecia mais longa do que o habitual. O relógio na cabeceira marcava 3h20, mas o tempo parecia congelado. Minhas mãos tremiam enquanto passava os dedos pelos lençóis úmidos de suor. O pesadelo ainda pulsava em minha mente, como uma cicatriz recém-aberta. As lembranças dos gritos da minha mãe, do cheiro metálico do sangue e do olhar frio do meu pai estavam tão nítidas que era como se tudo estivesse acontecendo novamente.Engoli em seco, tentando afastar as imagens, mas a sombra escura do passado continuava a pairar. Levantei-me da cama com cuidado para não fazer barulho. A casa estava silenciosa, exceto pelo som baixo do vento lá fora. Eu precisava de ar, de espaço. Peguei meu casaco no cabideiro e desci as escadas.Caminhei até a área da piscina. O reflexo da lua na água parecia uma miragem distante, mas ainda assim reconfortante. Sentei-me no chão frio, abraçando os joelhos, e deixei as lágrimas caírem livremente. Chorava por tudo: pela dor que nunca desapareceu, pela cri
Meu nome é Jhulietta Duarte, mas todos me chamam de Ju. Leciono em uma escola pública no coração da cidade e, se aprendi algo nesses anos, é que a rotina simplesmente não existe. Por mais que eu planeje cada detalhe das minhas aulas, sempre surge uma criança com uma pergunta inesperada, um pequeno incidente ou um evento que vira o dia de cabeça para baixo.Naquela tarde, porém, eu ansiava por uma exceção à regra. Após uma semana exaustiva, meu único desejo era chegar em casa, me livrar dos sapatos apertados, preparar uma xícara de chá quente e me afundar em um filme qualquer. Um final de semana tranquilo, sem sobressaltos.O relógio se aproximava das seis e o céu se incendiava em tons de laranja e rosa, um espetáculo que sempre me lembrava da beleza nas pequenas coisas. O trajeto até o ponto de ônibus era uma trilha conhecida: ruas calmas onde crianças corriam e brincavam, cães latiam para o vento e o murmúrio distante do trânsito ecoava do centro.Mas, naquela tarde, a atmosfera esta
A situação era tão irreal que parecia um sonho distorcido. Eu, Jhulietta Duarte, professora de uma escola pública, estava agora enclausurada no banco de trás de um carro luxuoso, a mão pequena de Ethan apertando a minha com uma força quase desesperada. À nossa frente, o homem que presumivelmente era seu pai, o motorista, emanava uma aura de tensão palpável. Sua postura rígida, os olhos fixos na estrada como se fugisse de algo, denunciavam uma batalha interna, um turbilhão de emoções contido a duras penas.— Senhor… — tentei quebrar o silêncio denso que nos envolvia como uma mortalha.— Santorini. Nicolas Santorini — respondeu ele, sem desviar o olhar da estrada. A voz grave e autoritária ecoou no interior do carro, revelando um homem acostumado a comandar.Engoli em seco. O sobrenome soava familiar, uma vaga lembrança que dançava à margem da minha memória, sem se concretizar.— Senhor Santorini, não quero me intrometer, mas… acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu.Um susp
Nicolas Santorini Chegar em casa sempre me proporcionava uma trégua efêmera. Um breve alívio antes da exaustão inevitável. Meu dia, como tantos outros, fora uma maratona de reuniões intermináveis, a frieza dos contratos e o peso das decisões cruciais. Ao sair do elevador privativo, tudo o que eu ansiava era o silêncio reconfortante do meu lar e a presença de Ethan, mesmo que nossos encontros, desde a partida de Laura, fossem permeados por uma melancolia persistente.Mas, assim que as portas se abriram, uma dissonância me atingiu. O apartamento estava silencioso demais. Um silêncio que gritava ausência. Normalmente, a essa hora, Ethan estaria espalhando alegria – e brinquedos – pela sala, sua risada ecoando pelos cômodos. Fechei a porta atrás de mim, um pressentimento incômodo se instalando em meu peito.— Ethan? — chamei, a voz ecoando no vazio.O silêncio respondeu.A calma que eu tanto buscava se esvaiu, dando lugar a uma crescente apreensão. Caminhei pelo apartamento, cada passo a
Jhulietta Duarte O dia na escola transcorreu entre a sinfonia usual de vozes infantis, risadas contagiantes e os desafios inerentes ao desenvolvimento. Ensinar era mais do que uma profissão, era a minha paixão, a força motriz que me impelia adiante. No entanto, mesmo em meio à rotina, a imagem de Ethan e o eco de sua voz me chamando de “mamãe” persistiam em minha mente. Aquele gesto, apesar de toda a sua estranheza, havia plantado uma semente de afeto em meu coração.Enquanto organizava meus materiais após o expediente, uma mensagem inesperada vibrou em meu celular. Era de Nicolas Santorini. A mensagem, concisa e direta, contrastava com a imagem fria que eu tinha dele."Ethan insiste em vê-la. Se estiver disponível, venha até minha casa. Ele parece mais tranquilo com sua presença."Relendo a mensagem, tentei decifrar o que motivara aquele convite. Desespero? Pragmatismo? Ou algo mais? A mera possibilidade de rever Ethan me trouxe um calor reconfortante. Aos poucos, as visitas foram s
Nicolas SantoriniAs palavras de Ethan martelavam em minha mente como uma acusação silenciosa: “Eles dizem que sou órfão. Que minha mãe não me aguentou.” A crueldade infantil, tão brutal quanto inesperada, me confrontava com minha própria negligência. Eu estava falhando com meu filho, deixando-o à mercê de um mundo implacável.O restante do jantar se arrastou em um silêncio constrangedor. Ethan, absorto em seus próprios pensamentos sombrios, mal tocou na comida. Jhulietta, com uma delicadeza admirável, tentava amenizar a atmosfera pesada, mas seus esforços eram em vão. Eu apenas observava, perdido em um turbilhão de culpa e arrependimento. Quando Ethan finalmente pediu licença para se retirar, um alívio momentâneo pairou na sala de jantar. Mas a conversa que se seguiu prometia ser ainda mais difícil.Jhulietta me encarou, um misto de desconforto e determinação em seus olhos.— Ele não deveria passar por isso. — Sua voz era suave, mas carregada de convicção.— Acha que eu não sei? — re