Nicolas Santorini.Eu ainda sentia o gosto do beijo de Jhulietta quando voltei para dentro de casa naquela madrugada. Ela tinha uma leveza que me fazia querer parar o tempo, como se o mundo inteiro pudesse esperar enquanto estávamos juntos. Mas, ao mesmo tempo, havia um peso nela, algo que ela carregava sozinha e que eu mal conseguia decifrar.Na manhã seguinte, acordei cedo, como de costume. O cheiro de café fresco já preenchia o ambiente quando desci para a cozinha. Ethan estava sentado à mesa, com os olhos brilhando e uma animação contagiante.— Olha quem acordou animado outra vez! — comentei, pegando uma xícara de café.— Bom dia, papai! Hoje, depois da escola, tem jogo de futebol. Você vai, né? — ele perguntou com um sorriso de orelha a orelha.Hesitei. A verdade é que eu tinha uma reunião importante marcada para a tarde, algo que não podia adiar. Respirei fundo antes de responder.— Filho, hoje eu tenho uma reunião importante, mas, se der, eu vou. Prometo tentar.O sorriso de Et
O som do despertador ecoou pela casa, mas eu já estava acordado. A conversa com Ethan na noite anterior não saía da minha cabeça. *"Já estou acostumado."* Essas palavras estavam cravadas em mim como um lembrete do quanto eu tinha falhado. Não era isso que eu queria para ele, para nós. Levantei-me, determinado a mudar. A vida não vinha com manual, mas eu sabia que precisava tentar ser um pai melhor, mais presente. Ethan merecia isso. Desci para tomar café, e ele já estava à mesa, quieto, distraído com os próprios pensamentos. Puxei a cadeira e me sentei. — Bom dia, campeão — cumprimentei, tentando soar leve. — Bom dia, pai — respondeu ele, sem sorrir. Ele ainda estava chateado com minha ausência no jogo. Dona Neuza me serviu os ovos e se retirou, deixando-nos a sós. — Filho, podemos conversar um pouco? — perguntei. Ele me olhou com curiosidade, mas assentiu. — Sobre o que? — Sobre ontem. Sei que não fui ao jogo, e isso te chateou. — Não precisa pedir desculpas de no
Meu nome é Jhulietta Duarte, mas todos me chamam de Ju. Leciono em uma escola pública no coração da cidade e, se aprendi algo nesses anos, é que a rotina simplesmente não existe. Por mais que eu planeje cada detalhe das minhas aulas, sempre surge uma criança com uma pergunta inesperada, um pequeno incidente ou um evento que vira o dia de cabeça para baixo.Naquela tarde, porém, eu ansiava por uma exceção à regra. Após uma semana exaustiva, meu único desejo era chegar em casa, me livrar dos sapatos apertados, preparar uma xícara de chá quente e me afundar em um filme qualquer. Um final de semana tranquilo, sem sobressaltos.O relógio se aproximava das seis e o céu se incendiava em tons de laranja e rosa, um espetáculo que sempre me lembrava da beleza nas pequenas coisas. O trajeto até o ponto de ônibus era uma trilha conhecida: ruas calmas onde crianças corriam e brincavam, cães latiam para o vento e o murmúrio distante do trânsito ecoava do centro.Mas, naquela tarde, a atmosfera esta
A situação era tão irreal que parecia um sonho distorcido. Eu, Jhulietta Duarte, professora de uma escola pública, estava agora enclausurada no banco de trás de um carro luxuoso, a mão pequena de Ethan apertando a minha com uma força quase desesperada. À nossa frente, o homem que presumivelmente era seu pai, o motorista, emanava uma aura de tensão palpável. Sua postura rígida, os olhos fixos na estrada como se fugisse de algo, denunciavam uma batalha interna, um turbilhão de emoções contido a duras penas.— Senhor… — tentei quebrar o silêncio denso que nos envolvia como uma mortalha.— Santorini. Nicolas Santorini — respondeu ele, sem desviar o olhar da estrada. A voz grave e autoritária ecoou no interior do carro, revelando um homem acostumado a comandar.Engoli em seco. O sobrenome soava familiar, uma vaga lembrança que dançava à margem da minha memória, sem se concretizar.— Senhor Santorini, não quero me intrometer, mas… acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu.Um susp
Nicolas Santorini Chegar em casa sempre me proporcionava uma trégua efêmera. Um breve alívio antes da exaustão inevitável. Meu dia, como tantos outros, fora uma maratona de reuniões intermináveis, a frieza dos contratos e o peso das decisões cruciais. Ao sair do elevador privativo, tudo o que eu ansiava era o silêncio reconfortante do meu lar e a presença de Ethan, mesmo que nossos encontros, desde a partida de Laura, fossem permeados por uma melancolia persistente.Mas, assim que as portas se abriram, uma dissonância me atingiu. O apartamento estava silencioso demais. Um silêncio que gritava ausência. Normalmente, a essa hora, Ethan estaria espalhando alegria – e brinquedos – pela sala, sua risada ecoando pelos cômodos. Fechei a porta atrás de mim, um pressentimento incômodo se instalando em meu peito.— Ethan? — chamei, a voz ecoando no vazio.O silêncio respondeu.A calma que eu tanto buscava se esvaiu, dando lugar a uma crescente apreensão. Caminhei pelo apartamento, cada passo a
Jhulietta Duarte O dia na escola transcorreu entre a sinfonia usual de vozes infantis, risadas contagiantes e os desafios inerentes ao desenvolvimento. Ensinar era mais do que uma profissão, era a minha paixão, a força motriz que me impelia adiante. No entanto, mesmo em meio à rotina, a imagem de Ethan e o eco de sua voz me chamando de “mamãe” persistiam em minha mente. Aquele gesto, apesar de toda a sua estranheza, havia plantado uma semente de afeto em meu coração.Enquanto organizava meus materiais após o expediente, uma mensagem inesperada vibrou em meu celular. Era de Nicolas Santorini. A mensagem, concisa e direta, contrastava com a imagem fria que eu tinha dele."Ethan insiste em vê-la. Se estiver disponível, venha até minha casa. Ele parece mais tranquilo com sua presença."Relendo a mensagem, tentei decifrar o que motivara aquele convite. Desespero? Pragmatismo? Ou algo mais? A mera possibilidade de rever Ethan me trouxe um calor reconfortante. Aos poucos, as visitas foram s
Nicolas SantoriniAs palavras de Ethan martelavam em minha mente como uma acusação silenciosa: “Eles dizem que sou órfão. Que minha mãe não me aguentou.” A crueldade infantil, tão brutal quanto inesperada, me confrontava com minha própria negligência. Eu estava falhando com meu filho, deixando-o à mercê de um mundo implacável.O restante do jantar se arrastou em um silêncio constrangedor. Ethan, absorto em seus próprios pensamentos sombrios, mal tocou na comida. Jhulietta, com uma delicadeza admirável, tentava amenizar a atmosfera pesada, mas seus esforços eram em vão. Eu apenas observava, perdido em um turbilhão de culpa e arrependimento. Quando Ethan finalmente pediu licença para se retirar, um alívio momentâneo pairou na sala de jantar. Mas a conversa que se seguiu prometia ser ainda mais difícil.Jhulietta me encarou, um misto de desconforto e determinação em seus olhos.— Ele não deveria passar por isso. — Sua voz era suave, mas carregada de convicção.— Acha que eu não sei? — re
Nicolas Santorini Saí do quarto de Ethan com o peso do mundo sobre os ombros. Cada passo ecoava no corredor silencioso, a responsabilidade de ser o pai que meu filho merecia me oprimindo a cada instante. Eu me sentia perdido, sem saber como preencher o vazio deixado por Laura, um vazio que, sem perceber, havia me afastado de Ethan, deixando-o à deriva em meio à própria dor. Na mesa da sala de estar, um envelope chamou minha atenção. Era um dossiê de Pedro, meu assistente e homem de confiança, sempre diligente em me manter informado sobre tudo, especialmente sobre aqueles que se aproximavam da minha família. Desde a morte de Laura, minha cautela se tornara quase paranoica, e Pedro entendia essa necessidade de proteção. Sentei-me na poltrona, o couro macio cedendo sob meu peso, e abri o envelope. O nome “Jhulietta Duarte” saltava aos meus olhos. Eu precisava saber mais sobre a mulher que havia entrado em nossas vidas com tanta intensidade. As páginas seguintes revelaram uma históri