O som do despertador ecoou pela casa, mas eu já estava acordado. A conversa com Ethan na noite anterior não saía da minha cabeça. *"Já estou acostumado."* Essas palavras estavam cravadas em mim como um lembrete do quanto eu tinha falhado. Não era isso que eu queria para ele, para nós. Levantei-me, determinado a mudar. A vida não vinha com manual, mas eu sabia que precisava tentar ser um pai melhor, mais presente. Ethan merecia isso. Desci para tomar café, e ele já estava à mesa, quieto, distraído com os próprios pensamentos. Puxei a cadeira e me sentei. — Bom dia, campeão — cumprimentei, tentando soar leve. — Bom dia, pai — respondeu ele, sem sorrir. Ele ainda estava chateado com minha ausência no jogo. Dona Neuza me serviu os ovos e se retirou, deixando-nos a sós. — Filho, podemos conversar um pouco? — perguntei. Ele me olhou com curiosidade, mas assentiu. — Sobre o que? — Sobre ontem. Sei que não fui ao jogo, e isso te chateou. — Não precisa pedir desculpas de no
Jhulietta Duarte A brisa noturna era suave, trazendo consigo o cheiro do mar que parecia abraçar o resort. Nicolas e eu caminhávamos lado a lado por uma trilha pavimentada que levava até a praia. O silêncio entre nós não era desconfortável, mas sim tranquilo, quase cúmplice. À nossa frente, as luzes do resort se mesclavam com as estrelas acima, criando um cenário quase mágico. Decidi quebrar o silêncio, minha curiosidade me impulsionando. — Quantos resorts sua família tem mesmo? — perguntei, olhando para ele de soslaio. Ele deu um meio sorriso, aquele tipo de sorriso que sempre parecia carregado de mistério e segurança. — Dezesseis, no total — respondeu casualmente, como se fosse algo comum. Arregalei os olhos, surpresa. — Dezesseis? Isso é muita coisa, Nicolas! Ele riu baixinho, balançando a cabeça. — Na verdade, não. Além dos resorts, temos vinte hotéis espalhados pelo Brasil. Parei de andar por um momento, processando a informação. — Vinte hotéis e dezesseis re
Quando Nicolas me beijou, senti como se o mundo ao meu redor desaparecesse. Era intenso, mas ao mesmo tempo delicado, como se ele tivesse cuidado para não ultrapassar nenhum limite. — Podemos ir para um lugar mais reservado? — ele perguntou, sua voz baixa e suave. Seguimos até um local mais afastado, onde o som das ondas parecia quase um sussurro ao fundo. Quando ele voltou a me beijar, tudo o que eu queria era me deixar levar. Mas, quando senti seu peso ligeiro enquanto ele se inclinava sobre mim, foi como se eu tivesse sido transportada de volta para aquele dia. Meu corpo congelou, o pânico tomou conta, e, antes que eu pudesse me controlar, gritei. — Não! — Minha voz ecoou no silêncio da noite enquanto eu o empurrava com força. Me afastei rapidamente, abraçando meus joelhos, as lágrimas já rolando pelo meu rosto. Meu corpo tremia tanto que eu mal conseguia respirar. — Me desculpa... me desculpa, Nicolas... — murmurei entre soluços, a vergonha me esmagando. Ele fi
— No dia seguinte, eu contei para a esposa dele. Pensei que ela me ajudaria. Que acreditaria em mim. Engoli em seco, minha voz ficando ainda mais amarga. — Mas ela me chamou de mentirosa. De pequena vadia, me bateu. E depois me devolveu ao orfanato como se eu fosse uma mercadoria defeituosa. A sala ficou em silêncio, exceto pelos meus soluços. Nicolas se levantou e, em vez de falar algo, ajoelhou-se na minha frente. Ele não tentou me tocar; apenas ficou ali, com os olhos fixos nos meus. — Você nunca contou isso para mais ninguém? — ele perguntou, a voz tão suave que quase doeu ouvi-la. — Nunca. Ninguém quis saber. — Limpei as lágrimas com as costas das mãos, tentando recuperar o controle. — Eu tentei seguir em frente, mas... Nicolas inclinou-se ligeiramente, os olhos cheios de algo que eu não conseguia identificar. — Mas o quê, Jhulietta? Respirei fundo, fechando os olhos por um instante antes de continuar. — Eu nunca consegui ter... intimidade. — As palavras saíram
Ethan acordou animado, completamente alheio ao que tinha acontecido na noite anterior. Ele bateu na porta do meu quarto, me chamando para tomar café com ele. — Tia Jujubinha! Vem logo, hoje é o último dia e a gente precisa aproveitar! Sua empolgação arrancou um sorriso meu, apesar do cansaço que eu ainda sentia. — Ethie, que animação toda é essa? Já vou me arrumar, espera um pouquinho. — Tá bom, tia! Vou ficar aqui na porta te esperando. Enquanto ele esperava, comecei a me arrumar, mas fui interrompida pelo toque insistente do meu celular. Olhei para a tela e vi que era minha amiga Renata. Atendi rapidamente. — Oi, Re! Tudo bem? Do outro lado da linha, ouvi um longo suspiro, o que imediatamente me alarmou. — Jhulie, só estou ligando para avisar que estou no hospital. Meu coração apertou. — No hospital? O que aconteceu? A linha ficou silenciosa por alguns segundos antes de Renata suspirar novamente. — Foi apenas um acidente, amiga. Depois eu te explico. — Mas
Nicolas Santorini Desde que Jhulietta entrou em nossas vidas, tenho refletido muito sobre o que realmente importa. Ouvir o que ela compartilhou ontem no carro me fez pensar em como uma pessoa pode enfrentar tantas provações e ainda assim encontrar força para cuidar e se preocupar com os outros. Ela é admirável de tantas maneiras que às vezes me pergunto se ela tem noção disso. Na manhã seguinte, acordei cedo e fui para a sala, onde Ethan já estava no sofá, reclamando para Jhulietta sobre ir à escola. — Estou cansado, não quero ir! — disse ele, cruzando os braços e fazendo uma careta que era ao mesmo tempo engraçada e desafiadora. Jhulietta se inclinou levemente, encarando-o com aquele olhar que misturava firmeza e carinho. — Ethan Ferratti Santorini, você se divertiu bastante no final de semana, mas agora é hora de voltar para a escola. Aposto que seus amigos estão morrendo de saudade de você. Ele fez um pequeno bico, mas logo cedeu. — É, né? Ainda tem a aula de produção
Renata SouzaEu estava tão feliz pela minha amiga. Ela merece muito essa chance, tadinha. Sei que passou poucas e boas na vida, e mesmo sem ela dizer em palavras, o jeito dela não deixa dúvidas sobre as dificuldades que enfrentou. Enquanto me arrumava para sair, a campainha tocou. Atendi pensando ser alguma conhecida, mas ao abrir a porta, senti como se minha alma tivesse fugido do corpo. — Oi, meu bem! — disse Luis com um sorriso assustador. — O que está fazendo aqui, Luis? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas ela saiu trêmula. — Vim ver minha mulher, não posso? — Não sou nada sua. Nós nos separamos há muito tempo. — Você sabe quantos anos passei à sua procura? — Ele estalou os dedos. — Muito tempo. Não encontrei sua mãe nem sua tia. Então deduzi que você havia se mudado para longe. Comecei uma caçada e, finalmente, aqui estou. — Eu não sou um animal para ser caçada! Vai embora, ou eu vou chamar a polícia! Luis se aproximou, olhos predatórios fixos em mim, e
Jhulietta Duarte Quando entrei no hospital e vi Renata naquele estado, meu coração se apertou. Tia Deise e Ariana deixaram o quarto para nos dar privacidade, permitindo que eu me aproximasse dela. Renata tentou sorrir, mas o gesto era visivelmente forçado. Sentei ao seu lado e acariciei sua mão, tentando transmitir conforto.— E então, amiga? Vai me contar o que aconteceu? — perguntei suavemente. — Nada que eu não dê conta. — Ela desviou o olhar, mas a verdade estava clara em seus olhos. Suspirei, insistindo com delicadeza: — Renata, eu já passei por violência doméstica. Sei reconhecer a situação. Confie em mim, me diga o que aconteceu. Ela soltou um longo suspiro e começou a falar, hesitante. Suas palavras estavam carregadas de dor. Meu coração se quebrava a cada detalhe. Renata, sempre tão vibrante e cheia de vida, escondia um fardo pesado. — Você já teve um relacionamento abusivo? — ela perguntou, sua voz quase um sussurro. Baixei o olhar. — Na verdade, nunca me relacione