Renata SouzaO relógio na parede marcava 19h42 quando ouvi o barulho da porta se abrindo. Meu coração disparou no mesmo instante. As mãos suadas apertaram a barra da blusa, e me forcei a respirar fundo. Tinha passado o dia todo ensaiando esse momento, revendo cada palavra que diria, tentando prever todas as possíveis reações de Eduardo. Mas, agora que ele estava ali, tudo parecia mais difícil.— Renata? — A voz dele ecoou pelo apartamento, carregada com o cansaço típico do final do expediente.— Estou na cozinha.Fiz um esforço para soar casual, mas sabia que meu tom de voz não enganaria ninguém. Ele entrou no cômodo com a gravata afrouxada e a camisa social ligeiramente amarrotada. Seus olhos me analisaram rapidamente, e a preocupação tomou conta de sua expressão.— O que foi? Você está com uma cara estranha.Respirei fundo mais uma vez. A náusea subiu pela minha garganta, mas engoli o desconforto. Não podia voltar atrás agora.— Eduardo, precisamos conversar.Ele franziu a testa e p
Jhulietta Duarte O silêncio do quarto era reconfortante. Meus olhos já estavam quase fechando quando o toque insistente do celular vibrou na mesa de cabeceira. Soltei um resmungo, virando para o lado e estendendo a mão para pegar o aparelho. Quem poderia estar ligando a essa hora? Meus olhos semicerrados se arregalaram ao ver o nome de Renata brilhando na tela. Sentei-me rapidamente, a preocupação despertando cada célula do meu corpo. — Renata? Aconteceu alguma coisa? — perguntei, minha voz ainda rouca de sono. Do outro lado da linha, ela soltou um suspiro pesado. — Finalmente contei para o Eduardo. — Minha disse e ficou muda esperando que eu dissesse algo. Meu corpo relaxou um pouco ao ouvir isso, mas, ao mesmo tempo, fiquei alerta. Havia um peso na voz dela que indicava que a conversa não tinha sido nada fácil. — Meu Deus, amiga! Finalmente! Como foi? Ela bufou. — Péssimo. Uma das piores reações que eu poderia imaginar. Minhas sobrancelhas se uniram automaticament
Diogo LimaO cheiro de cigarro impregnava o ar do pequeno apartamento decrépito onde estávamos. A luz fraca da lâmpada amarelada fazia com que as sombras nas paredes parecessem maiores e mais ameaçadoras. Sentei-me na cadeira dura de madeira, encarando a televisão desligada como se pudesse encontrar uma resposta para a merda que minha vida tinha se tornado nos últimos dias.Coiote estava jogado no sofá rasgado, tragando um cigarro com calma irritante. O som da brasa crepitando era o único ruído na sala, além da minha respiração pesada.— Filho da puta — rosnei, quebrando o silêncio, jogando uma lata vazia contra a parede.Coiote nem se mexeu. Apenas levantou uma sobrancelha e soltou a fumaça lentamente antes de falar:— E eu com isso?Me virei para ele, cerrando os dentes.— O conselho de merda que você me deu não valeu de nada!Ele finalmente se endireitou, apoiando os cotovelos nos joelhos e me encarando com aquele olhar de quem sempre acha que sabe mais.— Eu disse pra você se apro
Eduardo LopesA sala da casa da minha tia tinha aquele cheiro nostálgico de café recém-passado e madeira antiga. A decoração não mudava há anos – os mesmos quadros, os mesmos móveis de quando eu era criança. Era como se o tempo ali dentro seguisse um ritmo diferente, mais lento, mais paciente.— Quando é que você vai crescer, Eduardo? — A voz de tia Regina cortou o silêncio enquanto ela me servia uma xícara de café forte, do jeito que eu gostava.Suspirei, apoiando um cotovelo no braço do sofá. Essa pergunta sempre vinha, toda vez que eu a visitava.— Depende do que você quer dizer com crescer, tia. Eu trabalho, pago minhas contas… — Dei um gole no café, sentindo o calor se espalhar pela garganta.Ela se sentou na poltrona à minha frente, cruzando as pernas. Seus olhos, sempre atentos, me analisavam com aquele misto de carinho e desapontamento que só as pessoas mais velhas sabem demonstrar.— Isso é o mínimo que qualquer adulto faz, Eduardo. O que eu quero saber é quando você vai assu
Jhulietta DuarteEstava colocando Ethan para dormir quando ele me chamou de volta.— O que houve, meu amor? — perguntei, sentando ao lado dele.— Mamãe, podemos sair amanhã? Só eu e você? — Ele me olhou com expectativa.— Onde você quer ir?— No shopping e depois ao cinema. Saiu um filme novo e quero muito assistir.— Claro que sim, meu amor. Vamos ter um dia muito divertido.— Obrigado, mamãe!Sorri, acariciando seus cabelos antes de dar-lhe um beijo na testa.Quando cheguei ao quarto, Nicolas desligou o notebook e me chamou para sentar ao seu lado.— Amanhã, Ethie e eu vamos ao shopping. Ele me convidou para assistir a um filme.Nicolas sorriu.— Nosso filho gosta tanto de você. Às vezes, parece até que ele não gosta de mim.— Para com isso, ele te adora.— Mas gosta mais de você. — Ele suspirou, rindo. — Mas tudo bem, até eu gosto mais de você do que de mim.Ri junto com ele e, depois de trocarmos um carinho, nos ajeitamos para dormir.Na manhã seguinte, terminei de me arrumar e de
Respirei fundo, tentando manter a calma. — Cinco minutos. — Repeti. — E então, você vai me deixar em paz. Diogo assentiu. — Obrigado. Mas acho melhor irmos para um lugar mais reservado. Você sabe que estou sendo procurado pela polícia. A ideia de ficar sozinha com ele, ainda mais com Ethan ao meu lado, me deixava desconfortável. Mas não queria uma cena no meio do shopping, principalmente com Ethan ali. Olhei ao redor e avistei uma cafeteria próxima. — Vamos para lá. Ele concordou, e segurei firme a mão de Ethan enquanto caminhávamos até a cafeteria. Meu coração estava acelerado, e meu estômago revirava. Eu não sabia o que Diogo queria me dizer, mas tinha certeza de que não era nada que eu gostaria de ouvir. Assim que entramos, escolhi uma mesa perto da janela. Ethan sentou ao meu lado, e Diogo ficou à nossa frente. — O que você quer? — Perguntei sem rodeios. Diogo entrelaçou os dedos sobre a mesa e me olhou com intensidade. — Sei que você me odeia pelo que fiz co
Diogo LimaApertei os punhos com força enquanto caminhava até o carro de Coiote, meu coração batendo rápido, mas não de nervosismo. Eu estava irritado. A pirralha era mais teimosa do que eu imaginava. Jhulietta podia ser minha filha, mas tinha o dom de me tirar do sério. Abri a porta do carro e entrei, batendo-a com força. Coiote, ao volante, me olhou com um sorriso torto, já acostumado com meu mau humor. — E aí, como foi? — perguntou ele, acendendo um cigarro e tragando com calma. Passei a mão pelo rosto, irritado. — Aquela garota é insuportável. Parece que herdou minha teimosia. Coiote soltou uma gargalhada baixa. — Bom, ela é sua filha. — O filho da puta continuou rindo e olhei torto para ele que não se importou. — Vai se foder! Ele ergueu as mãos em rendição, ainda rindo. — E então? Conseguiu o que queria? Soltei um riso seco, sem humor. — Não cedeu a nada. Não quer me dar um centavo, acha que é dona da verdade. Mas mal sabe ela que a vida não é tão preto n
Você acredita que o nosso destino já está traçado de alguma forma?Eu nunca acreditei muito nisso... até meu caminho se cruzar com o de um lindo menino de olhos azuis. Através dele, encontrei mais do que buscava na vida. E tudo começou naquele final de tarde…Sou Jhulietta Duarte, professora em uma escola pública no coração da cidade. Sabe o que essa profissão me ensinou? Que a rotina simplesmente não existe. Crianças são imprevisíveis. Uma pergunta inesperada, um pequeno acidente ou um olhar carregado de uma tempestade silenciosa podem transformar um dia comum em um verdadeiro enigma.Depois de uma semana exaustiva, tudo o que eu queria era chegar em casa, tirar os sapatos, preparar um chá quente e me perder em um filme qualquer. Nada de surpresas.O relógio se aproximava das seis e meu trajeto até o ponto de ônibus era sempre o mesmo: ruas calmas, crianças rindo ao longe, um cachorro latindo, o murmúrio do trânsito ao fundo.Mas hoje… havia algo diferente.O silêncio parecia pesado,