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Início Capítulo Quatro

Parte 1...

Cristina...

Uma amiga que mora no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, tem temperaturas baixas e ela me enviou algumas fotos que tirou com a família na neve, em locais pelo estado, quando fizeram um passeio.

Ai, como seria bom. Eu não conheço neve de verdade, só a falsa que colocam no shopping no final de ano para o Natal. Deve ser bem legal. Pelo menos é fria.

Aqui é quente de pelar a pessoa, ainda mais quando chega perto do verão. Eu fico me acabando no calor e buscando por qualquer lugar que tenha pelo menos um ventilador. Apesar de ter nascido aqui, eu não consigo me acostumar com o calor quando fica demasiado.

Sento perto da saída, assim posso cair fora logo quando chegar minha parada. Ainda vou ter que fazer a troca no terminal e pegar outro ônibus até chegar ao meu bairro. É muita gente e isso complica a troca de ônibus, por isso desço logo.

No terminal eu salto apressada e o outro ônibus já está lá, quase saindo, esperando só que o pessoal suba. Pego um lugar de novo perto da descida e me ajeito, olhando o caminho até meu bairro.

Após um tempo as coisas vão mudando de acordo com a distância das áreas mais nobres da cidade. Os bairros mais distantes não são tão bem cuidados como os outros. Deveriam ser, mas não são.

Claro, isso é um descaso não só da prefeitura como também dos próprios moradores do lugar. Não adianta apontar o dedo para um lado se a culpa é de todos.

Se cada um fizesse sua parte, as coisas seriam melhores, mas não era assim que as coisas aconteciam. A maior parte dos moradores sempre tem outra pessoa a quem culpar, geralmente sempre políticos, mas isso é uma coisa de cultura local também.

Passando em frente às casas mais simples posso ver a bagunça que existe nesses bairros. E ninguém se responsabiliza. Sempre a culpa é do outro. Ninguém se habilita a fazer sua parte para mudar.

Sempre vejo exemplos de quando pessoas se unem para fazer algo, como conseguem ter sucesso, mas o difícil é se unirem no mesmo propósito. Sempre existe uma desculpa conveniente.

Grama alta, calçadas cheias de buracos e sujeira, lixo pelo chão, animais abandonados pelos cantos. Até móveis velhos abandonados em um terreno baldio. É tudo muito feio agora, mas quando o bairro foi entregue, não era assim. Se tivessem se organizado desde o começo, não seria esse abandono como mostra.

Desci e vou andando até minha casa por mais dois quarteirões mal iluminados. Acho que pelo calor e por ter caminhado muito hoje, meus pés estão inchados dentro do sapato.

Passando em frente à pequena padaria da Ceiça, aceno e continuo meu trajeto. Antes ela fechava mais cedo, mas com essa crise ela agora deixava a padaria aberta até tarde. A essa hora não é tão bom comprar pão, o melhor horário é no fim da tarde, porque estão fresquinhos.

Virei a esquina e vi dona Laura fechando o portão, colocando o cadeado prateado como sempre fazia todas as vezes em que saía de casa. Ela acenou e me deu boa tarde. Perguntei se estava ela bem.

— Estou, né filha - me sorriu — A gente vai levando. Sabe como é, um dia bom, outro não tão bom - fez um gesto com as mãos.

— Está tomando os remédios ou já acabou?

— Ainda tenho uma caixa fechada.

— Vou ver se consigo mais amostras grátis no pronto-socorro lá da casa de repouso. Se tiver alguma sobrando eles me dão.

— Agradeço muito, querida. Boa tarde e boa noite!

Respondi sorrindo e continuei andando. Quase chegando em casa ainda tenho que subir trinta e seis degraus até o piso onde fica nossa casinha alugada. No fundo eu não gosto de morar aqui, apesar das pessoas boas que sou amiga, mas gostaria de levar minha mãe para um lugar melhor.

Além daqui ser muito longe de quase tudo, tem a questão das chuvas que quando caem pesadas me deixam acordada, preocupada com deslizamentos. Já ocorreram muitos por aqui.

— Oi, Cristina. Chegando cedo hoje.

Era seu Orlando, o vizinho da frente. Um senhor bem calmo, mas o mais fofoqueiro de toda a rua.

— Pois é, tem dias que é assim. O senhor está bem?

— Com um pouco de falta de ar, sabe como é - riu.

— O senhor precisa perder peso, seu Orlando. Sabe que com seu problema não pode engordar muito - ajeitei a bolsa no ombro — Amanhã eu passo lá na sua casa e vamos medir sua pressão, certo? Hoje não vai dar, eu ainda tenho que ir para a faculdade.

— Certo - bateu em minha mão — Você é um doce, Tina.

Torci a boca e ele riu. Continuei a subir os degraus, já enfiando a mão na bolsa para pegar minha chave. Já deixo sempre na frente. Abri e empurrei devagar, mas isso não adianta muito.

A porta range como de propósito para dizer que eu cheguei. Não tem nem quinze dias que eu coloquei óleo nas dobradiças, mas pelo jeito já secou tudo de novo. Amanhã eu faço isso outra vez.

Minha gatinha branca e preta levanta logo a cabeça ao me ver entrar e pula em cima do encosto de braço do sofá. Como sei que quer minha atenção, eu já faço logo um carinho em sua cabeça e ela começa a ronronar.

É uma gata que resgatei na rua. Um dia a vi encolhida no canto, ao lado de um degrau e me deu pena da bichinha. Eu sinto muita pena dos animais abandonados. São os verdadeiros anjos que Deus coloca na Terra, mas as pessoas nunca entendem isso.

Eu abri a porta e lhe ofereci pedaços pequenos de carne crua e deixei que ela se aproximasse. Devagar ela foi pegando confiança. Deixei a porta aberta e continuei a jogar os pedaços de carne até que ela entrou. Eu fechei a porta e aos poucos fui ganhando sua confiança.

— Passou bem o dia, minha linda? - pergunto como tonta. Mas sei que ela me entende, eu que sou burra e não falo a língua dela.

Mimi pula do sofá e volta para sua caminha no canto da sala, ao lado do móvel da tevê. Se embola de novo e fecha os olhos, mais tranquila porque estou em casa. Penduro minha bolsa no cabide perto da porta e chamo por minha mãe.

— Mãe, cheguei - falo alto.

— Estou aqui, filha - ela responde.

Fui para a cozinha. Minha mãe está secando algumas panelas e pratos. Ela sabe que eu não gosto que fique mexendo nas coisas sem eu estar em casa. Sua visão já não é como antes e já se machucou antes.

Ela tem um sério problema de catarata que está aumentando. Sua visão está comprometida e vai ser necessário uma cirurgia, mas particular fica muito caro com a internação e tudo mais, apesar de ser rápida. e ela também tem medo de realizar a cirurgia, o que complica mais.

Às vezes a vista dela fica nebulosa e ela quase não enxerga direito, precisando se esforçar para ver. E para fazer a cirurgia pelo sistema público ainda demora mais. Já procurei saber o custo em hospital particular, mas o valor é alto. Estou guardando dinheiro para isso e ela nem sabe.

Tenho que ver isso com calma esta semana, quando uma médica amiga volta de férias e ela vai me orientar como proceder. Quero muito ajudar minha mãe a se livrar desse problema. Mesmo ela não querendo fazer por medo e pelo valor, eu vou continuar insistindo.

— Mãe, eu não gosto que você fique mexendo nas coisas, ainda mais à noite - tomei a panela de sua mão — Eu faço isso. Sente-se.

— Você já tem muita coisa a fazer. Eu posso ajudar. Não estou cega ainda, sabia. Ainda não sou inválida.

Eu suspirei e olhei para ela entortado a cabeça de lado. Eu sei que ela se aborrce com isso, mas fico preocupada. É natural que fique.

— Eu não disse que está cega, mãe. Só me preocupo que se machuque. A iluminação aqui não é muito boa. E você já se machucou antes, não esqueça.

— Eu sei... Como foi o trabalho hoje?

— Como sempre - dei de ombro — Alguns banhos em pacientes com problema de mobilidade, trocas de fraldas, algumas conversas sobre suas vidas, prescrição de medicamentos de acordo com suas fichas... O de sempre. Nós já nos tornamos amigos dos pacientes.

— Você parece cansada, filha - alisou meu braço.

— E estou mesmo. Fiquei muito tempo de pé hoje.

— Você é uma ótima enfermeira, filha. Deveria ser médica.

Sorri e guardei as panelas no armário de cima. Fiz o mesmo com os pratos e talheres secos.

— É o que pretendo ser em breve, mãe - suspirei — Demora, eu sei, mas eu chego lá. Não se preocupe que eu chego.

— Desculpe, filha - apertou os lábios — Eu não posso ajudar mais do que faço agora. Até queria, mas não posso.

— E nem precisa - segurei seus braços — Já me dá tanto apoio emocional. Isso me empurra para a frente - vejo uma marca em sua mão esquerda — Mãe, você mexeu no fogão de novo?

— Foi rapidinho, só para esquentar água para o café.

— Você não tem jeito - balancei a cabeça — Eu passei na Pauline e ela me deu algumas caixas de remédio para você.

— Ah, que bom. Sempre pensando em mim, minha amiga.

— Ela disse que vem aqui em casa trazer outras coisas depois, com calma. Podia ter me dito antes de sair que queria café. Eu deixava na garrafa térmica um café bem gostoso prontinho.

— Da próxima vez eu aviso - sorriu — Vá descansar.

— Acho bom mesmo - sai andando — Se eu já me queimo às vezes, imagina você com esse problema na vista. Vou só esticar um pouco as pernas, depois tenho que ir para a faculdade.

Entrei no quarto e meu estômago roncou, mas antes de comer algo eu preciso muito de um bom banho frio para tirar esse calor que me deixou suada e grudenta. Depois me estico na cama um tempinho.

E olha que ainda nem entramos no verão. Quando chegar mesmo é que vai ser pesado. Bem que eu queria uma casa com piscina, nem que fosse uma pequena, só para ficar de molho.

Ia ficar com a pele toda enrugada de passar tanto tempo dentro da água, me refrescando e relaxando. Adoro praia, mas uma piscina acho que é mais gostoso. A água é doce, não tem areia e está sempre lá, esperando por mim. Eu iria me enfiar na água até de noite quando estivesse quente.

Se eu tiver coragem vou à praia esse fim de semana com as meninas. Faz tempo que não vou. Aliás, faz tempo que não saio de verdade para ouvir as amigas, fofocar bobagem um pouco.

E menos ainda para dar uma olhada nos homens. Nem me lembro da última vez que dei um beijo, meu Deus. Namorar é uma coisa que foi ficando para depois e agora eu até esqueço que é bom ter alguém ao lado.

Me dá preguiça só de pensar em pegar mais dois ônibus para ir curtir um pouco do mar e depois voltar me apertando no meio de toda aquela gente cheia de areia. Não me incomodo tanto por ter muita gente no ônibus. O que me incomoda é ficar justamente grudada e cheia de areia, me apertando com outras pessoas que estão cheia de areia também.

Abro o chuveiro e molho a mão. Delícia.

Não posso ser ingrata também. Pelo menos tenho minha casa para me proteger e descansar de um dia de trabalho e tenho um chuveiro forte com água friazinha para me limpar e tirar o calor.

Muitas pessoas que moram nas ruas não têm nada disso e adorariam ter um chuveiro no mínimo. É bom observar o que está ao redor para ser mais grato com a vida também.

E cada coisa vem ao seu tempo. Às vezes chega sem a gente nem procurar e quando vemos, já mudamos a vida toda.

Quem sabe quando eu menos esperar eu encontre alguém legal para mim e que vai mudar minha vida?

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