O trio estava reunido ao redor de uma fogueira vívida e crepitante. Seus corpos iluminados pela luz alaranjada e bruxuleante estavam diferentes desde que se reuniram pela última vez. Embora não houvesse nenhuma mudança física permanente, suas almas haviam se transformado. O conceito que cada um aceitou para si, engendrou-se de tal maneira à sua realidade espiritual, que as mudanças mentais e espirituais acabaram por iluminar a forma física deles ao ponto de parecerem diferentes aos olhares uns dos outros.
Ubirajara havia pintado seu corpo com urucu e argila preta, desenhando pequenos símbolos que se uniam uns aos outros e se tornavam uma grande e única pintura tendo como tela toda a extensão de sua pele. Ele segurava um graveto e cutucava as brasas do fogo para que as fagulhas subissem com o ar quente. Olhava-as subindo e desaparecer no céu. Com exceção ao crepitar do fogo e o cr
O céu denunciou o momento em que Monã fora libertado emitindo clarões e trovões. Embora tais eventos estivessem ligados à fúria de Tupã, não se viu mais nenhuma manifestação do mesmo.No exato momento em que a prisão mágica criada pelo deus dos trovões se rompeu, todo ser habitando o mundo além do véu teve conhecimento disso. Como que por instinto, todos se dirigiram para o mesmo lugar.A floresta ainda apresentava as marcas da batalha que ocorrera ali. O cheiro de fumaça ainda pairava pelo ar, algumas mulheres trabalhavam duramente para reconstruir a aldeia, enquanto outras preparavam a celebração que estava por vir.No centro da aldeia ardia uma grande fogueira crepitante. Ao seu redor estavam Curupira, Anahí, Yagateré-abá e alguma das Icamiabas.Aos poucos a aldeia recebeu mais e mais visitantes, até
O velho indígena estava sentado numa rocha à beira de um riacho de águas cristalinas, observando a correnteza e os peixes nadando contra ela. Seu cachimbo aceso exalava um fino fio de fumaça branca que subia tortuoso em direção ao céu. Seus pés tocaram suavemente a fria água corrente, e o alívio tomou conta de seu ser.Ele fechou os olhos e inclinou o corpo para trás apoiando-se com os cotovelos, enquanto seu rosto era banhando pela luz cálida da manhã. O som das águas chocando-se contra seixos e pequenas rochas, era extremamente relaxante.De repente o céu tingiu-se de cinza, grandes nuvens negras urrando e disparando raios se acumularam sobre ele. Sem que tivesse tempo de se retirar dali, um raio atingiu o solo ao seu lado e quando se dissipou por completo, ali estava Tupã com seu tacape numa mão e o arco na outra. Os olhos do deus dos trovões
Tupã encontrava-se sentado em seu trono esculpido num imenso tronco de árvore de cor avermelhada, com pequenos brotos e fungos espalhados por sua superfície. Ao seu lado estavam suas armas e um globo mágico transparente, o qual ele mesmo o construíra. Dentro do globo agitava-se incontrolavelmente um ser de forma fantasmagórica como se fosse constituído de fumaça e água unidas de maneira sobrenatural.Jaci aproximou-se de seu esposo, tocou-lhe o braço com suas suaves mãos e suplicou-lhe:— Por favor, solte-o! Não aguento vê-lo dessa maneira.Tupã levantou-se abruptamente e afastou-se de Jaci, segurando o globo mágico em suas mãos. Virou-se para ela e com um tom de voz agressivo diz:— Sabe que não posso fazer isso. Ele está disposto a tudo para lhe conquistar. Não vou permitir esse ato hediondo.— Talv
A sala estava escura com apenas um ponto de iluminação direcionado ao painel fixo na parede sobre o qual eram exibidas imagens vindas de um projetor preso numa armação fixada no teto. A turma estava em silêncio, não por respeito, não por interesse, mas porque a maioria estava entediada com a aula e acabavam se ocupando com rabiscos nos cadernos e mensagens nas redes sociais.Cadeiras rangendo, bocas mascando chicletes, lápis e canetas girando e batendo contra o apoio de mão, zíperes fechando e abrindo, bocejos e pigarros se uniam numa sinfonia matinal preguiçosa e desestimulante embalada pela voz calma e sonora do professor de “Interação Oceano-atmosfera e mudanças climáticas”.— A Lua tem se afastado da Terra nos últimos anos sem que saibamos o real motivo desse afastamento gradativo — disse o professor caminhando calmamente pelo tabla
A música alta, os flashes coloridos e freneticamente pulsantes ditavam o ritmo em que os corpos deveriam se movimentar. O cheiro de fumaça química misturava-se ao odor de suor dos corpos dançantes. Cada movimento selava o destino do inevitável choque com outro corpo. Pele deslizava sobre pele por conta da camada escorregadia de suor que se formava sobre a cútis.O ar era pesado e doce. As bocas abertas esperavam que outros lábios viessem aplacar a sede de beijo e os olhos fechados davam asas à imaginação guiada pelo prazer químico. Janaina abria os olhos esporadicamente, apenas para se guiar e não se perder da companheira. Seus braços e pernas se moviam instintivamente, sua cabeça chacoalhava de um lado para o outro fazendo seu cabelo suado chicotear o próprio rosto.Aos poucos o volume diminuiu até que a música cessou e seu corpo parou junto. Ela abri
O sol queimava seu rosto, o suor escorria pela face e lhe pingava nos lábios. O gosto salgado e o calor o fez despertar. A visão embaçada dificultava sua orientação. Piscou algumas vezes e só então percebeu vozes. Sua visão voltara ao normal gradativamente; olhou ao redor e se viu perdido no meio de uma grande floresta, com árvores colossais, cheias de cipós, flores, frutos e pássaros canoros, além de macacos e outros bichos correndo pelos galhos. Seu olhar desceu até o nível do solo e deparou-se com três jovens garotas, sendo uma delas, uma bela indígena aos moldes estereotipados e as outras duas pareciam garotas da cidade com um leve parentesco indígena.— O que aconteceu? Como vim parar aqui? — perguntou Bira levantando-se devagar se apoiando num tronco caído e coberto de musgo e líquen.— Ao que parece você &eac
Ao atravessar o feixe de luz Janaina deparou-se com um lugar sinistro tomado por uma atmosfera tenebrosa e com sutil aspecto de morte, como nos filmes antigos de terror.Ela olhou para Anahí e tentou decifrar as emoções estampadas no rosto da mulher. Era quase impossível, pois, seu semblante apresentava muitas facetas, cada uma com uma emoção diferente.O ar era pesado e frio, a neblina dificultava a visão de média e longa distância, o cheiro de podridão era nauseante, as sombras dançando sob os escassos feixes de luz que dardejavam através das imensas copas das árvores ao redor, aumentavam a tenebrosidade local, mas nada era pior que os guinchos e uivos que vinham das entranhas da floresta. A pele de Janaina arrepiou-se completamente; seus pés travaram e ela não conseguiu sentir nada além de pavor.Uma mão pousou em seu ombro e imediatamente ela
Horas depois de atravessarem o rio com a ajuda de Anhangá, o grupo encontrava-se na tal clareira descrita por Anahí. Estavam sentados ao redor de uma fogueira assando peixes e preás. Anahí sentara ao lado do velho índio que parecia estar mergulhado num profundo transe. Ubirajara atiçava as brasas com uma vareta, e quando as fagulhas luminosas subiam com o ar quente, ele as acompanhava até que deixassem de existir. Dakota sentou-se em frente à Janaina e a observava comer com muito cuidado para não se sujar. Sorriu secretamente dos hábitos “frescos” da companheira.Ao contrário de Dakota, Janaina Quispe não era muito tolerante ao ambiente fora das grandes capitais. Não suportava vermes e tão pouco insetos. No entanto, sua companheira não se importava com isso, essa era uma característica dela e ninguém pode negar sua essência; talvez possa mud