Tupã encontrava-se sentado em seu trono esculpido num imenso tronco de árvore de cor avermelhada, com pequenos brotos e fungos espalhados por sua superfície. Ao seu lado estavam suas armas e um globo mágico transparente, o qual ele mesmo o construíra. Dentro do globo agitava-se incontrolavelmente um ser de forma fantasmagórica como se fosse constituído de fumaça e água unidas de maneira sobrenatural.
Jaci aproximou-se de seu esposo, tocou-lhe o braço com suas suaves mãos e suplicou-lhe:
— Por favor, solte-o! Não aguento vê-lo dessa maneira.
Tupã levantou-se abruptamente e afastou-se de Jaci, segurando o globo mágico em suas mãos. Virou-se para ela e com um tom de voz agressivo diz:
— Sabe que não posso fazer isso. Ele está disposto a tudo para lhe conquistar. Não vou permitir esse ato hediondo.
— Talvez as coisas se resolvam sozinhas. Dê-lhe uma chance!
— Não Jaci! Já disse que não. Monã teve o que merecia, e assim permanecerá até que abandone essa ideia estapafúrdia.
— Se é assim… Ficará em seu trono a vigiá-lo enquanto me assiste partir. Lembre-se que essa foi a sua escolha.
Jaci deu-lhe as costas e caminhou a passos largos afastando-se, enquanto o deus guerreiro dos trovões a observava partir furiosa com suas ações.
Escolhas Jaci. Escolhas que não tenho como recusar. Pensava Tupã enquanto retornava ao seu trono.
A sala estava escura com apenas um ponto de iluminação direcionado ao painel fixo na parede sobre o qual eram exibidas imagens vindas de um projetor preso numa armação fixada no teto. A turma estava em silêncio, não por respeito, não por interesse, mas porque a maioria estava entediada com a aula e acabavam se ocupando com rabiscos nos cadernos e mensagens nas redes sociais.Cadeiras rangendo, bocas mascando chicletes, lápis e canetas girando e batendo contra o apoio de mão, zíperes fechando e abrindo, bocejos e pigarros se uniam numa sinfonia matinal preguiçosa e desestimulante embalada pela voz calma e sonora do professor de “Interação Oceano-atmosfera e mudanças climáticas”.— A Lua tem se afastado da Terra nos últimos anos sem que saibamos o real motivo desse afastamento gradativo — disse o professor caminhando calmamente pelo tabla
A música alta, os flashes coloridos e freneticamente pulsantes ditavam o ritmo em que os corpos deveriam se movimentar. O cheiro de fumaça química misturava-se ao odor de suor dos corpos dançantes. Cada movimento selava o destino do inevitável choque com outro corpo. Pele deslizava sobre pele por conta da camada escorregadia de suor que se formava sobre a cútis.O ar era pesado e doce. As bocas abertas esperavam que outros lábios viessem aplacar a sede de beijo e os olhos fechados davam asas à imaginação guiada pelo prazer químico. Janaina abria os olhos esporadicamente, apenas para se guiar e não se perder da companheira. Seus braços e pernas se moviam instintivamente, sua cabeça chacoalhava de um lado para o outro fazendo seu cabelo suado chicotear o próprio rosto.Aos poucos o volume diminuiu até que a música cessou e seu corpo parou junto. Ela abri
O sol queimava seu rosto, o suor escorria pela face e lhe pingava nos lábios. O gosto salgado e o calor o fez despertar. A visão embaçada dificultava sua orientação. Piscou algumas vezes e só então percebeu vozes. Sua visão voltara ao normal gradativamente; olhou ao redor e se viu perdido no meio de uma grande floresta, com árvores colossais, cheias de cipós, flores, frutos e pássaros canoros, além de macacos e outros bichos correndo pelos galhos. Seu olhar desceu até o nível do solo e deparou-se com três jovens garotas, sendo uma delas, uma bela indígena aos moldes estereotipados e as outras duas pareciam garotas da cidade com um leve parentesco indígena.— O que aconteceu? Como vim parar aqui? — perguntou Bira levantando-se devagar se apoiando num tronco caído e coberto de musgo e líquen.— Ao que parece você &eac
Ao atravessar o feixe de luz Janaina deparou-se com um lugar sinistro tomado por uma atmosfera tenebrosa e com sutil aspecto de morte, como nos filmes antigos de terror.Ela olhou para Anahí e tentou decifrar as emoções estampadas no rosto da mulher. Era quase impossível, pois, seu semblante apresentava muitas facetas, cada uma com uma emoção diferente.O ar era pesado e frio, a neblina dificultava a visão de média e longa distância, o cheiro de podridão era nauseante, as sombras dançando sob os escassos feixes de luz que dardejavam através das imensas copas das árvores ao redor, aumentavam a tenebrosidade local, mas nada era pior que os guinchos e uivos que vinham das entranhas da floresta. A pele de Janaina arrepiou-se completamente; seus pés travaram e ela não conseguiu sentir nada além de pavor.Uma mão pousou em seu ombro e imediatamente ela
Horas depois de atravessarem o rio com a ajuda de Anhangá, o grupo encontrava-se na tal clareira descrita por Anahí. Estavam sentados ao redor de uma fogueira assando peixes e preás. Anahí sentara ao lado do velho índio que parecia estar mergulhado num profundo transe. Ubirajara atiçava as brasas com uma vareta, e quando as fagulhas luminosas subiam com o ar quente, ele as acompanhava até que deixassem de existir. Dakota sentou-se em frente à Janaina e a observava comer com muito cuidado para não se sujar. Sorriu secretamente dos hábitos “frescos” da companheira.Ao contrário de Dakota, Janaina Quispe não era muito tolerante ao ambiente fora das grandes capitais. Não suportava vermes e tão pouco insetos. No entanto, sua companheira não se importava com isso, essa era uma característica dela e ninguém pode negar sua essência; talvez possa mud
Ubirajara jamais imaginou sair da academia para viver uma grande aventura, viajar para longe ou mesmo fazer amizade com pessoas tão distintas, na verdade, tão excêntricas quanto ele. Em todos os seus quarenta e seis anos sempre optou pela segurança, nunca agindo por impulso ou por intuição, esse comportamento o levou às suas conquistas acadêmicas. Mas naqueles últimos dias, tudo havia mudado. Encontrou um estranho objeto em sua casa, fora retirado de sua zona de segurança, atirado num mundo cheio de inconstâncias e principalmente… Passou a correr perigos reais, algo que jamais cogitou acontecer.Bira é um homem alto, pele escura por conta da miscigenação, olhos castanho-escuro, descendente indígena, cabelos lisos, curtos e grisalhos. Seu porte físico é de um típico cientista sedentário, barba rala e óculos velhos; na verdade, em estad
O sol brilhava avermelhado por trás das copas das árvores mais altas marcando o entardecer. Logo a noite chegaria e os envolveria com seu frio, escuro e infinito manto salpicado de diamantes luminosos.— Iara, o que dizem de você é verdade? — perguntou Ubirajara nas costas do grande jacaré.Ela nadava de costas habilmente ao lado do imenso réptil, observou Bira por alguns instantes e então disse:— A verdade é complicada. Mas garantidamente há verdade em tudo o que é dito sobre mim.— Então… Você afoga homens propositalmente? — indagou o professor meio receoso com a resposta.— Sim, mas só se merecerem. Está com medo? — provocou ela iniciando um fino e sedutor sorriso. Depois mergulhou por algum tempo e emergiu com um enorme sapo nas mãos. Aproximou-o de seu ouvido, meneou com a cabeça e larg
A sensação de dormência se estendia por todo o corpo e as terminações nervosas formigavam insuportavelmente. A cabeça parecia inchada e vazia, os olhos doíam ao ponto de causar náuseas. As mãos estavam trêmulas e a garganta seca com gosto azedo.Assim despertou Ubirajara, em meio a uma enorme mata fechada, sombria e fria. Ele levantou-se devagar ainda meio zonzo e observou ao redor. Não havia ninguém ali além dele, sem trilhas, não havia saída, pouca luz e o ar gelado. Tentou escutar algo que o pudesse guiar para fora daquele lugar, mas tudo o que ouvia eram araras e periquitos cantando. Vez ou outra, um arbusto farfalhava por conta de algum animal que o atravessava. Vendo-se totalmente sozinho, sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha.Bira pôs-se a caminhar pela mata usando seu cajado para abrir caminho entre os cipós e arbustos. Saltou grandes ra&iacu