Capítulo 4
Milena Silveira Quando cheguei no meu quarto eu ainda sentia o coração acelerado depois do encontro inesperado com o senhor Caio na cozinha. A forma como ele me olhou, como se pudesse ver através de mim, me deixou um pouco inquieta. Não estava acostumada a ser notada, aliás a menos que fosse para apanhar depois. Tento manter a minha aparência discreta sempre, exatamente por medo. Mas não posso ter medo aqui, onde eu quero apenas recomeçar eu preciso esquecer meu passado a todo custo, e se tornar a melhor babá que esse anjinho pode ter. Me tranquei no quarto assim que entrei, ainda são reflexos do medo, e um modo de me proteger, mesmo sabendo que o João não vai entrar por essa porta, ainda é difícil assimilar que estou livre, que estou em paz. Peguei novamente meu diário, contando todas as sensações da minha nova vida, do meu primeiro dia aqui... O sono demorou muito a chegar, e quando veio, foi repleto de sonhos confusos, que me deixaram atordoada. No meio da madrugada, acordei sobressaltada, a sensação sufocante das memórias do passado ainda presente, deixando meu peito com uma sensação sufocante, um peso doloroso. Respirei fundo, abraçando meus próprios braços para tentar afastar o frio, frio esse que as cobertas não resolvem, pois é algo que vinha de dentro. Na manhã seguinte, me levantei cedo para começar minha rotina. A casa estava silenciosa, então fui direto para a cozinha. Beth e Dalila já estavam por lá, preparando o café da manhã. Me ofereci para ajudar e preparei pães de queijo, e um delicioso bolo de cenoura. — Milena, você cozinha bem demais. Se não fosse babá, teria um futuro promissor na gastronomia — disse Beth, sorrindo. Eu apenas sorri em resposta, mas não comentei nada. Cozinhar sempre foi minha forma de acalmar a mente, mas nunca considerei fazer disso um ofício. Era algo que eu associava a momentos de paz, algo que quase nunca tive, era o jeito que encontrava de afastar as coisas ruins e encontrar paz nem que fosse apenas alguns instantes. Logo, passos pesados ecoaram no corredor. Caio apareceu primeiro, os cabelos bagunçados e os olhos sonolentos. Ele apenas acenou com a cabeça em cumprimento e pegou uma xícara de café. Willian veio logo em seguida, impecável como sempre, vestindo um terno escuro que destacava sua presença forte. — Bom dia — Caio disse, e seu olhar encontrou o meu por um instante. A lembrança da noite anterior pareceu atravessar seus olhos, mas ele não disse nada sobre isso. — Bom dia, senhores — respondi, voltando minha atenção para a comida. O café da manhã seguiu tranquilo, com Ayla conversando animadamente sobre os preparativos para a chegada do bebê. Ela me incluiu em todos os detalhes, como se eu fizesse parte dessa família improvisada. Depois do café, me ocupei organizando o que será o quartinho do bebê. A ideia de cuidar de uma criança me aquecia por dentro. Eu sabia o que era se sentir só e perdida, e queria dar a essa pequena vida o amor e a segurança que eu nunca tive, como uma filha que eu nunca pude ter... No fim da tarde, precisei sair rapidamente para resolver algumas coisas. Acabei pegando chuva, e demorei mais do que deveria. Quando voltei, senti uma pontada no estômago, me senti observada, mas deve ser paranóia minha, depois de tantos anos presa, a liberdade é desafiadora. Assim que entrei na casa, todos os olhares se voltaram para mim. Ayla me observava com preocupação, mas foi Caio quem deu um passo à frente, seu olhar se tornando afiado como uma lâmina. — Milena, o que aconteceu com você? — ele perguntou, a voz carregada de um tom que misturava frustração e... proteção? Foi então que percebi que minha tentativa de esconder o que agora se tornou um roxo no rosto, não foi suficiente, ou a chuva desfez a maquiagem. A sombra arroxeada começava a aparecer, denunciando o que aconteceu na minha última vez naquela maldita vida de esposa troféu de João Goulart... Engoli em seco, tentando formular uma resposta. — Não foi nada... — comecei, mas fui interrompida por Willian. — Nada? Isso parece bem longe de ser ‘nada’. Quem fez isso com você, Milena? Eu sabia que não conseguiria evitar aquela conversa por muito tempo, mas não queria falar, eu devia ter fixado a maquiagem melhor. Não queria reviver aquilo, eu simplesmente não posso. Entretanto, quando olhei para Ayla, vi sua expressão carregada de tristeza. Ela sabia, foi meu único alicerce durante esses últimos anos. E, agora, eles também vão saber, e isso está me machucando. Caio se aproximou, seus olhos verdes estavam escuros fixos nos meus. — Milena, você não precisa enfrentar isso sozinha. É o seu ex-marido, não é? Ayla disse que ele se chama João certo? Meu coração disparou ao ouvir aquele nome. Ele saiu dos meus lábios num sussurro trémulo: — Sim... Willian passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado. — Ele te encontrou aqui? Balancei a cabeça. — Não, esse é o resquício da última noite que passei ao lado dele... Caio fechou os punhos, a máscara de indiferença que ele sempre usava rachando diante da raiva contida. — Você não vai mais sair sozinha, se ele te encontrar sozinha pode fazer algo pior. Levantei o olhar para ele. — Eu não posso envolver vocês nisso, vocês nem imaginam do que ele é capaz. — Você também não pode continuar se machucando, e pode ter certeza que você também não imagina do que nós somos capazes. Ayla tocou meu braço com gentileza, percebi que minha demora na rua a deixou desesperada. — Você precisa de ajuda, Mile. E você pode confiar neles, não falei nada além do necessário sei o quanto isso te fere, mas eu...estava preocupada com você... Suspirei, sentindo o peso de tudo isso me esmagar, sabia que uma hora viria a tona, mas não imaginei que seria tão rápido. Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu não me sentia completamente sozinha. — Então... o que vocês sugerem? Caio e Willian se entreolharam, como se já tivessem a resposta. — Ele não vai mais chegar perto de você, isso pode ter certeza absoluta — disse Willian, com firmeza. Caio completou: — Você está sob nossa proteção agora, Milena, ele não vai mais te tocar, nunca mais. E naquele momento, com todas as minhas forças eu quis acreditar que eles realmente poderiam me salvar de um passado que insistia em me perseguir...Capítulo 5Os dias passaram rapidamente. É estranho como se sentir em paz faz com que o tempo passe sem notarmos.Hoje viajaremos para os EUA. É hora de conhecer a barriga de aluguel e comprar o enxoval da pequena Helena.Ayla está extremamente ansiosa com a viagem, mas sei que o que realmente a inquieta é a possibilidade de ver Luan. Ela sempre foi apaixonada por ele...Vamos para Nova York, mas Nova Jersey, onde ele mora, é bem perto. Por isso, combinei um encontro para matarmos a saudade.Após horas de voo de primeira classe, finalmente chegamos ao destino. Pegamos dois táxis: um comigo, Ayla e algumas bagagens, e o outro com Caio, Willian e o restante das malas.A cidade é incrível, repleta de arranha-céus, e só agora percebi que nunca perguntei com o que os dois trabalham...— Ayla, o que eles fazem? Qual é o trabalho deles?— Sabe a C&W Segurança de Alto Padrão?— Sim.— Eles a fundaram do zero. Hoje, fazem a segurança das pessoas mais famosas e influentes do Brasil, com equipes
Capítulo 6Meu recomeço está tão carregado de paz que chega a dar medo. Estou com as duas pessoas que mais amo e que mais importam para mim no mundo: Ayla, minha melhor e única amiga, e Luan, meu irmão, meu sangue.Observo os dois jantando e conversando, e desejo, do fundo do meu coração, que eles se acertem. Eu só quero que eles sejam felizes, nada mais.— Nossa, um jantar animado na minha casa e nem fui chamada? — Alex apareceu na sala de jantar, falando alto.— Sua casa? Essa casa é nossa, minha e de Caio. Não lembro de você ser dona de algo aqui — respondeu Willian, sem disfarçar a ironia.Ela pareceu furiosa com ele, mas antes que pudesse responder, Caio se levantou da mesa, jogando o guardanapo com força e caminhando até ela.— Você está passando de todos os limites, Alex! O que está pensando que está fazendo?— Eu tô cansada... de ser um nada. Sou só uma incubadora pra vocês?— E nós apenas seu caixa eletrônico? Cada um tem seu papel, Alex — Willian disse da mesa, sem sequer le
Capítulo 1Milena SilveiraNão aguento mais. Meu corpo inteiro dói, e, mais uma vez, acordo em um hospital. Isso está me destruindo...Olho para o lado ainda zonza: flores como sempre, um quarto moderno, cheio de aparelhos. Qual será a mentira no prontuário desta vez? Com dificuldade, a vista ainda turva li..."Paciente queda, caiu da escada."Moro em uma cidade do interior do Paraná. Quando conheci João, nunca imaginei que, ao assinar os papéis do casamento, estaria selando minha possível sentença de morte. Tudo mudou depois que meus pais morreram. Sem ninguém no mundo, tornei-me prisioneira dele. O filho que eu não podia lhe dar era sempre a desculpa para as surras no começo, raras, mas agora quase diárias. Mas João é o prefeito da cidade, um exemplo de cidadão de bem. Eu? Apenas uma mulher desastrada, que vive se machucando sozinha...— Ah, meu amor, você acordou. — Sua voz melosa me enoja. — Quando cheguei em casa, você estava caída aos pés da escada. Foi desesperador, meu amor, o
Capítulo 2Milena SilveiraEstava extremamente sonolenta, os remédios são fortes, queria acreditar que foi apenas um pesadelo, que meus olhos e mente me pregaram uma peça. Escutei o barulho do chuveiro e, logo depois, ele se deitou ao meu lado. Apaguei novamente...Quando acordei, ele estava em um sono pesado, me levantei, e vi que infelizmente nada daquilo, foi um pesadelo, as camisinhas abertas, e uma usada no lado do chaise me deram a certeza que aquilo não foi um pesadelo, foi real, ele realmente fez isso.Com certeza mais um dos fetiches nojentos do João, me humilhar é o hobby favorito dele...Me vesti e fui até a cozinha, eu me sentia suja só por ele ter deitado ao meu lado depois de ter feito isso, disquei o número de Ayla, que atendeu no segundo toque.— Ayla, sou eu. Preciso ser breve. Eu vou com você. Quando você vai?— Saio na sexta. Passo aí assim que ele sair para o trabalho.— Aqui não, é perigoso, te encontro na praça, da Arará, lá é mais afastado, as 10:00 estarei lá
Capítulo 3MilenaA ideia me pareceu uma loucura, mas Ayla estava certa. Era uma oportunidade que eu não podia deixar passar, liguei para ela:— Então, Mile, me fala, você aceita? É um bom recomeço para você, e não tem ninguém melhor pra esse cargo.Engoli em seco. O medo ainda me assombrava, mas eu precisava recomeçar. Respirei fundo antes de responder:— Eu aceito, Ayla. Eu aceito sim, parece realmente uma ótima idéia.— Perfeito! Vou te enviar o endereço e te espero aqui em meia hora.Com o coração acelerado, corri para me arrumar. Juntei minhas coisas e fechei minha conta no hotel. Agora era oficial. Um novo capítulo da minha vida estava começando, e vou enfim deixar o João e meu maldito casamento com ele no passado, escondido e enterrado, escrevi tudo no diário, coloquei na bolsa, e segui hora de recomeçar.Quando cheguei ao endereço enviado por Ayla, me deparei com uma mansão luxuosa. Era imponente, cercada por câmeras de segurança. Fazendo com que meu coração se acalmasse um po