Capítulo 2
Milena Silveira Estava extremamente sonolenta, os remédios são fortes, queria acreditar que foi apenas um pesadelo, que meus olhos e mente me pregaram uma peça. Escutei o barulho do chuveiro e, logo depois, ele se deitou ao meu lado. Apaguei novamente... Quando acordei, ele estava em um sono pesado, me levantei, e vi que infelizmente nada daquilo, foi um pesadelo, as camisinhas abertas, e uma usada no lado do chaise me deram a certeza que aquilo não foi um pesadelo, foi real, ele realmente fez isso. Com certeza mais um dos fetiches nojentos do João, me humilhar é o hobby favorito dele... Me vesti e fui até a cozinha, eu me sentia suja só por ele ter deitado ao meu lado depois de ter feito isso, disquei o número de Ayla, que atendeu no segundo toque. — Ayla, sou eu. Preciso ser breve. Eu vou com você. Quando você vai? — Saio na sexta. Passo aí assim que ele sair para o trabalho. — Aqui não, é perigoso, te encontro na praça, da Arará, lá é mais afastado, as 10:00 estarei lá! — Combinado. Falei com ela rapidamente, pois ninguém poderia ouvir essa conversa. Preciso que isso dê certo. Não tenho mais estrutura psicológica para continuar assim... Os dias seguintes pareceram uma verdadeira eternidade. Na noite de quinta, separei meus documentos, algumas peças de roupa, todas as minhas joias e todo o dinheiro que tinha guardado. No caminho, passarei em alguns caixas eletrônicos, para retirar ainda aqui na cidade o dinheiro da minha conta, com dinheiro em mãos ele não vai conseguir me rastrear. O restante da minha herança, que são ações de algumas empresas, deixei que meu irmão administrasse para garantir que João nunca colocasse as mãos nelas. Mas, depois que estiver segura, vou contar tudo ao Luan. Até lá, preciso encontrar um emprego e me virar sozinha, seja o que Deus quiser... — O que está fazendo? Que demora é essa para se arrumar? Preciso estar no jantar com os sócios até às 20:00! A voz dele me tirou dos devaneios, e saí do closet pronta para o maldito jantar. — Estou pronta. Só estava terminando a maquiagem. — Ótimo. Está aceitável. Agora vamos logo. Respirei fundo, com muita fé de que isso está prestes a acabar... Eu creio! Chegando à casa do vereador Pietro, todos já estavam lá. João me apresentou aos possíveis sócios, que querem investir em uma nova empresa na cidade. A conversa era a mesma de sempre. Percebi que um dos homens, já alterado, pela bebida, não tirava os olhos de mim. E eu sabia exatamente o que isso ia me custar. Afinal, a culpa é sempre minha... O pânico começou a tomar conta de mim. Eu só queria ir embora dali de uma vez. E, como esperado, assim que chegamos em casa, a discussão começou. — Você é realmente uma vagabunda, Milena! Não se dá ao respeito! Estava se jogando para cima daquele homem! O que ele tem? Mais dinheiro? Mais poder? — Eu não fiz nada! Nem abri minha boca a noite toda! João, por que você é assim? — Eu? Eu sou assim?! Ele me desferiu um tapa por ter respondido. Segurei meu rosto enquanto as lágrimas escorriam, a dor que queimava não era do tapa, era da minha alma estilhaçada... Ele segurou meu rosto com força e gritou comigo: — Veja o que me faz fazer, Milena! Sempre isso! Sempre me fazendo ser rude com você! Tentei soltar meu rosto, mas ele apertou com ainda mais força. As lágrimas escorriam, e eu só tentava me agarrar ao pensamento de que amanhã estaria longe de tudo isso. Era isso que me dava forças, me anestesia, enquanto ele apertava mais e mais... Quando finalmente ele me soltou, subi correndo as escadas. Por sorte, ele não veio atrás. Entrei no banheiro do quarto e me tranquei lá dentro. Meu rosto estava vermelho e inchado, mais uma prova da vida maldita que levo ao lado dele, meu rosto doía, queimava, mas não mais que meu coração, me sinto exausta dessa vida, mas sou fraca demais para acabar com ela, se eu morresse acabava, mas eu não tenho forças pra isso. Sonhando com uma vida longe daqui, sonhando que meu plano de fuga de certo... Dormi no banheiro, sem coragem de sair. Enchi a banheira com toalhas e ali fiquei. Na manhã seguinte, encostei o ouvido na porta, tentando ouvir qualquer barulho no quarto. Quando não ouvi nada, saí. A cama estava arrumada. Ele nem chegou a subir. Olhei no relógio. Eram quase 9:00. Ayla deve estar indo para a praça. Tomei um banho rápido, coloquei uma calça jeans e uma camiseta, peguei as coisas que havia separado e dei uma última olhada no quarto glamouroso, que para mim parecia um cativeiro insalubre. Desci as escadas rapidamente e saí de casa. Não tive muita dificuldade para sair pois era troca de turno dos seguranças da casa. Fui até a praça que ficava algumas quadras de casa. Não demorou muito para que Ayla parasse ao meu lado, sorrindo, ela baixou os óculos escuros e me olhou: — Preparada para deixar essa vida para trás? — Mais do que preparada! Entrei no carro, dando uma última olhada para a vizinhança onde vivi por tantos anos, passei em frente a antiga casa onde eu cresci olhando o jardim florido, que minha mãe tanto amava, e eu não pude cuidar... E provavelmente nunca mais verei novamente... Pegamos a estrada rapidamente. Ayla percebeu meu rosto marcado pela força com que João me segurou e logo perguntou: — Ele te bateu de novo? — Não exatamente. Me segurou com muita força depois de um tapa porque um dos sócios da nova empresa ficou me encarando durante o jantar de ontem. — Esse cara é um verdadeiro monstro. — Isso nem foi nada perto do que ele já fez comigo... Falei, baixando a cabeça e lembrando das muitas vezes em que parei no hospital por causa dele, afastei esses pensamentos e perguntei a ela: — Ayla, pode parar em um caixa eletrônico? Preciso sacar o máximo que puder, dinheiro na mão não é rastreado.. — Claro. Na próxima cidade, entramos para almoçar e você faz o saque. — Obrigada minha amiga. E me conta, o que vai fazer em São Paulo mesmo? — Meu irmão estava procurando uma barriga de aluguel para gerar um filho para ele. Ele mora com um "amigo". Nenhum dos dois tem planos de casar, de ter uma mulher na vida deles, mas eles querem muito um filho, ser pai sabe. — Então você vai ajudá-lo com isso? — Sim, vou ajudar nas entrevistas para escolher uma babá. Ele quer contratar alguém desde já, para conhecer eles e suas rotinas. — Entendi. Meio estranho, mas entendi. Ela sorriu concordando comigo e seguimos. Assim que entramos na próxima cidade, paramos em frente ao banco. Fiz os saques, um pouco em cada caixa eletrônico. Depois almoçamos e seguimos viagem, e enfim chegamos em São Paulo, capital. — Bom, acho melhor pegar um hotel. Não quero incomodar vocês. — Tem certeza, Mile? — Sim, tenho, pode ficar tranquila, eu preciso mesmo ficar sozinha por um tempo. Ela me deixou em um hotel próximo à empresa do irmão dela, nos despedimos e ela seguiu para lá. Fiz meu check-in, subi para o quarto, deixei minha mala e saí para explorar um pouco. Comprei um celular, algumas roupas, produtos de higiene... enfim, tudo o que precisava para recomeçar minha vida. Peguei meu diário e comecei a escrever sobre essa nova fase. Enfim, esse diário verá coisas felizes. Salvei os contatos de Ayla e Luan no celular e enviei uma mensagem para Ayla com meu número novo. Depois, liguei para Luan. Ele precisava saber que me separei, pois João com certeza o procuraria. — Maninha! Quanto tempo! Como você está? — Oi, Luan. Estou... bem. Esse é meu número novo. Anota aí. E... por favor, não passe para o João, caso ele te procure. — Vocês brigaram, Mile? O que houve? — Nosso casamento estava péssimo, e ele não aceitava a separação. Então eu fui embora. Não quero que ele saiba onde estou... — Sinto que tem algo mais nessa história, algo que você não quer me contar... — Não acho que deva falar por telefone. Mas estou bem agora. Apenas não diga nada a ele, está bem? — Claro. Se ele me procurar, direi que não sei de nada. Pode ficar tranquila. Você sabe que nunca fui com a cara dele... — Obrigada, Luan. Eu te amo. — Eu também te amo. Se precisar de mim ou quiser sair do país, saiba que estou aqui. — Obrigada. Por enquanto, ficarei por aqui mesmo. Mas é bom saber que tenho você. Nos despedimos e fiquei ali, refletindo sobre as possibilidades que a vida agora me oferecia. Sem perceber, comecei a sorrir. Há quanto tempo eu não fazia isso? Sorrir, algo tão simples que eu nem sabia mais como fazer... Estava escrevendo as primeiras linhas sobre minha nova vida, quando Ayla enviou uma mensagem: "Mile, passei o dia entrevistando babás, mas cheguei à conclusão de que a pessoa perfeita para a vaga é você. O que acha? Topa?"Capítulo 3MilenaA ideia me pareceu uma loucura, mas Ayla estava certa. Era uma oportunidade que eu não podia deixar passar, liguei para ela:— Então, Mile, me fala, você aceita? É um bom recomeço para você, e não tem ninguém melhor pra esse cargo.Engoli em seco. O medo ainda me assombrava, mas eu precisava recomeçar. Respirei fundo antes de responder:— Eu aceito, Ayla. Eu aceito sim, parece realmente uma ótima idéia.— Perfeito! Vou te enviar o endereço e te espero aqui em meia hora.Com o coração acelerado, corri para me arrumar. Juntei minhas coisas e fechei minha conta no hotel. Agora era oficial. Um novo capítulo da minha vida estava começando, e vou enfim deixar o João e meu maldito casamento com ele no passado, escondido e enterrado, escrevi tudo no diário, coloquei na bolsa, e segui hora de recomeçar.Quando cheguei ao endereço enviado por Ayla, me deparei com uma mansão luxuosa. Era imponente, cercada por câmeras de segurança. Fazendo com que meu coração se acalmasse um po
Capítulo 4Milena Silveira Quando cheguei no meu quarto eu ainda sentia o coração acelerado depois do encontro inesperado com o senhor Caio na cozinha. A forma como ele me olhou, como se pudesse ver através de mim, me deixou um pouco inquieta. Não estava acostumada a ser notada, aliás a menos que fosse para apanhar depois. Tento manter a minha aparência discreta sempre, exatamente por medo. Mas não posso ter medo aqui, onde eu quero apenas recomeçar eu preciso esquecer meu passado a todo custo, e se tornar a melhor babá que esse anjinho pode ter.Me tranquei no quarto assim que entrei, ainda são reflexos do medo, e um modo de me proteger, mesmo sabendo que o João não vai entrar por essa porta, ainda é difícil assimilar que estou livre, que estou em paz.Peguei novamente meu diário, contando todas as sensações da minha nova vida, do meu primeiro dia aqui...O sono demorou muito a chegar, e quando veio, foi repleto de sonhos confusos, que me deixaram atordoada. No meio da madrugada, a
Capítulo 5Os dias passaram rapidamente. É estranho como se sentir em paz faz com que o tempo passe sem notarmos.Hoje viajaremos para os EUA. É hora de conhecer a barriga de aluguel e comprar o enxoval da pequena Helena.Ayla está extremamente ansiosa com a viagem, mas sei que o que realmente a inquieta é a possibilidade de ver Luan. Ela sempre foi apaixonada por ele...Vamos para Nova York, mas Nova Jersey, onde ele mora, é bem perto. Por isso, combinei um encontro para matarmos a saudade.Após horas de voo de primeira classe, finalmente chegamos ao destino. Pegamos dois táxis: um comigo, Ayla e algumas bagagens, e o outro com Caio, Willian e o restante das malas.A cidade é incrível, repleta de arranha-céus, e só agora percebi que nunca perguntei com o que os dois trabalham...— Ayla, o que eles fazem? Qual é o trabalho deles?— Sabe a C&W Segurança de Alto Padrão?— Sim.— Eles a fundaram do zero. Hoje, fazem a segurança das pessoas mais famosas e influentes do Brasil, com equipes
Capítulo 6Meu recomeço está tão carregado de paz que chega a dar medo. Estou com as duas pessoas que mais amo e que mais importam para mim no mundo: Ayla, minha melhor e única amiga, e Luan, meu irmão, meu sangue.Observo os dois jantando e conversando, e desejo, do fundo do meu coração, que eles se acertem. Eu só quero que eles sejam felizes, nada mais.— Nossa, um jantar animado na minha casa e nem fui chamada? — Alex apareceu na sala de jantar, falando alto.— Sua casa? Essa casa é nossa, minha e de Caio. Não lembro de você ser dona de algo aqui — respondeu Willian, sem disfarçar a ironia.Ela pareceu furiosa com ele, mas antes que pudesse responder, Caio se levantou da mesa, jogando o guardanapo com força e caminhando até ela.— Você está passando de todos os limites, Alex! O que está pensando que está fazendo?— Eu tô cansada... de ser um nada. Sou só uma incubadora pra vocês?— E nós apenas seu caixa eletrônico? Cada um tem seu papel, Alex — Willian disse da mesa, sem sequer le
Capítulo 1Milena SilveiraNão aguento mais. Meu corpo inteiro dói, e, mais uma vez, acordo em um hospital. Isso está me destruindo...Olho para o lado ainda zonza: flores como sempre, um quarto moderno, cheio de aparelhos. Qual será a mentira no prontuário desta vez? Com dificuldade, a vista ainda turva li..."Paciente queda, caiu da escada."Moro em uma cidade do interior do Paraná. Quando conheci João, nunca imaginei que, ao assinar os papéis do casamento, estaria selando minha possível sentença de morte. Tudo mudou depois que meus pais morreram. Sem ninguém no mundo, tornei-me prisioneira dele. O filho que eu não podia lhe dar era sempre a desculpa para as surras no começo, raras, mas agora quase diárias. Mas João é o prefeito da cidade, um exemplo de cidadão de bem. Eu? Apenas uma mulher desastrada, que vive se machucando sozinha...— Ah, meu amor, você acordou. — Sua voz melosa me enoja. — Quando cheguei em casa, você estava caída aos pés da escada. Foi desesperador, meu amor, o