Capítulo 3
Milena A ideia me pareceu uma loucura, mas Ayla estava certa. Era uma oportunidade que eu não podia deixar passar, liguei para ela: — Então, Mile, me fala, você aceita? É um bom recomeço para você, e não tem ninguém melhor pra esse cargo. Engoli em seco. O medo ainda me assombrava, mas eu precisava recomeçar. Respirei fundo antes de responder: — Eu aceito, Ayla. Eu aceito sim, parece realmente uma ótima idéia. — Perfeito! Vou te enviar o endereço e te espero aqui em meia hora. Com o coração acelerado, corri para me arrumar. Juntei minhas coisas e fechei minha conta no hotel. Agora era oficial. Um novo capítulo da minha vida estava começando, e vou enfim deixar o João e meu maldito casamento com ele no passado, escondido e enterrado, escrevi tudo no diário, coloquei na bolsa, e segui hora de recomeçar. Quando cheguei ao endereço enviado por Ayla, me deparei com uma mansão luxuosa. Era imponente, cercada por câmeras de segurança. Fazendo com que meu coração se acalmasse um pouco. Depois de tudo que passei, me sentir segura era algo extremamente essencial. Toquei a campainha e logo a voz de Ayla ecoou pelo interfone: — Pode entrar, Mile, já liberei. Atravessei o portão e encontrei Ayla me esperando com um sorriso caloroso. Sua presença sempre me trazia muito conforto, era única sensação familiar que eu ainda tinha naquela maldita vida que eu levava. — Que bom que aceitou, minha amiga. Vai ser perfeito. Você vai amar aqui. Caio e Willian trabalham muito, então você vai ficar sozinha a maior parte do tempo. Quando o bebê nascer, eles ficarão mais em casa, mas até lá, vocês vão se conhecendo, e principalmente você vai estar segura. — Obrigada de coração por pensar em mim para essa vaga, Ayla. Eu realmente precisava desse trabalho. Vai ser um ótimo recomeço... Ela me apresentou a casa e as outras funcionárias, e depois me levou ao quarto onde eu ficaria. Era no mesmo andar dos quartos deles, para ficar próxima do bebê. — Agora vamos descer. Eles devem estar chegando. Na sala de jantar, a mesa estava posta. Um barulho na cozinha chamou nossa atenção e corremos até lá. — Dalila, está tudo bem? — Dona Ayla, a Beth derrubou o pudim que era para a sobremesa. — Mas ninguém se machucou? — Não, mas agora estamos sem sobremesa... Me envolvi na conversa, oferecendo ajuda: — Eu posso fazer um mousse de chocolate, é super rápido. — Sério? O Caio ama mousse de chocolate! — Então, é isso, eu faço rapidinho. Dalila me alcançou os ingredientes e rapidamente preparei a sobremesa. Enquanto colocava o mousse para gelar, escutamos vozes masculinas na sala. — Vamos, Mile. Eles chegaram. Segui Ayla até a sala, onde dois homens altos e bem vestidos nos esperavam. — William, Caio, quero apresentar a vocês uma grande amiga. Essa é a Milena, ela vai ser a babá de vocês. Vocês podem ter absoluta certeza que não existe ninguém melhor para o cargo. William, o irmão de Ayla, me cumprimentou primeiro. Mas senti o olhar de Caio sobre mim antes de ele também estender a mão. Me senti desconfortável com seus olhares, como se estivessem me julgando, mas respirei fundo e os cumprimentei. Durante o jantar, trocamos algumas palavras, mas nada muito profundo. Eles pareciam me observar com atenção, como se estivessem me analisando profundamente. — Dalila, pode servir a sobremesa e o café na sala de TV, por favor. Nos sentamos e, então, eles me perguntaram bem diretamente: — Qual a sua formação, Milena? — William questionou. — Fiz técnico em enfermagem e me especializei em UTI Neonatal. Mas não atuei por muito tempo na área. Depois que casei... eu tive que parar de trabalhar. Agora estou voltando... — Entendi. Caio, quer perguntar algo? — Bom, Will, acho que já temos um bom começo. O resto teremos que ver na prática... Ele parecia desconfiado, arrogante. Mas eu precisava que isso desse certo. Quando o mousse foi servido, vi Caio trocar um olhar rápido com Dalila. Meu coração apertou. Estava ruim? — Dalila, quem fez o mousse? — ele perguntou. Antes que ela respondesse, me adiantei: — Eu que fiz, senhor. Aguardei a bronca, mas em resposta me surpreendi. — Já estão te desviando da função? Mas já aviso pode desviar da sua função mais vezes. Nunca comi um mousse de chocolate tão delicioso. Os dois sorriram, agora mais relaxados. A conversa mudou para o bebê. Eles mostraram ultrassons e explicaram que o bebê é uma menina e estava sendo gerada nos EUA. Já que no Brasil a prática de barriga de aluguel ainda é proibida. No próximo mês, eles teriam que viajar até lá e eu precisaria acompanhá-los. Obviamente concordei sem hesitar. Depois, nos despedimos e subimos para descansar, estava extremamente exausta da viagem, e com uma dor de cabeça absurda. Tomei um banho, vesti um pijama confortável e fui pegar um copo d'água para tomar meu remédio. A cozinha estava escura, peguei a jarra na geladeira, tentando ser o mais rápida possível, quando ouvi uma voz grave: — Perdeu o sono? Levei um susto e acabei derrubando a jarra de vidro. — Não quis te assustar, me perdoe. Caio acendeu a luz e se aproximou, me ajudando a recolher os cacos. — Eu pego, senhor Caio. Me assustei, só queria pegar água para tomar um remédio. — E eu vim buscar mais do seu mousse de chocolate. Ele sorriu, e só então percebi como era bonito. Seus traços eram fortes, a barba impecavelmente desenhada realçava seu rosto másculo, em contraste com seus olhos de um verde tão intenso que com certeza deve fazer as mulheres perderem o fôlego. — Eu pego para o senhor. Enquanto observava ele saborear a sobremesa, conversamos brevemente, e ele me perguntou se eu gostava de cozinhar... — Cozinhar foi meu único hobby... por muito tempo. Parei antes de revelar mais do que devia. Aquela era uma nova vida, e meu passado ficaria para trás, respirei fundo e logo falei: — Vou subir. Boa noite, senhor Caio. — Boa noite, Milena. Obrigado pelo mousse... Senti que agora minha vida poderia, enfim, tomar um novo rumo, e é isso que eu espero, do fundo da minha alma, uma vida nova...Capítulo 4Milena Silveira Quando cheguei no meu quarto eu ainda sentia o coração acelerado depois do encontro inesperado com o senhor Caio na cozinha. A forma como ele me olhou, como se pudesse ver através de mim, me deixou um pouco inquieta. Não estava acostumada a ser notada, aliás a menos que fosse para apanhar depois. Tento manter a minha aparência discreta sempre, exatamente por medo. Mas não posso ter medo aqui, onde eu quero apenas recomeçar eu preciso esquecer meu passado a todo custo, e se tornar a melhor babá que esse anjinho pode ter.Me tranquei no quarto assim que entrei, ainda são reflexos do medo, e um modo de me proteger, mesmo sabendo que o João não vai entrar por essa porta, ainda é difícil assimilar que estou livre, que estou em paz.Peguei novamente meu diário, contando todas as sensações da minha nova vida, do meu primeiro dia aqui...O sono demorou muito a chegar, e quando veio, foi repleto de sonhos confusos, que me deixaram atordoada. No meio da madrugada, a
Capítulo 5Os dias passaram rapidamente. É estranho como se sentir em paz faz com que o tempo passe sem notarmos.Hoje viajaremos para os EUA. É hora de conhecer a barriga de aluguel e comprar o enxoval da pequena Helena.Ayla está extremamente ansiosa com a viagem, mas sei que o que realmente a inquieta é a possibilidade de ver Luan. Ela sempre foi apaixonada por ele...Vamos para Nova York, mas Nova Jersey, onde ele mora, é bem perto. Por isso, combinei um encontro para matarmos a saudade.Após horas de voo de primeira classe, finalmente chegamos ao destino. Pegamos dois táxis: um comigo, Ayla e algumas bagagens, e o outro com Caio, Willian e o restante das malas.A cidade é incrível, repleta de arranha-céus, e só agora percebi que nunca perguntei com o que os dois trabalham...— Ayla, o que eles fazem? Qual é o trabalho deles?— Sabe a C&W Segurança de Alto Padrão?— Sim.— Eles a fundaram do zero. Hoje, fazem a segurança das pessoas mais famosas e influentes do Brasil, com equipes
Capítulo 6Meu recomeço está tão carregado de paz que chega a dar medo. Estou com as duas pessoas que mais amo e que mais importam para mim no mundo: Ayla, minha melhor e única amiga, e Luan, meu irmão, meu sangue.Observo os dois jantando e conversando, e desejo, do fundo do meu coração, que eles se acertem. Eu só quero que eles sejam felizes, nada mais.— Nossa, um jantar animado na minha casa e nem fui chamada? — Alex apareceu na sala de jantar, falando alto.— Sua casa? Essa casa é nossa, minha e de Caio. Não lembro de você ser dona de algo aqui — respondeu Willian, sem disfarçar a ironia.Ela pareceu furiosa com ele, mas antes que pudesse responder, Caio se levantou da mesa, jogando o guardanapo com força e caminhando até ela.— Você está passando de todos os limites, Alex! O que está pensando que está fazendo?— Eu tô cansada... de ser um nada. Sou só uma incubadora pra vocês?— E nós apenas seu caixa eletrônico? Cada um tem seu papel, Alex — Willian disse da mesa, sem sequer le
Capítulo 1Milena SilveiraNão aguento mais. Meu corpo inteiro dói, e, mais uma vez, acordo em um hospital. Isso está me destruindo...Olho para o lado ainda zonza: flores como sempre, um quarto moderno, cheio de aparelhos. Qual será a mentira no prontuário desta vez? Com dificuldade, a vista ainda turva li..."Paciente queda, caiu da escada."Moro em uma cidade do interior do Paraná. Quando conheci João, nunca imaginei que, ao assinar os papéis do casamento, estaria selando minha possível sentença de morte. Tudo mudou depois que meus pais morreram. Sem ninguém no mundo, tornei-me prisioneira dele. O filho que eu não podia lhe dar era sempre a desculpa para as surras no começo, raras, mas agora quase diárias. Mas João é o prefeito da cidade, um exemplo de cidadão de bem. Eu? Apenas uma mulher desastrada, que vive se machucando sozinha...— Ah, meu amor, você acordou. — Sua voz melosa me enoja. — Quando cheguei em casa, você estava caída aos pés da escada. Foi desesperador, meu amor, o
Capítulo 2Milena SilveiraEstava extremamente sonolenta, os remédios são fortes, queria acreditar que foi apenas um pesadelo, que meus olhos e mente me pregaram uma peça. Escutei o barulho do chuveiro e, logo depois, ele se deitou ao meu lado. Apaguei novamente...Quando acordei, ele estava em um sono pesado, me levantei, e vi que infelizmente nada daquilo, foi um pesadelo, as camisinhas abertas, e uma usada no lado do chaise me deram a certeza que aquilo não foi um pesadelo, foi real, ele realmente fez isso.Com certeza mais um dos fetiches nojentos do João, me humilhar é o hobby favorito dele...Me vesti e fui até a cozinha, eu me sentia suja só por ele ter deitado ao meu lado depois de ter feito isso, disquei o número de Ayla, que atendeu no segundo toque.— Ayla, sou eu. Preciso ser breve. Eu vou com você. Quando você vai?— Saio na sexta. Passo aí assim que ele sair para o trabalho.— Aqui não, é perigoso, te encontro na praça, da Arará, lá é mais afastado, as 10:00 estarei lá