Capítulo 1

Três meses, era apenas isso que faltava para ter a coroa de rei, nada poderia estragar esse momento, ao menos era isso que eu dizia a mim mesmo diariamente. A não ser a família de Lammona que está sempre em meu encalço. Ela é uma das jovens mais ricas e bem sucedidas de meu reino, encantadora e bela, mesmo assim me dá nojo. O motivo é simples e claro, suas intenções, sua personalidade, nada nela chega de fato a me agradar ou ao meu lado sobrenatural. Após todo aquele constrangimento com James seu pai tem vindo várias vezes oferecer sua companhia em minhas viagens e reuniões, eu aceito por educação mas não suporto ficar ao lado daquele velho, sabendo que ele só está fazendo isso para tentar uma aproximação e descobrir meus reais pensamentos e interesses. 

Mais uma vez estou parado de frente a janela do meu quarto, olhando a floresta um pouco distante, suspiro e encosto a cabeça no vidro fechando os olhos e embaçando o mesmo. Minhas mãos pesam ao lado do meu corpo e eu me pergunto quando poderei ser eu mesmo. Quando poderei sair desse palácio sem que inúmeras pessoas venham atrás de mim. Meu lobo precisa correr, precisa ser ele mesmo por no mínimo uma hora e nem isso eu tenho para dar-me a mim mesmo. Frustrante. Antes eu tinha esse tempo para escapar, fingir ser por algumas horas um lobo solitário antes de me desmontar nas obrigações do palácio, mas agora eu não era apenas um príncipe, eu não podia fugir sempre que quisesse, eu não podia ir e vir sem ser visto ou perseguido e podia jurar que esse sentimento me levaria a loucura uma hora ou outra.

Sinto meu celular vibrar e o retiro do bolso, uma mensagem de James com minhas novas obrigações logo aparece. Meus trinta minutos de almoço acabaram. Coloco minha farda azul e em meu rosto um olhar gélido, saio do quarto a passos firmes e atravesso os corredores que dão em direção ao salão que me espera lotado de ministros, presidentes e autoridades para uma discussão sobre ambientalismo. Meu coração acelera e sinto minhas mãos suarem, a farda não comporta meu corpo como deveria, sinto-me sufocado e tento alarga-la mas continuo suando. Me encosto em uma das paredes e fecho os olhos meu lobo está querendo assumir o controle, ele me bate internamente procurando uma saída enquanto eu tento prende-lo de todas as formas possíveis. Não suporto a pressão e entro no primeiro quarto aberto que encontro, minhas unhas já estão visíveis e meus olhos vermelhos eu posso ver atravéz do espelho que está a minha frente, minhas presas cortam meus lábios e minha respiração está animalesca. Soco a parede tentando me controlar enquanto meu celular vibrar desesperadamente em meu bolso, sem pensar o pego e jogo contra a parede. 

Eu preciso correr... - Grita meu lobo dentro de mim. Impaciente e com uma raiva palpável. 

- Calma amigo, espere apenas mais um pouco. - Tento o acalmar, meus joelhos tremem e eu caio no chão já em estado de transformação. Não posso ficar aqui. Não posso ficar aqui. Essa frase era como um grito em minha cabeça me obrigando a prosseguir, a me mexer.

Me levanto com dificuldade e tomo impulso, começo a correr em direção a janela e salto. No mínimo dez metros de altura antes me separavam do chão, agora eu corro com uma velocidade surpreendente por entre os braços das ruas paralelas sem ao mínimo ser visto. Carros são como borrões em minha visão, pessoas são manchas coloridas que passam rápido, posso ouvir o som, todos eles, as vozes de pessoas discutindo no telefone, outras conversando animadamente em uma confeitaria, escuto um pai repreender o filho na calçada, posso escutar a novela que a velha senhora assiste na televisão. Tudo aquilo me era claro mas eu não queria ouvir, eu precisava continuar correndo. Sentia as presas rasgando os lábios com força e a transformação começando. Logo estou na floresta, caio de quatro em meio a vegetação e sinto o vento frio de Londres bater em minhas costas avisando que minha roupa já estava rasgada, aos poucos a transformação começa, cada osso se revira tão rápido quanto pudesse ficando mais forte e bem maior que o normal, minhas roupas já eram e a única coisa que eu consigo pensar é liberdade.

Um enorme lobo branco agora faz parte da floresta, meus olhos vermelhos vasculham toda a área procurando uma presa. Meu corpo vibra em excitação pelo prazer de correr livre, nem me lembro da última vez que estive aqui. Mesmo sem ter um alvo eu corro, minhas enormes patas se chocam com o chão fazendo as folhas subirem, o vento gélido eriça meus pelos brancos me deixando mais enérgico, minha audição capita cada estalar das folhas quando batem umas nas outras; o barulho do rio ao longe me trás calma. Que saudade da floresta. Logo vejo minha presa, me escondo contra o vento e fico a espreitar o veado. Ele come tranquilamente o que mostra sua falta de atenção, piso em uma folha seca e a mesma se quebra fazendo barulho, enquanto ele olha para onde a folha foi quebrada uso minha velocidade para ataca-lo do outro lado atingindo meu alvo com êxito. 

Agora estou a beira do lago, nu. Limpei todo o sangue do meu corpo e estou pensando em como voltar para casa e o que dizer aos ministros sobre minha ausência. O céu já está escuro e sei que todos estão me procurando como loucos dentro daquele palácio. Suspiro cansado e bato na água cristalina desse pequeno lago. Faço uma breve reverência a natureza e a lua, enfim volto na mesma velocidade para o meu quarto sem que ninguém tenha me percebido. Entro no banheiro e tomo um banho demorado enquanto meu corpo se livra de toda a adrenalina que tinha sentido hoje, enquanto o lobo se aquieta, fico ali até escutar a voz irritante de James atrás da porta do quarto. Relutante saio e coloco a toalha em volta do meu quadril, ainda molhado abro a porta do quarto e arqueio uma sobrancelha para ele rosnando em sua direção, o homem treme na base como um graveto relutando ao vento, sua pele parecia papel velho, mal se aguentando em pé.

- D..d...d... desculpa majestade... E.e..eu não... - Bato a porta em seu rosto e me viro para o espelho, algumas cicatrizes se destacam mais que as outras em minha pele a deixando irregular., Lembrava de quando as tinha conseguido, jovem demais achando que era dono do mundo e descobrindo que apesar de ser um híbrido não era páreo para um lobo velho, nunca seria se não deixasse a imaturidade de lado. 

Enxugo meu corpo e visto apenas uma cueca, as roupas parecem pesar em minha pele e isso tem me deixado desconfortável. Ser o rei sempre foi o meu sonho, mas agora que estou prestes a me tornar um não sei se é realmente isso que eu quero. A liberdade parece ser mais convidativa e viver preso desse jeito parece uma sentença como um castigo por eu ter sido uma má pessoa. Eu só queria ter alguém que fizesse meu lobo se agitar, que eu pudesse dividir meus problemas e que realmente se importasse comigo. Ter alguém para ser apenas eu mesmo; encaro a lua pelo vidro da janela fechada e batuco meus dedos sobre ele de forma impaciente. Eu só queria ser alguém para alguém, acima de rei, acima de majestade e autoridade. Eu só queria ser importante apenas pelo fato de existir. 

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