Apesar da discussão calorosa com o jovem ogro e bonitão; Selena retornou para sua casa mais aliviada, por saber que não foi daquela vez que seu pai conseguiu derrubar a Munhoz. E, se dependesse dela, ele não a teria. Por alguma razão, aquela pequena empresa exercia um fascínio muito grande sobre Henrique, se considerado que a mesma não chegava nem perto do poder aquisitivo das empresas dele. Mas, enfim, seu pai era um homem de visão para negócio e a Munhoz com certeza tinha mais a oferecer do que ela imaginava.
Como todos os dias pareciam iguais na vida dela — com exceção do jovem prepotente —; ao entrar em casa, ela foi recebida por sua avó, que naquela noite, ao contrário dos outros dias, não parecia estar bem-disposta.— Olá querida, como foi a reunião? — Dona Tereza Forlan perguntou analisando a expressão cansada de sua neta.— Como todas as outras, vovó. — Selena respondeu jogando-se displicentemente sobre o sofá e, diante do cansaço expresso no rosto de sua avó, ela a questionou.— Como passou o dia vovó?— Bem — respondeu com voz cansada e pigarreou antes de comentar. — Você não me parece bem: você brigou novamente com seu pai?Selena meneou a cabeça com veemência e respondeu:— Está enganada vovó. Papai tem outros desafetos, além de sua filha primogênita. Atualmente Henrique coleciona mais inimigos do que aliados — observou lembrando-se novamente do jovem que ela quase atropelou.De onde estava Selena observou atentamente a figura fragilizada de sua avó e percebeu que ela estava com uma aparência péssima. Beirando aos oitenta anos, dona Tereza definhava a cada dia, mas, apesar da idade avançada e do abalo emocional da perda de sua filha — Margareth Navarro —, ela ainda mantinha a lucidez.— Henrique conseguiu se aliar a Munhoz? — Perguntou dona Tereza, mal disfarçando o interesse.— Não — Selena respondeu evasiva e prosseguiu. — A negociação não aconteceu exatamente como Henrique preverá. Daniel Barcellos foi mais esperto e com uma cartada apenas, ele neutralizou Henrique e Penélope. Não restou outra opção a eles, exceto, aceitar a derrota e os termos que lhes foram impostos — Selena relatou com um riso de satisfação no canto dos lábios.— Não é bom Selena, que você cultive esse tipo de sentimento por seu pai — num fio de voz, completou. — Já está mais do que na hora de você perdoá-lo.Séria, Selena a indagou. — Diga-me vovó: a senhora já o perdoou?O Embaraço de Tereza Forlan diante daquela pergunta era perceptível e um leve tremor saiu de seus lábios, quando ela replicou. — Admito que não seja fácil perdoar o que o seu pai nos fez: ele nos feriu muito, porém não cabe a nós julgá-lo e tão pouco alimentarmos ressentimentos que só nos causam mal — abatida, completou. — Selena, eu já não tenho mais idade e nem tão pouco tempo para cultivar esse tipo de sentimento.— Presumo então que a senhora o perdoou! — Selena insistiu calma.— Não — respondeu sinceramente e acrescentou. — Mas vou tentar perdoá-lo.— A senhora acredita realmente que conseguirá perdoar o homem que foi responsável pela morte da sua filha? O homem que roubou sua casa? O homem que condenou a própria filha a uma vida solitária em um internato, por longos oito anos? — Selena a questionou, impiedosa.Diante de tão duro questionamento, as mãos enrugadas de dona Tereza tremeram visivelmente e com a voz embargada pela emoção, viu-se obrigada a admitiu.— Você tem razão minha querida: não tenho o direito de exigir de você àquilo que não estou disposta a dar — fez uma pausa e acrescentou. — Pelo menos não nesse momento.Profundamente arrependida por submetê-la àquelas lembranças tão dolorosas, Selena a abraçou e com voz branda desculpou-se.— Perdoe-me vovó. Não é justo, eu jogar em cima da senhora minhas frustrações — ressentida, comentou. — Papai dará um jantar esta noite para celebrar o acordo firmado com a Munhoz, e mais uma vez não fui convidada.— Você queria ir a este jantar, Selena?— Não — confessou sinceramente. — O jantar não significa nada para mim, mas, confesso que a indiferença de Henrique me afeta. — Desolada, Selena perguntou. — Por que vovó?— Essa pergunta meu bem, só você poderá responder. — Tereza falou firme. — Talvez você não seja tão indiferente a seu pai quanto pensa. — Acrescentou, analisando a reação de Selena.Frente àquele comentário, Selena ensaiou um meio sorriso tímido; deu um beijo no rosto enrugado de sua avó e depois subiu para o seu quarto.Já em seu quarto, ela jogou a bolsa sobre a cama. Despiu-se. Parou diante do espelho. Tirou as botas de cano alto e contemplou com olhos tristes suas pernas.Selena tinha pernas torneadas e seriam perfeitas se não fosse pela cicatriz de uma queimadura horrível que tinha na perna direita, que vinha da panturrilha ao tornozelo.Frente àquela visão desoladora, uma lágrima solitária brotou de seus olhos ao relembrar o horror que passara. Como perdoar Henrique, se ela trazia no corpo as marcas da crueldade dele? Deixando de lado suas mágoas, ela tomou um banho rápido, arrumou-se de qualquer jeito, desceu e preparou-se para sentar-se à mesa, sozinha.— Vovó não jantará conosco? — Selena perguntou decepcionada ao ver a Sra. Gomez com uma bandeja, que provavelmente era o jantar de sua avó.— Sua avó está indisposta hoje — a senhora Gomez respondeu ríspida e acrescentou logo depois. — Se preza pelo bem-estar de sua avó, peço-lhe que não a atormente com seus problemas.— Escutando atrás da porta, senhora Gomez? — Selena observou em tom de censura.— Não tenho tempo a perder com mexericos. Se a senhorita prestasse mais atenção às pessoas a sua volta, ao invés de olhar apenas para o próprio umbigo, teria notado minha presença na sala. — Retrucou ofendida.Selena escutou a recriminação da senhora Gomes, pasma. E, devido à idade da dama de companhia de sua avó, ela decidiu relevar o atrevimento dela, porém a advertiu.— Espero que da próxima vez a senhora meça suas palavras quando falar comigo. Eu posso não ser tão tolerante quanto agora.— Se fui atrevida é por que prezo muito pela saúde de sua avó — justificou-se contrariada. — Asseguro-lhe que tal comportamento não tornará a repetir-se.Esquecida da advertência inicial, Selena perguntou, mesmo sabendo qual seria a resposta da senhora Gomez.— Junta-se a mim no jantar?— Farei minhas refeições com sua avó — respondeu seca.— Diga a minha avó que após o jantar me juntarei a ela. — Selena pediu deprimida.Como era de praxe, Selena sentou-se à mesa sozinha. Fez sua refeição mecanicamente sem deter-se no que fora posto à mesa, e vez ou outra, ela fixava seu olhar no vazio ou então nas poltronas vazias que rodeavam a imensa mesa de carvalho. Uma solidão momentânea a invadiu assustadoramente e por um minuto desejou ter alguém ao seu lado com quem pudesse compartilhar as pequenas coisas do dia a dia; alguém para arrancá-la daquele estado de apatia angustiante; alguém para tirá-la daquele marasmo que era sua vida. Mas ela — Selena Navarro — não tinha ninguém e provavelmente nunca teria. Embora a solidão nos últimos tempos fosse sua fiel companheira; ela já tivera alguns namorados. No entanto seus relacionamentos não foram duradouros. Tão logo os rapazes com quem se envolvera tomavam conhecimento da cicatriz na perna dela tratavam logo de dar o fora. Selena era uma mulher marcada. Uma mulher predestinada à solidão, e Henrique Navarro era o grande responsável por tudo de ruim que acontecera na vida dela.Depois do jantar solitário, Selena foi procurar sua avó como havia prometido — aqueles momentos eram sagrados para ambas. Era o momento em que elas se reuniam como família, já que dona Thereza era de fato a única família que Selena tinha. Seu pai era uma história a parte a qual ela não poderia contar. Era apenas uma peça ornamental na vida dela, sem nenhuma serventia para ela.A entrada de Selena no quarto de sua avó chamou a atenção de dona Thereza e nesse momento o olhar da velha senhora pousou sobre as roupas inadequadas de sua neta, que parecia está vestida para caminhar.Diante daquela visão desleixada, ela perguntou-lhe bem-humorada, sem deixar transparecer sua desaprovação.— Vai fazer caminhada, Selena? — Estou tão ruim assim, vovó? — Selena perguntou divertida.— Você há de convir Selena, que seus trajes não são adequados para um jantar. — Dona Tereza respondeu analisando-a.— Não se preocupe vovó, naquela mesa não havia ninguém para se escandalizar com minhas roupas. Eu est
De volta ao seu quarto, ela ligou o computador. Tentou apagar de sua mente o desaforamento daquele desconhecido insolente, parte da conversa que teve com sua avó e, concentrou-se no relatório que teria que entregar para Henrique no dia seguinte.Mesmo a concentração de Selena estando a milhas de distância dela; ela conseguiu arrastá-la de volta na base da força e, quando terminou o relatório, já foi basicamente caindo na cama, para acordar no dia seguinte com uma terrível indisposição e um mal-humor do tamanho da tromba de um elefante.Mas, mesmo indisposta, ela pulou da cama, fez sua toalete, tomou o café da manhã apressada e a seguir pegou o carro e dirigiu-se para a fábrica.Assim que ela chegou na empresa para mais um expediente, Henrique e Penélope apareceram na fábrica e, ao vê-la, ele foi logo cobrando-lhe o relatório.— Você já preparou os relatórios que pedi-lhe? – Henrique perguntou com cara de poucos amigos.— Já os encaminhei para a sua sala, “papai querido!” — Ela respond
Mesmo diante dos despautérios que teve de ouvir do empregado dos Munhoz, àquela situação parecia irrelevante diante do comentário cheio de possíveis interpretações de Henrique a respeito das ações de sua avó, que a deixou extremamente desconfiada de que ele estava tramando alguma coisa para tirá-las de dona Tereza, e isso ficou claro no momento em que ele pôs em dúvida a participação dela na empresa. Era como se ele quisesse dizer em poucas linhas, que não adiantava nada ela brigar ou espernear, que no final ela não iria herdar nada, e isso já era algo sacramentado para ele.Àquela conversa no mínimo estranha rodopiou em sua mente durante todo o dia, e algumas vezes a deixava tonta e dispersa. E foi nesse estado de desconfiança e conjecturas que ela chegou em casa, depois de um extenuante dia de trabalho. Olhar para sua avó tão frágil e cansada a espera dela, a fez esquecer momentaneamente de suas angústias e apreensões. E, caminhando em direção a ela, Selena beijou-lhe os cabelos pl
A sensação angustiante que Selena sentiu na noite anterior persistiu na manhã seguinte e ela acordou com a nítida impressão de que aquele dia não iria terminar bem e, de todas as possíveis possibilidades, a certeza de que Henrique tinha algo a ver com o estado de apreensão dela era grande demais.Assim que pulou da cama ela foi diretamente para o banheiro, e depois de banhar-se e arrumar-se, ela dirigiu-se para o quarto de sua avó, que aquela hora já deveria estar acordada.Mas ao contrário do que Selena pensou, dona Tereza permanecia enrolada nas cobertas quentinhas; o que era no mínimo estranho já que a senhora Forlan não era o tipo de pessoa de dormir até tarde.Temerosa em acordá-la, ela aproximou-se silenciosamente da cama e nesse momento a angústia em seu peito veio com força redobrada ao perceber a inércia e o rosto terrivelmente pálido dela.Controlando o tremor que naquele momento apoderou-se do corpo dela, Selena a sacudiu gentilmente e constatou o que ela recusava-se em ace
Superar a perda de dona Tereza não estava sendo nada fácil, contudo Selena estava esforçando-se para atravessar aquela fase difícil na medida do possível. Ela sabia que ainda tinha um longo processo de aceitação pela frente, mas com o tempo tudo iria se ajeitar — pelo menos era aquilo que ela acreditava. Dois dias depois do sepultamento de sua avó, Selena foi surpreendida pela visita inesperada do advogado das Empresas Navarro, o que deu-lhe certa apreensão e, naquele momento as palavras de Henrique a respeito das ações de sua avó; voltaram com força total sobre ela.Deixando a apreensão e a surpresa de lado, ela o convidou para sentar-se e observou a seguir.— O que o trás até minha casa, senhor Alvarez! Confesso que não esperava encontrá-lo aqui?!— Infelizmente senhorita Navarro estou aqui a mando de seu pai.Observou para desconforto de Selena, que naquele instante viu-se invadida por um tumulto interior.Se não bastante a estranha observação dele, o ar de tensão no semblante do
Depois de deixar a casa que antes fora de sua avó, Selena mudou-se para uma pequena pensão em um bairro modesto de Barcelona, enquanto procurava moradia que coubesse dentro de seu novo orçamento.Com a saída dela das Empresas Navarro, a situação financeira de Selena sofreu um grande abalo e ela esperava então a rescisão do contrato dela para poder dar continuidade a procura de uma moradia — que com certeza não estaria de acordo com os padrões que ela estava acostumada. Mas, como para Selena tudo ainda era incerto, desde que conseguisse ter seu próprio espaço, já seria lucro para ela.Embora no momento estivesse vivendo a pior fase de sua vida, Selena tinha esperança de que as coisas começassem a entrar nos trilhos novamente, e algo dentro de si dizia-lhe que Daniel Barcellos era o protagonista dessa nova fase, se levado em conta o convite dele para almoçar, que certamente não foi à toa.E foi nesse clima de incertas e expectativas que ela chegou ao restaurante.— Obrigado por aceitar
Em pé, ao lado da janela envidraçada, Thiago Barcellos olhava do terceiro andar da empresa Munhoz Computer para o centro da cidade, sem nada ver. Todos os seus sentidos estavam em alertas. A discussão de seu pai — Daniel Barcellos —, com seu sogro, Rui Munhoz, estava acirrada. Nenhum dos dois estava disposto a dar o braço a torcer. Cada qual do seu jeito queria provar que era o dono da razão. À primeira vista àquela discussão não daria em nada. Seu pai era turrão quando lhe convinha, de modo que nada do que o senhor Munhoz dissesse iria mudar a opinião de Daniel Barcellos. Ele estava simplesmente determinado a usar sua influência na empresa para infiltrar a intragável da Selena Navarro, nas empresas de seu sogro.Aos olhos de Thiago aquela discussão parecia infantilidade ou implicância de seu pai, pelo fato de eles terem-se aliado com Henrique Navarro. Uma aliança que certamente os colocaria numa posição privilegiada frente ao mercado da informática, se o canalha do Henrique não tive
Selena acordou na manhã seguinte bem revigorada e com a certeza de que, a proposta de trabalho de Daniel trouxe-lhe um novo ardor para sua alma. E foi nesse clima de recomeço que após o banho e o café da manhã, Selena pegou o carro e saiu animada em direção a empresa Munhoz.Por estar morando afastada do centro da cidade, Selena gastou alguns minutos a mais para chegar na Munhoz Computer. Mas, como pontualidade era uma de suas características, ela chegou consideravelmente cedo para o seu primeiro dia de trabalho.Após identificar-se na portaria ela foi conduzida para a sala de Daniel Barcellos que a recebeu calorosamente e, após o cumprimento de ambas as partes, ele a informou.— Como você vai trabalhar diretamente com o meu filho, ele faz questão de acompanhá-la até a fábrica. Tudo bem para você? — Perguntou sorridente. Antes de Selena esboçar qualquer comentário, Thiago entrou na sala como um furação e sem dar-se conta da presença dela, perguntou a Daniel.— A senhorita arrogânci