Capítulo 3

Apesar da discussão calorosa com o jovem ogro e bonitão; Selena retornou para sua casa mais aliviada, por saber que não foi daquela vez que seu pai conseguiu derrubar a Munhoz. E, se dependesse dela, ele não a teria. Por alguma razão, aquela pequena empresa exercia um fascínio muito grande sobre Henrique, se considerado que a mesma não chegava nem perto do poder aquisitivo das empresas dele. Mas, enfim, seu pai era um homem de visão para negócio e a Munhoz com certeza tinha mais a oferecer do que ela imaginava.

Como todos os dias pareciam iguais na vida dela — com exceção do jovem prepotente —; ao entrar em casa, ela foi recebida por sua avó, que naquela noite, ao contrário dos outros dias, não parecia estar bem-disposta.

— Olá querida, como foi a reunião? — Dona Tereza Forlan perguntou analisando a expressão cansada de sua neta.

— Como todas as outras, vovó. — Selena respondeu jogando-se displicentemente sobre o sofá e, diante do cansaço expresso no rosto de sua avó, ela a questionou.

— Como passou o dia vovó?

— Bem — respondeu com voz cansada e pigarreou antes de comentar. — Você não me parece bem: você brigou novamente com seu pai?

Selena meneou a cabeça com veemência e respondeu:

— Está enganada vovó. Papai tem outros desafetos, além de sua filha primogênita. Atualmente Henrique coleciona mais inimigos do que aliados — observou lembrando-se novamente do jovem que ela quase atropelou.

De onde estava Selena observou atentamente a figura fragilizada de sua avó e percebeu que ela estava com uma aparência péssima. Beirando aos oitenta anos, dona Tereza definhava a cada dia, mas, apesar da idade avançada e do abalo emocional da perda de sua filha — Margareth Navarro —, ela ainda mantinha a lucidez.

— Henrique conseguiu se aliar a Munhoz? — Perguntou dona Tereza, mal disfarçando o interesse.

— Não — Selena respondeu evasiva e prosseguiu. — A negociação não aconteceu exatamente como Henrique preverá. Daniel Barcellos foi mais esperto e com uma cartada apenas, ele neutralizou Henrique e Penélope. Não restou outra opção a eles, exceto, aceitar a derrota e os termos que lhes foram impostos — Selena relatou com um riso de satisfação no canto dos lábios.

— Não é bom Selena, que você cultive esse tipo de sentimento por seu pai — num fio de voz, completou. — Já está mais do que na hora de você perdoá-lo.

Séria, Selena a indagou. 

— Diga-me vovó: a senhora já o perdoou?

O Embaraço de Tereza Forlan diante daquela pergunta era perceptível e um leve tremor saiu de seus lábios, quando ela replicou. 

— Admito que não seja fácil perdoar o que o seu pai nos fez: ele nos feriu muito, porém não cabe a nós julgá-lo e tão pouco alimentarmos ressentimentos que só nos causam mal — abatida, completou. — Selena, eu já não tenho mais idade e nem tão pouco tempo para cultivar esse tipo de sentimento.

— Presumo então que a senhora o perdoou! — Selena insistiu calma.

— Não — respondeu sinceramente e acrescentou. — Mas vou tentar perdoá-lo.

— A senhora acredita realmente que conseguirá perdoar o homem que foi responsável pela morte da sua filha? O homem que roubou sua casa? O homem que condenou a própria filha a uma vida solitária em um internato, por longos oito anos? — Selena a questionou, impiedosa.

Diante de tão duro questionamento, as mãos enrugadas de dona Tereza tremeram visivelmente e com a voz embargada pela emoção, viu-se obrigada a admitiu.

— Você tem razão minha querida: não tenho o direito de exigir de você àquilo que não estou disposta a dar — fez uma pausa e acrescentou. — Pelo menos não nesse momento.

Profundamente arrependida por submetê-la àquelas lembranças tão dolorosas, Selena a abraçou e com voz branda desculpou-se.

— Perdoe-me vovó. Não é justo, eu jogar em cima da senhora minhas frustrações — ressentida, comentou. — Papai dará um jantar esta noite para celebrar o acordo firmado com a Munhoz, e mais uma vez não fui convidada.

— Você queria ir a este jantar, Selena?

— Não — confessou sinceramente. — O jantar não significa nada para mim, mas, confesso que a indiferença de Henrique me afeta. — Desolada, Selena perguntou. — Por que vovó?

— Essa pergunta meu bem, só você poderá responder. — Tereza falou firme. — Talvez você não seja tão indiferente a seu pai quanto pensa. — Acrescentou, analisando a reação de Selena.

Frente àquele comentário, Selena ensaiou um meio sorriso tímido; deu um beijo no rosto enrugado de sua avó e depois subiu para o seu quarto.

Já em seu quarto, ela jogou a bolsa sobre a cama. Despiu-se. Parou diante do espelho. Tirou as botas de cano alto e contemplou com olhos tristes suas pernas.

Selena tinha pernas torneadas e seriam perfeitas se não fosse pela cicatriz de uma queimadura horrível que tinha na perna direita, que vinha da panturrilha ao tornozelo.

Frente àquela visão desoladora, uma lágrima solitária brotou de seus olhos ao relembrar o horror que passara. Como perdoar Henrique, se ela trazia no corpo as marcas da crueldade dele? 

Deixando de lado suas mágoas, ela tomou um banho rápido, arrumou-se de qualquer jeito, desceu e preparou-se para sentar-se à mesa, sozinha.

— Vovó não jantará conosco? — Selena perguntou decepcionada ao ver a Sra. Gomez com uma bandeja, que provavelmente era o jantar de sua avó.

— Sua avó está indisposta hoje — a senhora Gomez respondeu ríspida e acrescentou logo depois. — Se preza pelo bem-estar de sua avó, peço-lhe que não a atormente com seus problemas.

— Escutando atrás da porta, senhora Gomez? — Selena observou em tom de censura.

— Não tenho tempo a perder com mexericos. Se a senhorita prestasse mais atenção às pessoas a sua volta, ao invés de olhar apenas para o próprio umbigo, teria notado minha presença na sala. — Retrucou ofendida.

Selena escutou a recriminação da senhora Gomes, pasma. E, devido à idade da dama de companhia de sua avó, ela decidiu relevar o atrevimento dela, porém a advertiu.

— Espero que da próxima vez a senhora meça suas palavras quando falar comigo. Eu posso não ser tão tolerante quanto agora.

— Se fui atrevida é por que prezo muito pela saúde de sua avó — justificou-se contrariada. — Asseguro-lhe que tal comportamento não tornará a repetir-se.

Esquecida da advertência inicial, Selena perguntou, mesmo sabendo qual seria a resposta da senhora Gomez.

— Junta-se a mim no jantar?

— Farei minhas refeições com sua avó — respondeu seca.

— Diga a minha avó que após o jantar me juntarei a ela. — Selena pediu deprimida.

Como era de praxe, Selena sentou-se à mesa sozinha. Fez sua refeição mecanicamente sem deter-se no que fora posto à mesa, e vez ou outra, ela fixava seu olhar no vazio ou então nas poltronas vazias que rodeavam a imensa mesa de carvalho. Uma solidão momentânea a invadiu assustadoramente e por um minuto desejou ter alguém ao seu lado com quem pudesse compartilhar as pequenas coisas do dia a dia; alguém para arrancá-la daquele estado de apatia angustiante; alguém para tirá-la daquele marasmo que era sua vida. Mas ela — Selena Navarro — não tinha ninguém e provavelmente nunca teria. 

Embora a solidão nos últimos tempos fosse sua fiel companheira; ela já tivera alguns namorados. No entanto seus relacionamentos não foram duradouros. Tão logo os rapazes com quem se envolvera tomavam conhecimento da cicatriz na perna dela tratavam logo de dar o fora. Selena era uma mulher marcada. Uma mulher predestinada à solidão, e Henrique Navarro era o grande responsável por tudo de ruim que acontecera na vida dela.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo