De volta ao seu quarto, ela ligou o computador. Tentou apagar de sua mente o desaforamento daquele desconhecido insolente, parte da conversa que teve com sua avó e, concentrou-se no relatório que teria que entregar para Henrique no dia seguinte.
Mesmo a concentração de Selena estando a milhas de distância dela; ela conseguiu arrastá-la de volta na base da força e, quando terminou o relatório, já foi basicamente caindo na cama, para acordar no dia seguinte com uma terrível indisposição e um mal-humor do tamanho da tromba de um elefante.Mas, mesmo indisposta, ela pulou da cama, fez sua toalete, tomou o café da manhã apressada e a seguir pegou o carro e dirigiu-se para a fábrica.Assim que ela chegou na empresa para mais um expediente, Henrique e Penélope apareceram na fábrica e, ao vê-la, ele foi logo cobrando-lhe o relatório.— Você já preparou os relatórios que pedi-lhe? – Henrique perguntou com cara de poucos amigos.— Já os encaminhei para a sua sala, “papai querido!” — Ela respondeu com um tom de ironia na voz. — Será que pelo menos uma vez na vida, você é capaz de responder ao seu pai sem ironias? — Henrique falou visivelmente alterado.— Sinto muito, mas foi mais forte do que eu. — Selena falou impassível.Henrique a encarou severo e como se um flashback passasse diante dele; ele pôde ver claramente nos olhos cinza de sua filha, que ela não iria deixar por menos todo mal que ele causou-lhe. Por um momento, Henrique mergulhou nas profundezas daqueles olhos e viu expresso neles a rebeldia de Margareth Navarro, assim como sua sede de vingança. A semelhança entre ambas era imensa, a ponto de algumas vezes Henrique achar estar na presença de Margareth. Talvez esse pequeno detalhe o distanciasse de Selena, pois não era fácil encarar sua filha sem ignorar os erros que cometera no passado. Não podia culpar Selena por odiá-lo tanto. Inconsequentemente, ele fora responsável pela morte da mãe dela, e, deliberadamente, mantivera Selena num internato por anos, longe de todos e, principalmente dele. Sua filha tinha todos os motivos para despreza-lo, mas isso não significava que ele fosse tolerar as ironias dela.— Se não consegue respeitar-me como pai; respeite-me pelo menos como seu patrão. — Henrique retrucou seco.— Uma pequena correção: acionista!— As ações só serão suas quando sua avó morrer. — Henrique a informou irritado. — Isso se até lá sua avó ainda as tiver. — Acrescentou enigmático.— O que quer dizer com isso?! — Selena o interrogou apreensiva.Após um breve silêncio que para ela transformou-se em uma eternidade, ele respondeu.— Pergunte a sua avó.— Se alguém aqui deve-me alguma explicação, esse alguém é o senhor que levantou este questionamento, por tanto trate logo de esclarecer-me este assunto.— Por que devo esclarecer-lhe alguma coisa? Já que considera-se tão esperta quando o assunto é puxar o meu tapete, já deveria saber do que refiro-me. — Disse ele com certo prazer na voz. — Mas, caso eu não tenha sido claro contigo; digo-lhe que você não perde por esperar: é questão de tempo para os teus míseros cinco por cento estarem na minha mão, juntamente com tudo o que deverias herdar da tua avó.Depois de dizer àquelas palavras, ele a deixou imediatamente sem dar a ela a chance do revide; de modo que Selena teve que engolir a seco sua vontade de descobrir a procedência daquelas insinuações cheias de duplicidades. Aquela referência no mínimo estranha a deixou num estado de nervos terrível, de maneira que àquelas palavras martelaram na cabeça dela durante todo dia, e, ela teria que ser bastante discreta se quisesse arrancar alguma informação a respeito do assunto com a avó dela.Dona Tereza estava muito fragilizada e ela temia que aquele assunto desagradável de alguma forma a prejudicasse e, se isso acontecesse, ela nunca iria se perdoar. Por outro lado, Selena tinha certeza de que, talvez, não aguentasse guardar só para si àquela dúvida. Tinha muita coisa envolvida naquele jogo de palavras e ela não iria permitir que Henrique e Penélope levassem a melhor às custas dela.Como aparentemente se esbarrar no funcionário do senhor Munhoz fazia parte de sua rotina; mais uma vez ela teve o desprazer de encarar àqueles olhos terrivelmente verde, que naquele momento resolveu tirá-la para boba da corte: dado o comentário zombeteiro dele, ao ir ao encontro dela.— Ora, ora! Se não é a viúva Negra mais uma vez cruzando o meu caminho!— Cuidado, querido, que a viúva Negra pode aniquila-lo com apenas um ferrão. — Ela revidou sarcástica.— Pelo jeito que andas perseguindo-me é bem provável que queiras cair na minha teia. — Disse ele cinicamente e completou. — Só que, se isso acontecer, eu arranco o teu ferrão antes mesmo que possas imaginar.A referência dele à viúva Negra era por conta de ela vestir-se apenas de preto, de modo que ela descobriu tempos depois que, ela ganhara aquele apelido entre os funcionários, não apenas por causa de suas vestimentas, mas também devido a rigidez com que conduzia os funcionários da fábrica, onde ela era engenharia de produção.— Vá sonhando, querido. Afinal de contas, eu não ganhei esse apelido à toa. — Disse ela sem perceber que ele iria interpretar erroneamente as palavras dela.— Estás querendo convencer-me de que és uma mulher fatal? Apesar desse rosto bonito e desse corpo delgado, você não parece-me fazer jus ao teu apelido; se não qual o motivo para estar tanto tempo sozinha? — Observou a queima-roupa para indignação dela.— Só mesmo um pervertido como você, para elevar esse assunto a este nível. — Retrucou indignada. — Deverias informar-se mais sobre o apelido antes de tirar conclusões precipitadas a meu respeito.Diante da fúria estampada no rosto dela; ele deu-se conta de que tinha levado aquele assunto para o lado sexual e, que, provavelmente, ela fosse uma futura candidata para ser uma solteirona — apesar de ela ser uma mulher extremamente bonita.Selena Navarro tinha uma beleza singular e traços delicados. Ela era alta e esguia; tinha pele clara, cabelos longos e negros; olhos cinzas claríssimos e, pela calça moletom que ela usou na noite anterior, ele percebeu que ela tinha pernas grossas. Porém, mesmo diante de tanta beleza, ela não poderia parecer atraente aos olhos dele e, o motivo era apenas um: ela era uma Navarro — filha de Henrique e Penélope —, e como tal deveria ser destruída e não cobiçada.Mesmo sabendo que não deveria dar trela para a filha da mulher que o humilhou diante de toda a diretoria dos Munhoz e dos Navarro, ele viu-se obrigado a reconhecer que se excedeu em seu julgamento e disse polidamente.— Desculpe se interpretei mal tuas palavras. Só queria deixar claro que não há nenhuma possibilidade de eu cair na tua teia “viúva Negra”.— Quanto a isso não precisa preocupar-se: sou muito seletiva quando o assunto é homem e, definitivamente, você não se enquadra no meu perfil. — Observou para não se sair por baixo.Sem dar a ele a chance de revidar, ela entrou em seu carro e seguiu direto para a mansão de sua avó, com mais um problema para completar a sua cota: como por exemplo, livrar-se daquele homem que estava mexendo com as estruturas dela.
Mesmo diante dos despautérios que teve de ouvir do empregado dos Munhoz, àquela situação parecia irrelevante diante do comentário cheio de possíveis interpretações de Henrique a respeito das ações de sua avó, que a deixou extremamente desconfiada de que ele estava tramando alguma coisa para tirá-las de dona Tereza, e isso ficou claro no momento em que ele pôs em dúvida a participação dela na empresa. Era como se ele quisesse dizer em poucas linhas, que não adiantava nada ela brigar ou espernear, que no final ela não iria herdar nada, e isso já era algo sacramentado para ele.Àquela conversa no mínimo estranha rodopiou em sua mente durante todo o dia, e algumas vezes a deixava tonta e dispersa. E foi nesse estado de desconfiança e conjecturas que ela chegou em casa, depois de um extenuante dia de trabalho. Olhar para sua avó tão frágil e cansada a espera dela, a fez esquecer momentaneamente de suas angústias e apreensões. E, caminhando em direção a ela, Selena beijou-lhe os cabelos pl
A sensação angustiante que Selena sentiu na noite anterior persistiu na manhã seguinte e ela acordou com a nítida impressão de que aquele dia não iria terminar bem e, de todas as possíveis possibilidades, a certeza de que Henrique tinha algo a ver com o estado de apreensão dela era grande demais.Assim que pulou da cama ela foi diretamente para o banheiro, e depois de banhar-se e arrumar-se, ela dirigiu-se para o quarto de sua avó, que aquela hora já deveria estar acordada.Mas ao contrário do que Selena pensou, dona Tereza permanecia enrolada nas cobertas quentinhas; o que era no mínimo estranho já que a senhora Forlan não era o tipo de pessoa de dormir até tarde.Temerosa em acordá-la, ela aproximou-se silenciosamente da cama e nesse momento a angústia em seu peito veio com força redobrada ao perceber a inércia e o rosto terrivelmente pálido dela.Controlando o tremor que naquele momento apoderou-se do corpo dela, Selena a sacudiu gentilmente e constatou o que ela recusava-se em ace
Superar a perda de dona Tereza não estava sendo nada fácil, contudo Selena estava esforçando-se para atravessar aquela fase difícil na medida do possível. Ela sabia que ainda tinha um longo processo de aceitação pela frente, mas com o tempo tudo iria se ajeitar — pelo menos era aquilo que ela acreditava. Dois dias depois do sepultamento de sua avó, Selena foi surpreendida pela visita inesperada do advogado das Empresas Navarro, o que deu-lhe certa apreensão e, naquele momento as palavras de Henrique a respeito das ações de sua avó; voltaram com força total sobre ela.Deixando a apreensão e a surpresa de lado, ela o convidou para sentar-se e observou a seguir.— O que o trás até minha casa, senhor Alvarez! Confesso que não esperava encontrá-lo aqui?!— Infelizmente senhorita Navarro estou aqui a mando de seu pai.Observou para desconforto de Selena, que naquele instante viu-se invadida por um tumulto interior.Se não bastante a estranha observação dele, o ar de tensão no semblante do
Depois de deixar a casa que antes fora de sua avó, Selena mudou-se para uma pequena pensão em um bairro modesto de Barcelona, enquanto procurava moradia que coubesse dentro de seu novo orçamento.Com a saída dela das Empresas Navarro, a situação financeira de Selena sofreu um grande abalo e ela esperava então a rescisão do contrato dela para poder dar continuidade a procura de uma moradia — que com certeza não estaria de acordo com os padrões que ela estava acostumada. Mas, como para Selena tudo ainda era incerto, desde que conseguisse ter seu próprio espaço, já seria lucro para ela.Embora no momento estivesse vivendo a pior fase de sua vida, Selena tinha esperança de que as coisas começassem a entrar nos trilhos novamente, e algo dentro de si dizia-lhe que Daniel Barcellos era o protagonista dessa nova fase, se levado em conta o convite dele para almoçar, que certamente não foi à toa.E foi nesse clima de incertas e expectativas que ela chegou ao restaurante.— Obrigado por aceitar
Em pé, ao lado da janela envidraçada, Thiago Barcellos olhava do terceiro andar da empresa Munhoz Computer para o centro da cidade, sem nada ver. Todos os seus sentidos estavam em alertas. A discussão de seu pai — Daniel Barcellos —, com seu sogro, Rui Munhoz, estava acirrada. Nenhum dos dois estava disposto a dar o braço a torcer. Cada qual do seu jeito queria provar que era o dono da razão. À primeira vista àquela discussão não daria em nada. Seu pai era turrão quando lhe convinha, de modo que nada do que o senhor Munhoz dissesse iria mudar a opinião de Daniel Barcellos. Ele estava simplesmente determinado a usar sua influência na empresa para infiltrar a intragável da Selena Navarro, nas empresas de seu sogro.Aos olhos de Thiago aquela discussão parecia infantilidade ou implicância de seu pai, pelo fato de eles terem-se aliado com Henrique Navarro. Uma aliança que certamente os colocaria numa posição privilegiada frente ao mercado da informática, se o canalha do Henrique não tive
Selena acordou na manhã seguinte bem revigorada e com a certeza de que, a proposta de trabalho de Daniel trouxe-lhe um novo ardor para sua alma. E foi nesse clima de recomeço que após o banho e o café da manhã, Selena pegou o carro e saiu animada em direção a empresa Munhoz.Por estar morando afastada do centro da cidade, Selena gastou alguns minutos a mais para chegar na Munhoz Computer. Mas, como pontualidade era uma de suas características, ela chegou consideravelmente cedo para o seu primeiro dia de trabalho.Após identificar-se na portaria ela foi conduzida para a sala de Daniel Barcellos que a recebeu calorosamente e, após o cumprimento de ambas as partes, ele a informou.— Como você vai trabalhar diretamente com o meu filho, ele faz questão de acompanhá-la até a fábrica. Tudo bem para você? — Perguntou sorridente. Antes de Selena esboçar qualquer comentário, Thiago entrou na sala como um furação e sem dar-se conta da presença dela, perguntou a Daniel.— A senhorita arrogânci
Embora soubesse que estava metendo os pés pelas mãos, Selena seguiu firme com sua decisão de deixar a Munhoz Computer para sempre. Ela não era mulher de submeter-se aos desmandos de um homem, e, se, Thiago ainda não tinha-se dado conta desse detalhe, ela faria questão de mostrar a ele que ainda não tinha nascido o homem que a faria rastejar.Com esse firme propósito enraizado em sua mente, ela andou o mais rápido possível, até chegar ao escritório de Daniel; ciente de que Thiago vinha furioso no encalço dela, pronto para fazê-la pagar o desaforamento dela, na mesma moeda.Tão logo adentrou na sala do senhor Barcellos, ela disse num fôlego só, temerosa de que as palavras fugissem antes de ela as professar.— Agradeço muito a oportunidade e a confiança que depositou em mim, senhor Barcellos, porém não posso aceitar o emprego. Como já era de se esperar, antes mesmo de ela ter tempo de justificar a sua recusa, Thiago entrou na sala de Rui Munhoz como um furação, acusando-a terrivelmente
Depois da intransigência de Thiago com Selena, coube a Daniel a incumbência de mostrar as dependências da empresa para ela, que, apesar de ter assumido sua postura costumeira, e escondido suas emoções em meio a uma couraça de indiferença, por dentro estava em frangalhos e amaldiçoando silenciosamente o inconsequente e desagradável, Thiago Barcellos.Após eles percorrerem toda a empresa e Daniel mostrar-lhe todo o funcionamento da fábrica, ele a conduziu ao setor de trabalho dela e a apresentou aos seus colaboradores que ficariam sob a supervisão dela, por tempo indeterminado.— Chefe! O Sr. Thiago foi transferido para outro setor? — Um dos funcionários o questionou surpreso, após as apresentações.— Como vocês devem saber, a Munhoz pegou uma grade cota de serviço, o que estar exigindo muito de Thiago e o deixou sobrecarregado de trabalho; de maneira que tivemos que contratar uma auxiliar para o ajudar no andamento da fábrica e da produção e, de agora em diante, na ausência do Thiago,