Capítulo 6

Mesmo diante dos despautérios que teve de ouvir do empregado dos Munhoz, àquela situação parecia irrelevante diante do comentário cheio de possíveis interpretações de Henrique a respeito das ações de sua avó, que a deixou extremamente desconfiada de que ele estava tramando alguma coisa para tirá-las de dona Tereza, e isso ficou claro no momento em que ele pôs em dúvida a participação dela na empresa. Era como se ele quisesse dizer em poucas linhas, que não adiantava nada ela brigar ou espernear, que no final ela não iria herdar nada, e isso já era algo sacramentado para ele.

Àquela conversa no mínimo estranha rodopiou em sua mente durante todo o dia, e algumas vezes a deixava tonta e dispersa. E foi nesse estado de desconfiança e conjecturas que ela chegou em casa, depois de um extenuante dia de trabalho. 

Olhar para sua avó tão frágil e cansada a espera dela, a fez esquecer momentaneamente de suas angústias e apreensões. E, caminhando em direção a ela, Selena beijou-lhe os cabelos platinados, que o tempo se encarregou de tingir. 

— Chegou cedo, minha querida. — Tereza Forlan falou com voz cansada.

— Por sorte, hoje não aconteceu nenhum contratempo que me prendesse na fábrica — respondeu e logo depois perguntou, analisando as feições de sua avó. — Está tudo bem, vovó? A senhora parece-me mais cansada do que antes.

— Engano seu, Selena: estou sentindo-me muito bem. — Dona Tereza respondeu forçando um sorriso.

— Que bom vovó! — Selena falou aliviada.

Após constatar que o seu medo de perdê-la estava deixando-a paranoica, ela deu-lhe um sorriso, e logo depois subiu para o quarto com as palavras de seu pai mais uma vez martelando em sua cabeça.

De todas as possíveis possibilidades, a que mais se encaixava no caso de Henrique era de ele estar mais uma vez pressionando sua avó para vender as ações. Os cinco por cento que dona Tereza detinha era tudo o que restava do patrimônio da família, pois o seu esposo — Frederico Forlan — jogou ao vento o trabalho de uma descendência inteira. Pouco a pouco, ele destruiu a fortuna da família, restando apenas algumas ações que foram transferidas para Margareth Forlan e para dona Tereza. 

Quando Henrique casou-se com Margareth, se incumbiu de roubar a parte que pertencia a ela e Selena; restando apenas algumas miseras ações no nome de sua avó. Frederico Forlan deixou sua esposa numa situação desagradável e, se ela perdesse o pouco que tinha, elas estavam perdidas.

“Não posso permitir que Henrique ponha as mãos nas ações.” Selena pensou decidida.           

Diferentemente das noites anteriores; naquela, sua avó brindou Selena com a companhia dela para o jantar, sinalizando mais uma vez que, ao contrário do que a sua neta pensava, ela estava bem e disposta. E para não estragar o clima agradável daquele momento sagrado, Selena não comentou sobre a conversa com Henrique. Esperaria terminar a refeição para só então abordar o assunto que tanto a estava afligindo.

Mas, como se pressentisse que, após o jantar fosse abordado algo desagradável, assim que a refeição terminou dona Tereza retirou-se, não dando a Selena a oportunidade de levantar àquela questão.

Mesmo consciente de que o ideal seria poupar sua avó de mais aquele aborrecimento, Selena não conseguiu conter-se e minutos depois ela entrou no quarto de sua avó.

Assim que Tereza a viu entrar, foi logo observando.

— Desde que chegou em casa, percebo que você está tensa. O que está acontecendo, Selena? Seja lá o que tem a dizer-me, estou preparada para ouvir. — Ela observou com uma ruga de preocupação.

— Hoje Henrique disse-me uma coisa que deixou-me intrigada. — Selena falou apreensiva e prosseguiu. — Papai deu a entender que eu não herdaria suas ações. — Cautelosa, pediu. — Seja sincera comigo, vovó: há algum fundamento nas palavras dele?

A inquietação no semblante de sua avó diante do questionamento dela era perceptível; o que reforçou nela a certeza de que, alguma peça daquela história não estava se encaixando direito e o nervosismo de sua avó, só veio confirmar suas suspeitas.

Se não bastasse a quase certeza de ter um fundo de verdade nas palavras de seu pai, o excesso de silêncio de dona Tereza não ajudava em nada, e diante daquela ausência de palavras, Selena perguntou aflita.

— Vovó, a senhora está bem?

— Como poderia estar minha, querida, se seu pai não para de importuna-la. — Disse revoltada e depois de refazer-se do peso daquelas palavras, pediu mais controlada. — Não dê ouvidos ao que seu pai diz, Selena: é claro que ele está tentando desestabiliza-la.

Ver a revoltada no olhar de sua avó, depois de ouvi-la questionar a respeito da procedência das palavras de Henrique deu-lhe certo alívio e naquele momento a tensão sobre ela diminuiu. Contudo a situação não permitia-lhe relaxar e mais do que nunca ela precisava estar atenta, caso ele tentasse manipular Tereza.

Frente à certeza de que não foi daquela vez que seu pai conseguiu o que almejava ela disse mais relaxada.

— Que alivio vovó! A senhora não sabe o peso que tirou das minhas costas.

— O que levou a escória do teu pai a atormentá-la desse jeito? — Ela a questionou revoltada, desconfiada de que, talvez, Selena o tenha confrontado mais uma vez.

— Confesso que mais uma vez eu o afrontei. — Selena disse envergonhada. — Fiz questão de lembrá-lo que eu também era acionista, e foi quando ele jogou na minha cara que eu só herdaria as suas ações após...

Diante da hesitação dela, sua avó completou inabalável. — Minha morte... Você há de convir minha neta, que seu pai não falou nada do que você já não soubesse.

— Até aí tudo bem vovó. Mas, logo depois, ele insinuou que a senhora não poderia ter as ações até lá. — Apreensiva, perguntou. — Henrique está pressionando-a a vender as suas ações?

— Em absoluto, Selena. Há muito tempo não vejo e nem falo com o teu pai. — Respondeu segura e, pegando nas mãos delicadas de sua neta, propôs serenamente. — Vamos esquecer este assunto, minha querida. Será que não percebeste que Henrique quer atingi-la a qualquer custo? Assim como você, ele vai responder as tuas afrontas, com mais afrontas, até isso tornar-se um círculo vicioso entre vocês. — Depois de a aconselhar, ela afagou o rosto delicado de Selena e observou emocionada. — Você está cada dia mais parecida com sua mãe.

Sem conseguir conter-se diante daquele gesto de carinho, Selena beijou emocionada as mãos que afagavam o seu rosto e logo depois disse.

— Vou deixá-la descansar. Já tivemos fortes emoções por hoje. Boa noite, vovó, durma bem.

— Obrigada, minha querida. Tenha uma noite abençoada de sono. — Disse e ao vê-la levantar-se para sair, pediu-lhe, olhando-a com extremo amor. — Nunca esqueça-se que você é o bem mais precioso que eu tenho. Eu a amo muito.

— Também a amo muito, vovó.

Após ajeitar as cobertas de dona Tereza; Selena deu um beijo demorado no rosto enrugado dela e deixou o quarto com uma estranha sensação apertando-lhe o peito, que para ela era o efeito da conversa que tivera com Henrique e com o jovem ogro, que resolveu fazer de sua mente, hospedaria.

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