Depois do jantar solitário, Selena foi procurar sua avó como havia prometido — aqueles momentos eram sagrados para ambas. Era o momento em que elas se reuniam como família, já que dona Thereza era de fato a única família que Selena tinha. Seu pai era uma história a parte a qual ela não poderia contar. Era apenas uma peça ornamental na vida dela, sem nenhuma serventia para ela.
A entrada de Selena no quarto de sua avó chamou a atenção de dona Thereza e nesse momento o olhar da velha senhora pousou sobre as roupas inadequadas de sua neta, que parecia está vestida para caminhar.Diante daquela visão desleixada, ela perguntou-lhe bem-humorada, sem deixar transparecer sua desaprovação.— Vai fazer caminhada, Selena? — Estou tão ruim assim, vovó? — Selena perguntou divertida.— Você há de convir Selena, que seus trajes não são adequados para um jantar. — Dona Tereza respondeu analisando-a.— Não se preocupe vovó, naquela mesa não havia ninguém para se escandalizar com minhas roupas. Eu estava sozinha. — Observou o mais natural possível.— Querida, você precisa sair para se divertir um pouco. Não é bom para uma jovem da sua idade ficar presa a uma velha rabugenta como eu. — Disse sincera. — Pois saiba vovó, que os melhores momentos de minha vida; passei ao seu lado. — Disse-lhe afetuosa. — Aprecio cada segundo que estamos juntas. Eu a amo muito. — Completou carinhosa.— Oh, Selena! Você é tudo que me restou desta vida — dona Tereza disse extremamente emocionada. — Peço tanto a Deus, minha querida, que você encontre um homem que a ame e a aceite como você é. Diante daquelas palavras tiradas do fundo do coração de sua avó, Selena lutou para segurar as lágrimas. O que sua avó pedia era praticamente impossível. Nenhum homem a amaria. Não tinha futuro para ela.Para não abalar ainda mais os ânimos de sua avó, ela confidenciou incerta.— Não consigo me imaginar, vovó, dividindo a vida com alguém. Estou acostumada à liberdade... Não me agrada a ideia de sentir-me presa. — Com um meio sorriso amarelado, completou. — Eu nasci para ser só.— Engana-se minha querida! — Dona Tereza disse surpresa. — Ninguém nasceu para ser só. Nós não somos autossuficientes. Com o tempo você irá perceber que precisará de alguém ao seu lado. — A velha senhora completou preocupada.Ouvi-la falar com tanta veemência de um relacionamento a dois a fez baixar a cabeça pensativa. A vontade que tinha era de dizer para sua avó que tinha horror da solidão, no entanto ela conteve-se. Sua avó já estava extremamente abatida, e mesmo sabendo que não era correto, o ideal era não dissuadi-la dessa ideia. No fundo, Selena sabia que dona Thereza tinha medo de partir e deixá-la desamparada. Talvez o receio de deixá-la sozinha tenha impulsionado sua avó a tentar uma aproximação entre ela e Henrique. Mesmo soando falso o que iria dizer, ela confessou, apenas para agradá-la.— Talvez tenha razão vovó: namorar nunca fez mal a ninguém — com um sorriso encantador, acrescentou. — Prometo pensar seriamente em suas palavras.Àquelas palavras mescladas de poucas verdades, tiveram o poder de aliviar o rosto tenso de sua avó e Selena viu brilhar nele, um belo sorriso que iluminou o rosto enrugado da senhora Forlan, e ela pode constatar essa certeza, quando a sua avó observou emocionada.— Oh, minha, querida! Tenho tanto medo de partir sem antes vê-la casada.“Vovó, sinto desaponta-la, mas a senhora não verá este dia” Pensou amargurada e desconversou a seguir.— Deixemos que o tempo se encarregue disso. Tenho certeza de que em algum lugar da Espanha tem um par para mim. — Disse e nesse momento a imagem do jovem desconhecido se projetou na mente dela. Seria ele o homem a transformar a aridez do coração dela em um terreno fértil e propício para o amor? Com certeza não. O olhar daquele rapaz sobre ela era de desprezo, por ela ser filha de Henrique Navarro.A resposta de Selena agradou dona Thereza e mais uma vez ela viu um brilho de alívio nos olhos dela.Sem ter mais como sustentar àquela situação, Selena depositou um beijo nas faces de sua avó, despediu-se dela e deixou o quarto a seguir, lamentando-se por alimentar falsas esperanças nela. Era crueldade demais! Ela simplesmente não tinha o direito de engana-la. Sua avó não merecia ser iludida daquele jeito. Mas o que poderia fazer?! O que Selena sabia era que muitas pessoas se agarravam a falsas ilusões para continuar sobrevivendo. Se esse fosse o caso de Thereza Forlan, ela preferia mil vezes vê-la criando falsas expectativas, do que vê-la dominada pela desesperança e incerteza.Sentindo-se terrivelmente desconfortável diante de toda aquela situação, ela decidiu arejar um pouco a cabeça e em seguida pegou o carro para dar uma volta pela cidade. Volta essa que a levou diretamente para a mansão que um dia tinha sido o lar dela; antes de Henrique apossar-se dela e expulsá-la de casa.Mas, para surpresa dela, ela não era a única a espreitar a mansão dos Navarro; pois tão logo parou o carro a uma distância considerável da residência de Henrique, ela viu o rapaz que quase atropelou, olhando atentamente para a mansão dos Navarro. Assim que ele a viu; fechou o vidro da Mercedes e, nesse momento, ela desceu de seu próprio carro, aproximou-se da Mercedes dele, bateu no vidro, e quando ele desceu do veículo, ela o questionou desconfiada.— É impressão minha ou você está vigiando-nos?— Vocês, os Navarro, acham-se o centro das atenções. Acreditam piamente que o mundo gira em torno de vocês. — Ele observou desdenhoso. — Para a sua informação, eu estou pouco lixando-me para a sua família e isso a inclui.Diante do desaforamento dele, ela revidou terrivelmente próxima a ele.— O que faz então, quase caindo o olho em cima da mansão dos Navarro? Não esqueça que essa não é a primeira vez que o encontro nos rondando.— Apesar de não ser obrigado a dar-lhe satisfações, vou aliviar a tua curiosidade. Trabalho para os Munhoz e como tal devo zelar pela segurança deles; afinal de contas, eles estão na tua casa. — Observou rude e após deter-se nas vestimentas inapropriadas dela, acrescentou debochado. — Belíssimo traje para receber os convidados dos teus pais.— Para a tua informação, querido, eu não curto as festas oferecidas por meu pai e, caso tenha interesse em saber, eu não moro com Henrique. Se parei em frente à casa dele foi porque o vi em uma situação suspeita, se formos levar em conta o ódio gratuito que você sente pelos Navarro — retrucou séria e para irrita-lo, observou debochada, logo depois. — Ou devo acreditar que o nosso primeiro encontro foi tão excitante que você não resistiu a tentação e veio ver-me?— Se você faz o tipo “garota iludida”, quem serei eu para contraria-la. A única coisa que posso dizer-lhe é que, não há nada em você que interesse-me. — Observou desdenhoso.— Que coincidência descobrir que temos algo em comum, pois assim como você, também não vi nada de interessante em ti que possa chamar a atenção de uma mulher.Depois de dizer essas palavras, ela entrou no carro dela, deu a partida e retornou para a mansão de sua avó soltando faísca pelos olhos. Não era por que ele a odiava gratuitamente por ser uma Navarro, que ele tinha o direito de menospreza-la como se ela fosse um nada.Deixando sua indignação de lado, ela entrou em casa e subiu diretamente para o quarto, enquanto a imagem daquele ogro insolente a acompanhava.De volta ao seu quarto, ela ligou o computador. Tentou apagar de sua mente o desaforamento daquele desconhecido insolente, parte da conversa que teve com sua avó e, concentrou-se no relatório que teria que entregar para Henrique no dia seguinte.Mesmo a concentração de Selena estando a milhas de distância dela; ela conseguiu arrastá-la de volta na base da força e, quando terminou o relatório, já foi basicamente caindo na cama, para acordar no dia seguinte com uma terrível indisposição e um mal-humor do tamanho da tromba de um elefante.Mas, mesmo indisposta, ela pulou da cama, fez sua toalete, tomou o café da manhã apressada e a seguir pegou o carro e dirigiu-se para a fábrica.Assim que ela chegou na empresa para mais um expediente, Henrique e Penélope apareceram na fábrica e, ao vê-la, ele foi logo cobrando-lhe o relatório.— Você já preparou os relatórios que pedi-lhe? – Henrique perguntou com cara de poucos amigos.— Já os encaminhei para a sua sala, “papai querido!” — Ela respond
Mesmo diante dos despautérios que teve de ouvir do empregado dos Munhoz, àquela situação parecia irrelevante diante do comentário cheio de possíveis interpretações de Henrique a respeito das ações de sua avó, que a deixou extremamente desconfiada de que ele estava tramando alguma coisa para tirá-las de dona Tereza, e isso ficou claro no momento em que ele pôs em dúvida a participação dela na empresa. Era como se ele quisesse dizer em poucas linhas, que não adiantava nada ela brigar ou espernear, que no final ela não iria herdar nada, e isso já era algo sacramentado para ele.Àquela conversa no mínimo estranha rodopiou em sua mente durante todo o dia, e algumas vezes a deixava tonta e dispersa. E foi nesse estado de desconfiança e conjecturas que ela chegou em casa, depois de um extenuante dia de trabalho. Olhar para sua avó tão frágil e cansada a espera dela, a fez esquecer momentaneamente de suas angústias e apreensões. E, caminhando em direção a ela, Selena beijou-lhe os cabelos pl
A sensação angustiante que Selena sentiu na noite anterior persistiu na manhã seguinte e ela acordou com a nítida impressão de que aquele dia não iria terminar bem e, de todas as possíveis possibilidades, a certeza de que Henrique tinha algo a ver com o estado de apreensão dela era grande demais.Assim que pulou da cama ela foi diretamente para o banheiro, e depois de banhar-se e arrumar-se, ela dirigiu-se para o quarto de sua avó, que aquela hora já deveria estar acordada.Mas ao contrário do que Selena pensou, dona Tereza permanecia enrolada nas cobertas quentinhas; o que era no mínimo estranho já que a senhora Forlan não era o tipo de pessoa de dormir até tarde.Temerosa em acordá-la, ela aproximou-se silenciosamente da cama e nesse momento a angústia em seu peito veio com força redobrada ao perceber a inércia e o rosto terrivelmente pálido dela.Controlando o tremor que naquele momento apoderou-se do corpo dela, Selena a sacudiu gentilmente e constatou o que ela recusava-se em ace
Superar a perda de dona Tereza não estava sendo nada fácil, contudo Selena estava esforçando-se para atravessar aquela fase difícil na medida do possível. Ela sabia que ainda tinha um longo processo de aceitação pela frente, mas com o tempo tudo iria se ajeitar — pelo menos era aquilo que ela acreditava. Dois dias depois do sepultamento de sua avó, Selena foi surpreendida pela visita inesperada do advogado das Empresas Navarro, o que deu-lhe certa apreensão e, naquele momento as palavras de Henrique a respeito das ações de sua avó; voltaram com força total sobre ela.Deixando a apreensão e a surpresa de lado, ela o convidou para sentar-se e observou a seguir.— O que o trás até minha casa, senhor Alvarez! Confesso que não esperava encontrá-lo aqui?!— Infelizmente senhorita Navarro estou aqui a mando de seu pai.Observou para desconforto de Selena, que naquele instante viu-se invadida por um tumulto interior.Se não bastante a estranha observação dele, o ar de tensão no semblante do
Depois de deixar a casa que antes fora de sua avó, Selena mudou-se para uma pequena pensão em um bairro modesto de Barcelona, enquanto procurava moradia que coubesse dentro de seu novo orçamento.Com a saída dela das Empresas Navarro, a situação financeira de Selena sofreu um grande abalo e ela esperava então a rescisão do contrato dela para poder dar continuidade a procura de uma moradia — que com certeza não estaria de acordo com os padrões que ela estava acostumada. Mas, como para Selena tudo ainda era incerto, desde que conseguisse ter seu próprio espaço, já seria lucro para ela.Embora no momento estivesse vivendo a pior fase de sua vida, Selena tinha esperança de que as coisas começassem a entrar nos trilhos novamente, e algo dentro de si dizia-lhe que Daniel Barcellos era o protagonista dessa nova fase, se levado em conta o convite dele para almoçar, que certamente não foi à toa.E foi nesse clima de incertas e expectativas que ela chegou ao restaurante.— Obrigado por aceitar
Em pé, ao lado da janela envidraçada, Thiago Barcellos olhava do terceiro andar da empresa Munhoz Computer para o centro da cidade, sem nada ver. Todos os seus sentidos estavam em alertas. A discussão de seu pai — Daniel Barcellos —, com seu sogro, Rui Munhoz, estava acirrada. Nenhum dos dois estava disposto a dar o braço a torcer. Cada qual do seu jeito queria provar que era o dono da razão. À primeira vista àquela discussão não daria em nada. Seu pai era turrão quando lhe convinha, de modo que nada do que o senhor Munhoz dissesse iria mudar a opinião de Daniel Barcellos. Ele estava simplesmente determinado a usar sua influência na empresa para infiltrar a intragável da Selena Navarro, nas empresas de seu sogro.Aos olhos de Thiago aquela discussão parecia infantilidade ou implicância de seu pai, pelo fato de eles terem-se aliado com Henrique Navarro. Uma aliança que certamente os colocaria numa posição privilegiada frente ao mercado da informática, se o canalha do Henrique não tive
Selena acordou na manhã seguinte bem revigorada e com a certeza de que, a proposta de trabalho de Daniel trouxe-lhe um novo ardor para sua alma. E foi nesse clima de recomeço que após o banho e o café da manhã, Selena pegou o carro e saiu animada em direção a empresa Munhoz.Por estar morando afastada do centro da cidade, Selena gastou alguns minutos a mais para chegar na Munhoz Computer. Mas, como pontualidade era uma de suas características, ela chegou consideravelmente cedo para o seu primeiro dia de trabalho.Após identificar-se na portaria ela foi conduzida para a sala de Daniel Barcellos que a recebeu calorosamente e, após o cumprimento de ambas as partes, ele a informou.— Como você vai trabalhar diretamente com o meu filho, ele faz questão de acompanhá-la até a fábrica. Tudo bem para você? — Perguntou sorridente. Antes de Selena esboçar qualquer comentário, Thiago entrou na sala como um furação e sem dar-se conta da presença dela, perguntou a Daniel.— A senhorita arrogânci
Embora soubesse que estava metendo os pés pelas mãos, Selena seguiu firme com sua decisão de deixar a Munhoz Computer para sempre. Ela não era mulher de submeter-se aos desmandos de um homem, e, se, Thiago ainda não tinha-se dado conta desse detalhe, ela faria questão de mostrar a ele que ainda não tinha nascido o homem que a faria rastejar.Com esse firme propósito enraizado em sua mente, ela andou o mais rápido possível, até chegar ao escritório de Daniel; ciente de que Thiago vinha furioso no encalço dela, pronto para fazê-la pagar o desaforamento dela, na mesma moeda.Tão logo adentrou na sala do senhor Barcellos, ela disse num fôlego só, temerosa de que as palavras fugissem antes de ela as professar.— Agradeço muito a oportunidade e a confiança que depositou em mim, senhor Barcellos, porém não posso aceitar o emprego. Como já era de se esperar, antes mesmo de ela ter tempo de justificar a sua recusa, Thiago entrou na sala de Rui Munhoz como um furação, acusando-a terrivelmente