04

(Sophia)

O último sinal havia tocado e não demorei a sair da sala, Charlie me acompanhou até mesmo no caminho para casa. Vez ou outra o garoto fazia alguma idiotice apenas para que eu desse risada, e dava muito certo.

—Então, o que acha de a gente sair a tarde? Dar uma volta ou algo assim. – perguntou assim que chegamos em frente a minha casa.

—Desculpa, mas não vou poder. Tenho que ir trabalhar daqui a pouco. – o sorriso que tinha no rosto se tornou triste em segundos e engoli em seco me sentindo mal por aquilo.

—Tudo bem, uma próxima vez quem sabe. – ele acenou e me deu as costas.

—Charlie. – no mesmo instante ganhei sua atenção e tive a impressão de ter visto uma ponta de esperança em seus olhos —Meus amigos e eu vamos passar o fim de semana fora, quer ir com a gente?

—Com certeza.

E lá estava ele, o sorriso que havia me encantado. Foi difícil não retribuir o ato e um tanto estranho me sentir envergonhada com sua resposta.

(Charlie)

Com certeza.

O que diabos acabou de acontecer? O que eu estava fazendo afinal de contas?

Isso é coisa de gente apaixonada e eu não podia me apaixonar por ela assim do nada, ou será que podia? Se bem que Sophia era uma garota apaixonante, sua beleza ia muito além do que a gente via externamente e isso percebi em meio a nossas conversas.

Inteligente, talentosa e tinha o sorriso mais encantador que já vi na vida.

—Estou fodido mesmo. – me joguei no sofá pondo as mãos no rosto.

—Tudo bem, querido? – minha mãe perguntou parada ao meu lado e tinha um o olhar preocupado.

—Sim, não precisa se preocupar. – sorri para a mais velha que retribuiu —Se por um acaso uma menina de cabelo roxo chamada Sophia vier me procurar, é amiga minha. Ok?

—Amiga? Sei. – ela riu baixo indo para a cozinha.

Maneei a cabeça me levantando e fui para o quarto.

As cortinas estavam abertas dando visão para o quarto de Sophia, essa que estava em frente ao guarda-roupa terminando de se vestir. Ainda consegui ver algumas tatuagens bem distribuídas por suas belas curvas.

—Belas curvas. – sussurrei.

Balancei a cabeça me afastando dali e tentando me concentrar em qualquer coisa que não fosse na garota. Não foi fácil, nem mesmo um banho frio facilitou as coisas.

—Estou fodido mesmo.

(21:30 p.m)

A música que fluía alta nos fones acalmava tanto a mente quanto a alma.

Estava distraído com os olhos fechados e sem me importar com o que acontecia a minha volta, então senti um beijo em meu rosto e foi tão bom que sorri.

—Ah que bonitinho, ele gosta de beijinho. – Sophia falou em meio a uma risada depois de tirar meu fone.

—Gosto mais quando são seus. – sorri de lado e notei seu rosto ficar levemente rosado pela vergonha.

—Está pronto? A van tá pronta e só falta a gente. – ela ficou de pé mexendo nos cabelos e me sentei rindo baixo.

—Só vou pegar mais alguma coisas, não demoro.

Sophia assentiu sorrindo e saiu do quarto.

Me levantei rapidamente pegando minha mochila e vendo se não faltava nada, com tudo pronto e arrumado pus a bolsa no ombro, optei por levar meu violão apenas para distração. Deixei minha mãe avisada que me desejou um bom fim de semana e passando pela porta avistei a minivan, o pessoal que estava próximo a ela me observavam enquanto me aproximava.

—Charlie? – o garoto mais alto dentre eles veio até mim e assenti —Sou o Scoth. Bom te conhecer.

—Prazer. – ditei meio sem graça.

Enquanto ele arrumava minhas coisas em meio a outras bagagens fui apresentado ao restante do grupo, todos em casais e entre irmãos.

Ficamos apenas esperando Sophia, essa que conversava na porta de casa com uma senhora que não aparentava ter mais de cinquenta anos. Ambas pareciam nervosas, mas falavam baixo para ninguém mais ouvisse.

—Problemas com os pais, eu acho. – olhei para Jane, a melhor amiga de Sophia, e ela tinha o olhar nas duas da casa ao lado —Você poderia tentar falar com ela, conversar pode ajudar.

—Não sei se é uma boa ideia. – toquei a nuca.

—E também não custa nada tentar.

Ela sorriu e seguiu para perto de Scoth, enquanto isso ainda olhava na direção de Sophia. Notei que passou as mãos pelo rosto como se estivesse chorando e aquilo apertou meu coração, como uma menina como ela poderia sofrer tanto assim?

Dei um passo para ir até ela, mas Jack me impediu meneando a cabeça para que não fosse e olhando para sua irmã e cunhado, ambos concordaram com o garoto. Algo ali estava muito errado, com ela e sobre o motivo que a levou as lágrimas, eles sabiam e talvez estivessem apenas me impedindo de fazer uma besteira.

Não demorou muito e vi a senhora deixar um beijo na testa da garota de cabelo roxo, a mesma então caminhava em nossa direção. Os passos firmes e pesados mostravam quão irritada estava.

—Tudo bem? – questionei preocupado.

—Melhor impossível.

Foi a única resposta que recebi antes que ela entrasse na van e se isolasse no banco dos fundos, colocou os fones e cobriu o rosto com o capuz do moletom que usava.

(Sophia)

Durante todo o trajeto da viagem as palavras de minha avó se repetiam em minha mente e já havia perdido a conta de quantas vezes havia suspirado de raiva.

Eu não tinha nada a ver se meu pai estava no hospital e menos ainda que minha mãe resolveu lembrar que tem filhos. Não ia ter dó deles apenas por isso.

Quando a minivan parou na garagem fui a primeira a sair carregando uma mochila comigo, Scoth e Jane ainda tentaram chamar minha atenção, mas os ignorei. Precisava ficar sozinha e pensar em tudo.

Parei a caminhada quando cheguei perto de um lago que tinha por perto, o mesmo que eu sempre ia quando viajávamos para até ali, e me sentei de frente para o mesmo abrindo a mochila. De dentro dela tirei meu maço de cigarro e no fundo vi o canivete que sempre carregava comigo.

Engoli em seco deixando a bolsa de lado e acendendo aquilo que me matava aos poucos.

—Acho que isso não vai resolver seus problemas. – a voz de Charlie chegou aos meus ouvidos e vinha de trás de mim, mas não me dei ao trabalho de olhá-lo —Não acha que com isso as coisas só vão piorar? Ou quem sabe criar um novo problema? – e mais uma vez o ignorei.

O garoto apenas se sentou ao meu lado pegando algumas pedrinhas próximas e começou a jogá-las na direção do lago, com um suspiro pesado o olhei e notei certa tristeza misturada a preocupação em suas feições.

Apaguei o cigarro no solado do calçado e abracei minhas pernas junto ao peito, o queixo apoiado nos joelhos e o olhar no lago a frente.

—As vezes penso em desistir de tudo, na verdade já tentei. – senti o olhar de Charlie sobre mim —Jogar tudo pro alto e acabar de vez com a porcaria de vida que levo. – o olhei sentindo o nó na garganta.

—E por que não tenta mais uma vez? Por que não passa a tentar com mais frequência até conseguir? – mesmo surpresa com suas palavras notei um certo deboche em sua voz —Se sua vida é tão ruim como diz, por que ainda está viva? Por que não se mata agora?

—Porque eu tenho meus irmãos.

—Claro, você tem seus irmãos que precisam muito de você, não é? – ele riu baixo ainda debochado e franzi o cenho.

Apesar do deboche, Charlie estava sério e até mesmo... magoado.

—Eles não precisam de você, mas você por outro lado parece que precisa deles, porque os usa como motivo para não se matar de uma vez. O que por um lado é muito bom, mas ao mesmo tempo é egoísta com os outros. – o garoto respirou fundo passando as mãos pelos cabelos —Eu não posso dizer muita coisa, não sei muita coisa sobre você e nem o que passou, mas dá pra saber que você só não desistiu ainda porque tem esperança. Ainda quer ser feliz e tem fé nisso, tem fé que vai ser feliz e eu sei que vai, não sei como, mas você vai ser muito feliz.

De certa forma Charlie tinha razão, eu queria ser feliz de verdade e sabia que em algum momento posso alcançar essa felicidade, só doía que não fosse logo. Enquanto isso usava meus irmãos como desculpa para continuar passando por tudo que passo.

Por outro lado, tinha a reação que meu coração teve diante suas palavras. Meu coração parecia gritar dizendo que aquela era a declaração que precisava para enfim ser feliz com alguém, para conseguir acreditar em alguém de novo, mas o medo insistia em dizer que era apenas palavras de consolo.

No fim apenas me deixei levar pelo choro e Charlie se aproximou me envolvendo um abraço, sem saber ter outra reação devolvi o carinho deixando meu rosto na curva de seu pescoço. Ele apenas apertou um pouco mais o abraço, como se quisesse tomar a dor para si.

Alguns minutos depois nos afastamos alguns centímetros, os rostos próximos o bastante para que olhássemos nos olhos do outro. Os lábios dele se tornaram atrativos demais e como se soubesse, e quisesse, o mesmo que eu, Charlie acabou com o espaço que tinha entre nós.

O beijo era calmo até o momento em que levei meus dedos até seus cabelos o puxando cada vez mais para perto, as mãos dele invadiram minha blusa tocando levemente meu tronco. As cicatrizes que eu tinha não pareciam o intimidar ou qualquer coisa.

Queria acreditar que aquele garoto me desejava da mesma forma que eu o desejava, e mais uma vez ele me surpreendeu, como se estivéssemos mentalmente conectados, Charlie investiu o corpo no meu e nos fez deitar no gramado.

Nos separamos para buscar ar e nos olhamos nos olhos novamente.

Então era aquilo que eles chamavam de amor à primeira vista?

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