05

(Charlie)

Meu corpo queimava em desejo por ela e pelo olhar dela sabia que a garota sentia o mesmo, os olhos castanhos fixos nos meus diziam muita coisa e principalmente que ela me queria tanto quanto eu a queria.

—Charlie. – sua voz interrompeu meus pensamentos e notei vergonha em suas feições —Acho melhor a gente voltar.

—Ah, tudo bem. – me levantei a ajudando e arrumei minhas roupas —Desculpa.

—Pelo quê?

—Não sei, só achei que deveria me desculpar.

—Tá tudo bem. – seu sorriso era pequeno e tímido, mas ainda era lindo.

Sorri de volta pegando sua mochila e seguimos para a casa lado a lado, não ousei chegar tão perto dela, mesmo querendo. Tinha que respeitar o espaço dela.

Encontrando os outros dentro da casa, as meninas arrumando a sala e os meninos na cozinha, e passamos o resto da noite e parte da madrugada assistindo filmes enquanto comíamos. Na hora de dividir os quartos acabei no mesmo cômodo que Scoth, enquanto isso Sophia ficou com Jane.

Nada mais justo, mas o silêncio naquele quarto estava começando a me incomodar. Se fosse Sophia ali comigo acredito não seria muito diferente, mas não esperava que ficasse daquela forma.

—Parece que as coisas estão indo bem entre vocês, ou estou me enganando? – Scoth se sentou na cama me olhando e apenas dei de ombros o fazendo rir —Entendi, mas é bom ver que ela tem alguém que a faça sorrir tanto.

—Por que ela é assim? – me sentei a sua frente e o garoto suspirou tocando a nuca —Não vou contar nada.

—Não tenho como dizer com exatidão o motivo dela ser assim, mas todo mundo acredita que seja consequência do que passou com os pais. – o maior respirou fundo olhando suas mãos e logo voltou a atenção para mim —Sophia sofreu muito com os pais, mas parece que mesmo com eles separados e longe dela ainda conseguem fazer mal a nossa menina.

—Como assim?

—Os pais dela a maltrataram muito, não só ela como Peter e Mandy também, mas ela como irmã mais velha preferia que toda a raiva, ou seja lá o que passasse na cabeça daqueles dois, caísse sobre ela. Principalmente porque a Mandy era um bebê na época. – e mais uma vez ele suspirou —Eles batiam nela, a xingavam e chegaram a deixar os três sem comida.

—Por isso ela se machuca tanto?

—Como eu disse, não tem como ter certeza o que causa tudo isso e o que faz ela chegar a tal ponto. Aquela garota já passou por maus bocados na vida e não só com os pais dela. – franzi o cenho confuso. O que ele não estava contando? —Mas temos certeza de que isso é o que mais a afeta e a deixa abalada. Sophia diz que não, só que a gente sabe a verdade.

—E qual é essa verdade?

—Ela faz o que faz porque se culpa pelo que os pais fizeram. – engoli em seco e Scoth maneou a cabeça —Não que seja motivo para alguma coisa, mas seus pais viveram juntos por pura obrigação quando a mãe descobriu que estava grávida. Era pra ser apenas diversão e acabou virando um inferno pra Sophia.

—Eles descontavam a frustração nela, é isso? – ele assentiu, com tristeza, mas assentiu mesmo assim —Inacreditável.

—Nem todos os pais são como os nossos, garoto.

Com um suspiro pesado Scoth se levantou tocando meu ombro e saiu do quarto me deixando com mil pensamentos.

Voltei para minha cama me jogando na mesma, o teto naquele momento estava atrativo e olhando o mesmo comecei a pensar em tudo que ele disse. Quem a vê jamais pensaria que teve uma vida tão sofrida.

O pouco que ouvi na escola parecia que todos diziam que a culpa era dela pelos pais serem como são, do mesmo jeito que eles diziam, e isso a machuca cada vez mais.

Como podia existir pessoas que pensam assim? E pior, como pode existir pais assim?

(...)

O fim de semana havia passado como planejamos, mas como pensei que seria ele acabou rápido demais e voltamos a nossa rotina. Só que junto ao final de semana a pouca proximidade que tinha com Sophia também acabou.

Ela não atendia minhas ligações e nem respondia minhas mensagens.

Na segunda não a encontrei no caminho para a escola e durante as três primeiras aulas não tive sinal dela, voltei a mandar mensagem e continuava sem ter resposta. No intervalo também não a vi e quando comecei a ligar apenas caia na caixa postal.

—Onde você se meteu garota?

Depois que o último sinal tocou fui o primeiro a sair da sala e comecei a correr pela escola a procura dos amigos de Sophia. Algum deles deveria saber dela.

Perto do estacionamento os vi entrando na minivan e corri até eles o máximo que meu corpo sedentário aguentava, só parei quando estava de frente ao veículo que foi freado a centímetros de mim.

—Ficou maluco, Mitchell? – Scoth gritou saindo do veículo.

—Sim. Não. Não sei. – engoli em seco vendo o garoto ficar ainda mais nervoso —Você sabe onde tá a Sophia?

—Como assim onde tá a Sophia? – Jane saiu do carro me olhando confusa —Você não acabou de ter aula com ela?

—Se ela tivesse vindo não teria entrado na frente de vocês. – minha ironia não pareceu incomodá-los.

O casal se entreolhou maneando a cabeça e Scoth me mandou entrar, não pensei duas vezes em obedecer e nem mesmo me importei com o caminho que fazíamos. Os dois no banco da frente pareciam tão preocupados quanto eu.

Minutos depois o veículo parou em frente a um parque e mesmo com distância consegui ver a garota em um dos balanços. Olhei para Scoth e o mesmo apenas maneou a cabeça com um leve sorriso, me incentivando a ir até a menor.

(Sophia)

Estar ali me trazia a nostalgia que, por mais felizes que fossem, eu queria esquecer. Com as lembranças dos poucos momentos bons que tive com meus pais vinham as partes ruins e tudo que eu queria era sumir de tanto chorar.

—Se escondendo do mundo? – a voz de Charlie me tirou dos devaneios e respirei fundo limpando o rosto, o olhei com indiferença —Fiquei preocupado.

—Jura? O que eu tenho a ver com isso? – debochei voltando o olhar para o chão.

—É sério que vamos voltar nisso? Achei que já tínhamos conversado. – olhei incrédula para ele e ri baixo sem humor.

—Por que está tratando as coisas no plural? Não somos nada um do outro, Charlie. – me levantei ainda o olhando e o vi ficar confuso —Ficar com você não significa que existe um nós e eu deixei bem claro que seria apenas diversão.

A surpresa ficou estampada em seu rosto e sem dizer mais nada peguei minha mochila seguindo o caminho para casa, mas para minha surpresa Charlie passou a me seguir.

Bufei irritada aumentando a velocidade dos passos, mas o garoto fazia o mesmo e aquilo estava me irritando cada vez mais. Já em frente minha casa me virei para ele tomada pela raiva, mesmo sabendo que não era certo descontar minhas frustrações nele não podia deixar que aquele se envolvesse comigo.

Não era justo.

—Qual é o seu problema? Por que continua atrás de mim? – perguntei fazendo o possível para não olhar em seus olhos.

Por favor, não diga o que quero ouvir. Por favor.

—O meu problema é gostar de você.

Filho da...

—E se ainda estou atrás de você é porque me importo, acho que até mais do que deveria.

Cala a boca, por favor. Pelo meu bem, cala a boca.

—Por que ainda faz isso? Por que não deixa eu me aproximar e pelo menos tentar te ajudar?

—Porque o último que prometeu me ajudar só fodeu mais ainda minha vida. – os olhos dele se entristeceram junto a suas feições e engoli em seco me afastando cada vez mais.

Dei as costas a ele entrando em casa e se já não bastasse o acontecido do minuto anterior, minha avó estava em casa junto dos meus irmãos. Sem aguentar mais segurar toda aquela agonia desabei em lágrimas e a mais velha veio até mim tomada pela preocupação.

—Santo Deus.

Me deixei levar cada vez mais pelo choro até o ponto de soluçar, mas então os braços de minha avó me acolheram, da mesma forma que no dia em que fui deixada em sua porta com meus irmãos, em um abraço. Era cheio de carinho e proteção, transmitia todo seu amor.

—Vai ficar tudo bem, minha pequena violeta. Vai ficar tudo bem. – senti seus lábios depositando um beijo em minha cabeça enquanto as mãos afagavam minhas costas.

Deixei que ela me conduzisse até o sofá, me deitou deixando minha cabeça sobre suas pernas. Seus dedos foram aos meus cabelos, o carinho que recebia junto da música que cantarolava aos poucos me acalmava e por conta do cansaço, físico e mental, acabei pegando no sono ali mesmo.

(...)

(autora)

Charlie havia voltado para casa completamente desanimado, se sentia derrotado pelo que aconteceu e ainda mais preocupado pelo que a garota disse. Chegou a pensar que conseguia sentir a tristeza que ela sentia.

O resto de seu dia passou trancado no quarto e tudo que fazia era ouvir suas músicas, ou compor outras tantas em meio a melodias tristes que tocava com o violão. Em certo momento, enquanto escrevia uma de suas canções, seus pensamentos foram até a vizinha de cabelos roxo.

Sophia era tudo que ele conseguia pensar no momento.

(...)

A duas quadras dali uma família fazia sua mudança.

O rapaz alto de cabelos negros, olhos azuis e tatuagens pelo corpo, ajudava seus pais com as caixas e malas. Nos lábios carregava um sorriso, aqueles que muitos diziam ser diabólico.

Andrew Baker, sendo conhecido também por ser o canalha que destruiu o que restava do coração e da vida que Sophia tinha.

—Vamos Andrew, precisamos falar com você. – o garoto revirou os olhos levando a última caixa para dentro, seus pais se aproximaram o olhando com seriedade —Queremos deixar claro uma única coisa aqui rapaz.

—E eu sei bem o que é. – seu sorriso de canto era debochado —Não vou chegar perto dela, a não ser que ela mesma venha me procurar.

—Nem se ela implorar, Andrew. – sua mãe colocou toda sua autoridade e seriedade na voz —Sou sua mãe e não mediria esforços para lhe defender, mas o que fez com aquela menina foi monstruoso.

—A senhora fala como se eu tivesse tocado nela. – ele riu baixo cruzando os braços.

—Não tocou, mas deixou que outros fizessem. – foi a vez do pai se pronunciar e diante a pequena fala o garoto engoliu em seco —Estou lhe avisando para seu próprio bem, Andrew. Se chegar perto de Sophia com a intenção de fazer algum mal a ela, eu mesmo faço você pagar por tudo que ela passou. Entendeu?

—Sim senhor.

(Charlie)

—Qual é cara, você parece uma menina de doze anos. – Kevin falou parado a minha frente de braços cruzados.

—Deixa ele Taylor, não vai adiantar nada. – Richard falou sem tirar a atenção do jogo com Tom.

O moreno bufou indo se sentar frente minha mesa.

Eu estava o dia todo na cama, lia e relia a canção que fiz pensando em Sophia, cheguei a colocar melodia e por fim afundei ainda mais na tristeza.

—Fez música nova e não avisou a gente? – TJ ganhou a atenção de todos, principalmente a minha.

Nas mãos tinha as folhas com a canção já pronta e não apenas ele como os outros dois liam o que havia feito. A surpresa estava estampada no rosto de cada um deles quando me olharam.

—Você se apaixonou pela menina? – Richard sorria e tudo que consegui fazer foi baixar a cabeça.

—Ela me deu um fora, e a gente nem tinha nada ainda. – falei baixo sabendo que todos ouviriam e me olhavam —Tudo culpa de um imbecil do passado dela.

—E você vai deixar por isso mesmo? – olhei para Kevin e dei de ombros —Se sente algo por ela, corre atrás e prova que é diferente desse cara. Ficar aí se lamentando não vai te ajudar.

Olhei para cada um deles que sorria me encorajando e retribui tendo uma única certeza, eu conquistaria Sophia a qualquer custo.

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