Seis meses depois.
Minha vida está um caos e eu estou atrasada. Odeio isso, odeio atrasos e mais ainda chegar atrasada.
Desde que me mudei para Roseburg, 6 meses atrás, eu me apaixonei pela cidade, pelas paisagens, pelas pessoas e principalmente pelo trabalho. Eles foram muito gentis e eu já me sinto em casa.
Trabalhar com política tem algo de excitante e emocionante. Aqui eu sou a Assessora do Prefeito Brandon Myers e eu meu trabalho é colocá-lo na mídia e fazer com que ele pareça cada vez melhor. O que não é difícil diga-se de passagem, ele é extremamente gentil, dedicado e realmente se importa com a sua comunidade. No auge dos seus 60 anos permanece um coroa muito boa pinta e simpático.
Mas apesar de prazeroso o trabalho não tem sido fácil, foi preciso montar a comunicação praticamente do zero, além de acompanhar o Prefeito em viagens, festas e eventos, estamos no momento tentando fortalecer e promover o turismo de aventura na cidade.
E se tem uma coisa que eu não fiz desde a mudança foi a arrumação. Minha casa parece uma zona de guerra e tem pelo menos 15 caixas que não foram abertas espalhadas pelo lugar. O que me traz a batalha do momento: calcinhas.
Cheguei tão cansada ontem a noite que coloquei as roupas na lavadora e esqueci de apertar o botão para iniciar o ciclo. Em alguma dessas caixas estão as centenas de calcinhas que eu possuo, eu só não consigo encontrar. Da próxima vez eu vou contratar uma empresa de mudanças que se digne a identificar o conteúdo que está dentro das caixas.
Paro em frente ao espelho e analiso a minha roupa escolhida para hoje. Um vestido branco, justo, que desce até depois do joelho em um formato lápis, com um decote quadrado, um casaco lavanda e para finalizar um tênis all star do mesmo tom. O ambiente permite essa informalidade, ainda mais tendo em vista o fato de que eu corro de um lado para o outro o dia todo. Só me visto de forma mais formal em viagens e eventos. Viro de costas e analiso o tecido do vestido, é bastante grosso, ninguém vai perceber que não estou usando calcinha.
Passo correndo pela sala, pego a minha bolsa e corro para o trabalho.
Essa cidade desconhece o que é trânsito, tudo aqui é calmo e tranquilo. Bom, tirando a parte em que eu dirijo para o trabalho feito um furacão dia sim, dia não.
Atravesso o saguão da Prefeitura correndo quando Brenda chama a minha atenção.
-Você não está atrasada Furacão, para de correr feito maluca. -sorrio para ela e passo a mão pelos cabelos arrumando a bagunça.
Furacão é o apelido que me deram no trabalho por causa do meu nome.
Ok, talvez tenha a ver um pouquinho com o fato de que eu pareço um furacão às vezes.
-Mas se eu não tivesse corrido, estaria… -tento me justificar mas sou interrompida.
-Você veio dirigindo feito louca de novo né?
-Maluca, louca… Você pensa muito pouco de mim Brenda.
-A gente te adora. Mas você é meio doidinha às vezes.
-A cada frase um elogio novo. Agora me deixa ir, se não vou me atrasar de verdade. - começo a andar em direção ao elevador.
-Vai menina. Hoje é um dia importante.
-Porque? -pergunto curiosa.
-O filho do patrão vem hoje. Faz mais de um ano que ele não aparece por aqui.
-Filho do Prefeito? O Mark? - paro dentro do elevador e me viro de volta pra ela. - Ele esteve aqui na semana passada.
-Não esse. O outro filho, o mais velho.
-O quê? -coloco a mão na porta do elevador impedindo que se feche. - Como assim ele tem outro filho? Eu trabalho aqui há seis meses, como ninguém me contou isso?
-Não faço ideia. Agora vá, tem alguém chamando o elevador e você não quer se atrasar.
Com a porta do elevador fechando só vejo ela dar de ombros e sorrir.
Isso é estranho, certo? Eu trabalho com a imagem do homem a meses e ninguém se dignou a me dizer que ele tinha outro filho? Ele com certeza deve ser problema.
Entro na minha sala já semicerrando os olhos em direção ao meu assiste, Marcus, um garoto de 20 anos que fica vermelho cada vez que olha pra mim.
-Como você não me contou que o chefe tinha um filho mais velho? Isso não estava em lugar algum da biografia que você me entregou quando eu cheguei. Esse é o tipo de coisa que eu PRECISO saber. - enfatizo a palavra.
-Desculpe, o Prefeito Myers não gosta que falemos sobre isso. O filho é muito discreto. E depois de um tempo nos acostumamos a não falar. - a cada palavra sua voz saia mais fraca.
-Isso não muda os fatos. Eu deveria saber. O que aconteceria se chegasse uma entrevista por escrito, com uma pergunta sobre família, e eu respondesse que ele tem apenas um filho? Já pensou no tamanho da confusão que isso poderia criar? Poderiam achar que estamos escondendo algo. - mantenho o tom calmo.
-Eu… sinto… muito. - a sua voz era quase inaudível.
-Está tudo bem. Só preciso que você anexe as informações sobre ele na biografia e me entregue uma cópia.
Ele assentiu e se sentou na frente do computador.
-Senhora Brennan? -ouço me chamarem.
Olho para trás e vejo Anne, a doce secretária do Prefeito, que no auge dos seus 60 anos, mantém o sorriso mais doce que eu já vi.
-Você pode me chamar de Rain, Brennan e de qualquer outro apelido que você quiser Anne, mas por favor não me chame de senhora. -sorrio de volta.
-Tudo bem Furacão, o Sr Myers deseja um momento do seu tempo. -ela fala divertida.
-Abusada. -beijo o seu rosto em uma demonstração de carinho. - O que será que ele precisa? -falo enquanto caminhamos pelo corredor.
-Acho que ele quer apresentá-la ao filho.
-Ele já está aqui?
-Sim. - paramos em frente a grande porta do gabinete e ela a abre. - O nome dele é Willian. - me empurra para dentro da sala.
Parada dentro daquela sala eu tive a certeza de que em algum lugar alguém tinha me amaldiçoado. Não é possível que eu fosse tão azarada por um simples capricho da natureza.
Mesmo com ele de costas e sem perceber a minha presença eu tive certeza que era ele.
Era aquele Willian.
Fiquei paralisada, até que escutei o que ele falava.
-Para mim, isso que vocês estão fazendo é bobagem. Eles deveriam estar divulgando as suas propostas,os seus projetos. Não postando fotos suas jogando futebol.
Filho da puta. Era definitivamente aquele Willian. E novamente o ódio me consumia por culpa dele.
-Eu não poderia discordar mais. - escuto alguém protestar. Levo um susto quando a porta bate atrás de mim e me viro para então me deparar com uma figura que eu não demorei nem um centésimo de segundo para reconhecer.-O que estamos fazendo se chama humanização da imagem. Ninguém mais quer votar em um político engravatado que não é acessível. O povo precisa senti-lo próximo, ver que ele se importa. -ela avança caminhando na nossa direção. Permaneço paralisado. - Nessa “foto jogando futebol” que você citou, ele estava jogando com os alunos da escola, usando o novo uniforme que foi fornecido pelo governo, na nova quadra de esportes construída pelo governo, mostrando o interesse e a preocupação com os mais jovens e o esporte. Em uma única foto ele conseguiu demonstrar tudo isso sem dizer uma palavra. Esse é o meu trabalho. -ela estende a mão em minha direção. - Rain Brennan, Coordenadora de Comunicação. É um prazer conhece-lô Willian. Reúno o pouco de coragem que me resta e pego a sua m
Céus como eu odeio esse tipo de homem. Ainda mais esse em específico. Eu sinto os olhos dele colados em mim o tempo todo, mas nunca me olhando nos olhos.Mas esse é mais um item na lista de coisas que são completamente minha culpa. Eu entrei naquele bar em busca de alguma faísca e saí de lá completamente chamuscada. Eu puxei conversa com ele, eu me ofereci, e aparentemente isso é o que eu faço sempre. Desde que cheguei a Roseburg eu dormi com dois caras, não juntos para deixar claro. Nos primeiros 4 meses com o meu vizinho e no último mês com um colega da Prefeitura que trabalha no setor de contabilidade. Ambos inteligentes e divertidos. Com o primeiro cometi o erro de não deixar claro que não estava interessada em um relacionamento, o afastamento não foi dos mais tranquilos e desde então tenho tentado com sucesso evitá-lo. Com o Robert, que trabalha comigo, eu deixei claro que era apenas sexo e tem corrido tudo bem até agora. Saldo de Roseburg até agora: uma confusão e uma amizade
- JESUS! - ela grita ao abrir a porta e me encontrar parado em frente a ela. Eu escutei a voz dela e levantei para abrir a porta, mas a conversa do outro lado parecia interessante.- Me desculpe. Não foi minha intenção assustá-la. -me movo dando espaço para que ela entre. Ela respira fundo e passa por mim. Anne observa do lado de fora rindo, dou de ombros, sorrio e fecho a porta. Ela se senta na cadeira em frente a mesa e eu me sento na cadeira ao lado dela.- Eu me sentiria mais confortável se você se sentasse do outro lado. -ela diz mantendo um semblante sério. - Na cadeira do meu pai? Isso é mesmo necessário? -pergunto. - Tenho certeza de que ele não se importaria. Levanto, dou a volta na mesa e me sento na cadeira do meu pai. - Vamos conversar sobre o elefante na sala? -pergunto. - Não. -responde seca enquanto me entrega o tablet desbloqueado. -Essas são as nossas métricas do mês de novembro e em seguida você vai encontrar as dessa primeira semana de dezembro. Depois que v
Estúpida. Eu sou tão estúpida. Ele não só voltou com a tal namorada como aparentemente está noivo. Noivo e tentando me comer na sala do pai dele. Tentei soar o mais calma possível ao sair da sala, apesar de todo o ódio que estava sentindo eu amo essa cidade e esse emprego, seria uma pena ter que ir embora por culpa desse idiota e de não conseguir manter minhas pernas fechadas para ele. Mesmo com a sensação de que o meu corpo estava se dissolvendo, consegui chegar ao banheiro da minha sala antes de desabar em choro. Parada dentro do banheiro, encarando a minha própria imagem no espelho, tive um déjà-vu. Eu já estive em uma situação como essa. Não igual, mas parecida. Eu amadureci muito cedo, mas não por vontade própria. Quando eu tinha mais ou menos uns 12 anos comecei a sentir o peso dos olhares dos homens sobre mim, algo que uma criança jamais deveria sentir. Meu avô sempre me protegeu, mas quando ele viajava eu ficava sob os cuidados negligentes da minha mãe. Em uma dessas via
- Olá Big Boss. Pronto para sair? -sorrio abertamente para o senhor que passa por mim e entra na sala. - Claro, estou ansioso para ver como tudo está ficando. Olá Will. -vira para o filho com um olhar curioso. - O que está fazendo aqui? Vai conosco? - Não senhor. -me adianto antes que ele fale algo. - O Willian apenas passou aqui para elogiar o meu trabalho, ele disse que gosta muito do que eu tenho a oferecer. -o vejo engolir em seco e me encarar com uma pitada de raiva. - Estou contente que vocês dois estejam finalmente se dando bem. -ele sorri agradecido. - Mas realmente gostaria que você fosse Will. Seu irmão também vai, e vai levar a minha Melissa com ele.Olho para Will com um olhar de reprovação, deixando bem claro que não queria sair m companhia dele no momento. - Não vejo motivo para não ir. -ele enfim responde com um sorriso.- Perfeito. Vamos? -o Prefeito me olha e eu concordo com a cabeça. Permaneci todo o caminho em silêncio, e não olhei em sua direção. Assim que che
Esse tipo de evento é o principal motivo pelo qual eu me mantenho o mais afastado possível da política. Todos sorrindo falsamente e conversando como se fossem amigos intímos, bebendo e comendo, para no final da noite entregar um cheque que eles claramente poderiam ter enviado pelo correio e evitado toda a falsidade que permeia o ambiente. Apesar de já ter participado de vários, o dessa noite especificamente estava me deixando nervoso. Minhas mãos suavam e os meus pés e pernas estavam inquietos. Giny chegou na cidade hoje a tarde, eu mal conseguia olhá-la, quem dirá permanecer no mesmo cômodo por muito tempo. Estou me sentindo o pior homem do mundo, não sei o que fazer. Eu sei o que deveria fazer: contar a verdade. Não para ela, mas para todos os outros. Nosso relacionamento já não era real, não eramos um casal. Eu não queria traí-la. Não mesmo. E não o fiz. Ela tem sido a minha companheira por muitos anos, e eu realmente acho que a amo. Mas não o amor romantico que senti um dia, é
- Aquilo meu amigo… -ele continua. - É o diabo em um vestido vermelho. Se ela é o diabo, eu vendi a minha alma, esse é o meu inferno e ela está me castigando. Ela arrancou o meu coração do peito. Ela parecia mais alta, mais poderosa, mais imponente e de alguma forma conseguia estar ainda mais bonita. Até um minuto atrás eu acreditava que isso não era possível. - Com licença. -pedi já me afastando dele e me aproximando de onde ela estava com um grupo de pessoas. Ela ria e conversava como se estivesse extremamente confortável naquela situação. - Hei. -não consegui formular mais palavras. - Olá. -ela girou o corpo na minha direção. - Pessoal, acredito que a maioria de vocês devem conhecer, mas esse é Willian. O primogênito do Prefeito Myers. - Não costumamos te encontrar nesses eventos Willian. -alguém no meio do grupo falou.Não consegui prestar atenção em quem foi, não conseguia pensar direito tão próximo a ela e nem desgrudar os meus olhos da figura a minha frente. - Eventos so
Acho que esqueci como respirar. Parece que o ar do mundo todo está preso em meus pulmões. A voz dela é o mais próximo da perfeição que eu já ouvi. Eu sei que a música foi para me provocar, e Deus sabe que ela conseguiu. Ela se levantou do piano sorridente em meio aos aplausos acalorados e meio bêbados dos colegas. - Mais uma Rain, a saideira. -meu irmão pede. -Uma mais alegrinha agora, que com essa eu quase cortei os pulsos. - Eu não conheço as alegres. Eu gosto de fazer sofrer. -ela ri enquanto faz uma careta. - Só uma. -Anne insiste. - Por favor? Por essa velha que precisa de uma alegria.-Jesus, que drama.- Ela continua exibindo um lindo sorriso. Um sorriso que nunca é direcionado para mim. Senta-se novamente, toca Here Comes The Sun dos Beatles para a alegria de Anne que canta junto a plenos pulmões. Quando Anne tentou puxar um acapela de Piano Man e ninguém a acompanhou ficou claro para todos de que a noite tinha terminado. Aos poucos todos se levantaram, se despediram e co