Capítulo 4

Enquanto caminhavam até o carro, Harry percebeu que Esther parecia querer dizer algo, o que era estranho, pois, em todos os anos de amizade, isso nunca aconteceu. Esther era a pessoa com quem ele sempre se sentia livre para falar sobre qualquer coisa (bem, quase tudo, já que ele nunca teve coragem de confessar o que sentia além da amizade). Mas, ultimamente, as coisas entre eles pareciam diferentes, e Harry não gostava disso.

Quando decidiu perguntar o que ela estava pensando, ambos abriram a boca ao mesmo tempo, e sorriram, resmungando qualquer coisa.

— Pode falar primeiro – Harry se adiantou.

— Você precisa mesmo voltar ao trabalho hoje?

Ele pensou em responder que sim, pois tinha muito trabalho, o que não seria mentira. Mas havia algo no olhar dela, quase uma súplica. Harry sabia que precisava estar com ela naquele momento. Talvez, assim, Esther tivesse coragem de contar o que a estava incomodando tanto.

— O que você tem em mente? – Harry perguntou, observando enquanto ela mudava de posição, passando o peso de uma perna para a outra.

— Estava pensando em comprarmos algo para refrescar – ela sorriu levemente.

Harry se aproximou, colocou o braço ao redor do ombro dela e a guiou até o lado do passageiro. O perfume de Esther invadiu suas narinas, deixando-o quase em transe.

Enquanto abria a porta e observava Esther entrar, ele se pegou pensando o quanto desejava chegar mais perto de seu pescoço, se perder naquele perfume e sentir os longos cabelos cacheados entre seus dedos.

Fechou a porta, olhou para o céu e observou as pequenas nuvens que se formavam naquele dia ensolarado. Em poucos segundos, conseguiu afastar os pensamentos e deu a volta, entrando no carro.

Diferente do caminho até a lanchonete, dessa vez Esther ligou o rádio e uma música calma preencheu o carro, ajudando-o a relaxar.

Harry se virou para ela, que sussurrava a letra da música em um tom baixo enquanto olhava para a estrada. Ele sentiu uma vontade enorme de abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, seja lá o que estivesse acontecendo.

Logo chegaram a um mercado próximo. Esther resolveu ficar no carro enquanto Harry tentava comprar tudo rapidamente.

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Poucos lugares lhe davam tanta paz, e aquele era um deles. Enquanto bebiam, Harry admirava o sol da tarde, que parecia mais suave com as nuvens que começavam a se formar.

— Parece que vai chover – Esther comentou, tomando um gole de sua Sprite.

— Não se preocupe, ainda temos bastante tempo – ele a observou — E quando vai me contar o que está acontecendo?

Harry era paciente, mas perceber que o brilho no olhar de Esther estava cada vez mais ausente o preocupava.

— Não tem nada acontecendo – ela desviou o olhar, levando a lata aos lábios, como se quisesse se esconder atrás dela.

— Sou seu amigo há tempo suficiente para saber que algo te incomoda. Venho percebendo isso há muito tempo, mas esperei que você viesse desabafar. Como até agora isso não aconteceu, acho que é hora de eu te confrontar.

— Não tem nada acontecendo – ela desviou o olhar.

Harry colocou a lata sobre o carro, posicionou-se à frente dela, aproximou-se e colocou as mãos ao redor do rosto de Esther, fazendo-a encará-lo.

— Não adianta mentir para mim, estrelinha.

Ela deu um pequeno sorriso ao ouvir o apelido que ele usava desde a infância.

— Você não vai entender, Harry.

— Tente – ele insistiu.

Esther baixou o olhar, afastou as mãos dele de seu rosto e se distanciou um pouco.

— Deve ser só o cansaço de organizar esse casamento. Você sabe como minha mãe é, isso está me deixando louca. Acho que ela está mais preocupada com os arranjos do que eu. Preciso de um tempo para mim, só isso.

Ela falava enquanto andava de um lado para o outro, ainda evitando contato visual. Harry não era tolo. Sabia que ela estava escondendo algo, mas se Esther só quisesse contar aquilo, ele respeitaria.

— Por que você não faz isso?

Dessa vez, sua fala chamou a atenção dela, que ergueu o rosto, olhando-o nos olhos.

— Fazer o quê?

— Tire um tempo para você, longe de tudo e de todos. Organize seus pensamentos e repense se quer ou não se casar com Daniel – Harry completou.

— Essa não é a minha dúvida, Harry – ela cruzou os braços.

— Pode continuar se enganando, mas você não me engana.

— Já conversamos sobre isso, é só a sua implicância boba com ele que te faz pensar assim.

— Tudo bem – Harry ergueu as mãos em um gesto de paz, evitando uma discussão que parecia iminente.

— Mas você tem que admitir que a minha ideia é boa.

— Minha mãe jamais permitiria que eu viajasse a poucos meses do casamento – ela voltou a se encostar no carro, bebendo o refrigerante.

Harry deu um sorriso irônico.

— O que foi? – ela o encarou.

— Nessas horas, sinto falta da antiga Esther, a que era ousada, rebelde, que ia contra os limites absurdos impostos pelos seus pais e, acima de tudo, amava ser livre.

Harry sabia que aquilo era um golpe baixo, mas guardava aquelas palavras há muito tempo. Ele queria sua amiga de volta. Embora amasse todas as versões dela, a Esther que estava ali parecia um pássaro preso numa gaiola, nascido para voar, mas mantido próximo para que sua beleza fosse apreciada, enquanto sua liberdade era sufocada.

Esther cruzou os braços, olhando-o, aparentemente ofendida.

— E além de tudo, ela não tinha medo de nada nem de ninguém – Harry completou com um toque de satisfação ao ver que suas palavras surtiram efeito.

— Está insinuando que sou medrosa, Harry?

— Entenda como quiser – ele deu de ombros. — A vida é sua, Esther, faça o que tiver vontade.

Ao terminar de falar, percebeu a mudança no olhar dela. Sabia o quanto os pais dela eram controladores e o quanto isso alterou sua personalidade.

Ele temia estar certo ao pensar que Esther estava sendo pressionada a se casar com Daniel. Afinal, o mundo mudará; as mulheres eram livres para escolher seus próprios caminhos.

Parecia um absurdo, mas o modo como ela o encarava o assustava. Era como se lutasse para dizer algo, mas, ao mesmo tempo tinha medo.

Não fazia sentido... Eles eram amigos desde sempre. Se Esther estivesse sendo obrigada a se casar, teria contado a ele. Mas ela estava distante, sem o brilho de antes. E, de repente, ele percebeu que talvez só ele pudesse salvá-la daquela vida.

— Você viria comigo? – Esther quebrou o silêncio, fazendo-o erguer as sobrancelhas, surpreso.

Ele não esperava ouvir aquilo. Parecia que o destino estava a seu favor. Se viajasse com ela, poderia se aproximar e talvez entender o que realmente aconteceu nos últimos meses.

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