“Nada é impossível se você acreditar.” — Era uma vez no Natal, Gisele Pereira — Prólogo 25 de Dezembro de 2058 Deitada numa cama de hospital, estava a velha Jasmim Prince. As mãos, enrugadas, buscavam o fino lençol, para cobrir o corpo tão pesado e pequeno. Era natal. Era dia de celebrar. Mas Jasmim não tinha muito o que comemorar. Não tinha filhos, nem gatos, nem plantas. Não casou. Não teve uma carreira bem sucedida. Não viveu como queria. Já foi muito bonita no passado, mas nunca conseguiu enxergar isso. Se ao menos tivesse como voltar no tempo... — Por favor — murmurou; a voz fraca e tão sem vida — , me dê mais uma chance. E então tudo aconteceu. Uma estrela cadente cruzou o céu, as nuvens se chocaram, causando um estrondo semelhante a um trovão, uma luz potente preencheu aquele quarto tão mórbido, e Jasmim foi levada junto com uma onda magnética e colorida. Somente o zelador viu tudo aquilo, e guardou o momento no coração, que parou de bater sete anos
Dias atuais... 01 Atrasada. Eu estava atrasada! Merda, merda, merda! Por que eu fui beber tanto ontem? Será que eu não me dei conta de que hoje seria segundafeira? Inferno. Ou melhor: INFEEEEEERNO! Sim, o meme da Carminha. Me levantei, ainda zonza, calcei meus saltos, e fui me arrastando até o banheiro. Tive que tapar a boca, tamanho o susto que levei ao abrir a porta. Esticada no chão frio, estava uma senhora, de cabelos brancos, olhos fechados e roupas esquisitas. Eu a conhecia? Não, óbvio que não. Mas, ao me aproximar, senti que havia algo nela semelhante a... Mim? Não, não, eu só podia estar bêbada ainda. Coloquei a mão em seu peito e notei que seu coração batia. Soltei um suspiro de alívio. Eu devia tê-la conhecido ontem, na balada. Era a única explicação plausível que encontrei para justificar aquela situação. É, era isso. A senhora lentamente abriu os olhos. Eram azuis, da cor dos meus, um tipo de arrepio percorreu pelo meu corpo inteir
Eu zanzava de um lado para o outro, sem saber direito o que pensar. O trabalho podia esperar. Ah, uns minutos a mais uns minutos a menos não mataria ninguém, certo? Errado. Mas eu nunca fui tão certinha assim mesmo. — Se você é eu — sério, Jasmim? —, então eu tenho perguntas. — Pode perguntar — ela disse, ajeitando a roupa que parecia de hospital e sentando-se na beirada da cama. Tinha tirado-a do banheiro assim que escovei os dentes e me recuperei do choque ao ver a tatuagem idêntica à minha . — Em que dia, mês e ano eu nasci? — 28 de Dezembro de 1997. — Você pegou minha identidade? — Inquiri, desconfiada. Ela riu. — Não querida, eu não peguei nosso RG. Mentira. Ela tinha pegado. Eu tinha certeza disso. — Minha cor preferida? — Verde. Não um verde qualquer, mas um piscina. — Porque... — Era a cor dos olhos de nossa avó — completou. Me sentei na cama, atordoada. — Quando eu me apaixonei por Eros? Era difícil tocar nesse assu
Cheguei exausta do trabalho. A cabeça latejava e o estômago retorcia de enjoo — tudo culpa da bebedeira de ontem. Abri o portão e, ainda na escada, tirei os sapatos vermelhos. Fui subindo os degraus. A porta estava aberta, um cheirinho de bolo preenchia a cozinha, voando diretamente para minhas narinas. — Oi, querida — a senhora saudou, toda simpática. — Então você não é uma alucinação — meio que resmunguei, e entrei de vez em minha casa. Ela sorriu. — Fiz bolo de chocolate. A gente adora. — Ahá! Te peguei! Eu não sei fazer bolo. Sendo assim, a senhora não passa de uma espiã ou algo do tipo. Eu sabia! Sa-bia! — Dá pra você ficar quieta? — ralhou. — Acho melhor você se sentar, tem coisas da sua vida que ainda precisa saber. Arriei os ombros, puxei uma cadeira e me sentei, meio aflita, meio curiosa. — Ano que vem a empresa pra qual trabalha vai declarar falência. Você vai pro olho da rua. E tudo bem, já que você não gosta muito da área. Então irá
Adrielle era casada com Luany há quase cinco anos. Quando assumiu a sexualidade, praticamente toda a família foi contra. Eu fui a única que lhe ofereceu apoio. E depois de nosso afastamento, ela não tinha mais ninguém dos Prince a seu favor. Eu a entenderia se me odiasse. Porque, se fosse o contrário, eu também a odiaria. Toquei a campainha, ainda hesitante. Uma súbita insegurança tomou conta de mim, meu estômago retorceuse e por um instante, eu quis fugir dali e ir direto para minha casa. Então minha prima abriu a porta. Eu sempre a achei linda. Tinha os cabelos pretos e compridos, os olhos verdes e a pele bronzeada. Sempre usava tops coloridos e saias compridas. Sorri ao constatar que seu estilo não havia mudado. Adrielle olhou para Jass, depois para mim, de cenho franzido. Gelei. — O-oi — consegui balbuciar. Esperei a hora que ela fecharia a porta em nossa cara ou berraria que não queria me ter ali. E por isso, decidi ir embora. — Eu vou...
Eu me lembro perfeitamente da primeira — e única — vez que Eros me beijou. Foi há seis anos, no baile de formatura. Tínhamos bebido bastante, ele me trouxe até em casa e eu me recordo de uma faísca de ansiedade chispar em seus lindos olhos escuros. Tocou meu antebraço, delicadamente, e aproximou-se de mim. Minhas batidas ficaram rápidas demais e todo meu corpo respondeu a seu toque. A outra mão acariciou minha bochecha e foi descendo até meus lábios. — Você é tão linda, gatinha — murmurou. — Você é a mulher mais linda que eu já vi. Só que eu não acreditei nele. Tinha as benditas espinhas que sempre minaram minha confiança. Abri a boca para contestar, mas Eros agiu. Me beijou com doçura, com cuidado, como se eu fosse uma peça rara que era capaz de se desmontar em seus braços. Sua língua invadiu minha boca, eu agarrei em seus cabelos crespos, e correspondi ao beijo. O sabor de Eros era simplesmente incrível! Tinha gosto de cereja, álcool e menta. Eu soube, naquele mo
— Suponhamos que essa empresa vá a falência, May. Você tem algum plano B? Maya remexeu o canudo no café e me encarou, pensativa. — Tenho — respondeu —, eu ficaria recebendo meu seguro-desemprego e enquanto isso iria colocando meu currículo em outras empresas. Amo administração. — Eu também amo — menti. Ela me olhou, descrente. — Seja sincera consigo mesma pelo menos uma vez na vida, Jasmim. Você sabe bem o que ama. Além do Eros. Por falar nele, dormiram juntinhos, heein? Eu ri. — Não é a primeira vez que isso acontece, May. Eros é meu melhor amigo acima de tudo. Minha amiga segurou em minha mão. — Conta a verdade pra ele. Não deixa esse amor todo te consumir. Ele merece saber. Me encolhi na cadeira, sentia vontade de chorar. — Fale a verdade, May, que homem se apaixonaria por uma mulher como eu? — Está falando das espinhas? — Sempre falarei delas. É meu carma. Maya esfregou as têmporas, depois me encarou, toda séria. Você
Eros foi embora por volta das dez e meia da noite, tinha que fotografar logo cedo no dia seguinte e por isso não podia ficar. Jass fez torta de limão — a preferida dele — e os dois passaram a maior parte do tempo falando de mim. Eu só ria e comia a torta, fingindo não ouvir o que os dois diziam. Em dado momento eu vi, aquela sintonia, conexão e química entre os dois — entre nós. Sei lá, por um momento não parecia ser coisa da minha cabeça ou algo do tipo. Será que Eros também me amava romanticamente falando? Será que ele sentia atração por mim, mesmo eu tendo espinhas horrorosas na cara? Essas questões rodopiaram em meus pensamentos até eu adormecer. No dia seguinte, fui até a empresa para recolher minhas coisas e me despedir de Maya. — Eu não acredito que você vai me deixar sozinha — ela choramingou. Eu ri, abraçando-a. — Eu prometo te ligar sempre — assegurei, e estava disposta a cumprir minha promessa —, você vai ver. — Vamos fazer programações de