Dei um passo para trás, sentindo como se o chão tivesse sumido sob meus pés.— Senhor Gabriel?— Senhor Gabriel? — o médico me chamou, buscando me tirar de meus pensamentos.— Posso vê-la? — cortei, a voz mais dura do que eu pretendia.— Claro. Vou prescrever uma hidratação e repouso.Agradeci com um aceno de cabeça e fui até o quarto onde Celina estava. Ela estava sentada na cama, o rosto ainda pálido.Dez anos. Foi exatamente o tempo que tinha passado desde que Lívia doou um rim. Eu sabia que ela tinha feito isso por uma amiga, a Lina. Só então que me dei conta: Ce-Lina. O que estava acontecendo? Minha cabeça era incapaz de formular qualquer teoria. Entrei no quarto e todos os meus dedos tremiam. Assim que me aproximei dela, só consegui dizer:— Dez anos.Celina piscou, confusa.— O quê?— Você tem um transplante de rim há dez anos. — Minha voz soava mais pesada. Celina desviou o olhar, mexendo no lençol como se quisesse se esconder. Ela ainda estava visivelmente pálida, o rosto
Eu me virei, saí do quarto batendo a porta com força, como se isso pudesse afastar a dor. Cheguei à recepção e, sem pensar, me deixei cair no sofá. A raiva e a mágoa me consumiam, e, por um momento, parecia que o mundo ao meu redor estava desmoronando. Eu conhecia Lívia. Custava a acreditar que ela faria isso. Seria possível que Lívia tivesse decidido minha vida e obrigado Celina a participar de tudo? Precisava tirar isso a limpo, peguei meu telefone e liguei para meu assistente.— Preste atenção, Matheus. Levante o histórico médico da minha esposa Lívia, veja se ela se envolveu em algum acidente de carro, quero tudo sobre o tempo que ela passou na faculdade. Cruze as informações com a antiga e a nova babá de Sofia. Joana e Celina. Quero tudo o mais rápido possível.Celina teria alta em dois dias. Liguei para Simone e pedi para ficar com Sofia. Eu só sairia daquele hospital com a verdade.Eu não tive coragem de voltar a visitar Celina no quarto, mas também não consegui deixá-la sozinh
O assistente de Gabriel me avisou de Celina e do motorista que ele deixou. Eu o dispensei, não era necessário. Eu poderia dirigir e cuidar de Celina, mas aceitei que ele pagasse as custas do hospital.Abri a porta devagar, sem saber exatamente o que eu ia encontrar. Celina estava sentada no sofá, encolhida, os olhos vermelhos de tanto chorar, revelando uma expressão de culpa tão profunda que chegou a me doer. Ela levantou os olhos para mim, e por um momento, pareceu decepcionada. — Pensei que fosse ele. — Sua voz era um fio quebrado. Suspirei, fechando a porta atrás de mim. — Celina… — Você deve estar me odiando também, não é, Joana? Eu estraguei tudo.Fui até ela, sentando-me ao seu lado. — Não acho que seja tão simples assim.— Como soube que eu estava aqui, Joana?— O assistente de Gabriel me avisou — respondi com calma.— Obrigada por ter vindo.— Eu jamais te deixaria.Celina balançou a cabeça, olhando para as próprias mãos, como se carregassem todo o peso da culpa. — Eu n
Àquela altura eu não conseguia acreditar em nada. Estava até duvidando que a carta fosse real. Ou que a história fosse real. Lívia podia ter doado um rim para Celina, mas ela não usaria a bondade dela para forçar outra pessoa a entrar na minha vida e brincar com o meu coração desse jeito. Ela não me manipularia. E minha mãe compactuar com isso? Minha mãe se tornou muito amiga dela, mas jamais faria isso. Será que essa história de Celina e Joana eram inventadas? E essa carta seria outra artimanha de Celina e Joana para me manipular? Eu realmente queria respostas mas abrir a carta estava sendo muito difícil. Quais respostas eu encontraria lá? Coisas que me fariam odiar Lívia? Minhas mãos estavam frias. A carta parecia pesar toneladas, como se soubesse que, ao abri-la, nada mais seria o mesmo. Eu tinha que fazer uma escolha. Então, respirei fundo e rompi o lacre do envelope. Assim que meus olhos pousaram sobre a primeira linha, soube que a carta era real: Olá “Sr. Darc
Eu ainda segurava a carta em minhas mãos, os olhos presos nas palavras dela. A tinta parecia ainda fresca, como se tivesse sido escrita ontem, embora eu soubesse que o tempo não foi tão generoso. Minhas mãos tremiam e o peso das palavras de Lívia era mais forte do que eu esperava. Lívia estava certa, me fechei, me tornando alguém que mal reconhecia. Ela estava morrendo, e eu estava me afundando no meu próprio sofrimento. Não estava mais conseguindo ser o homem que ela conheceu, o marido que ela merecia. Sentado na cadeira, o silêncio da sala parecia me engolir. O cheiro do papel, o calor da luz suave que entrava pela janela... tudo parecia distante, irrelevante. Só existia a carta, o que estava escrito nela, e o turbilhão de sentimentos que ela trouxe. Olhei para a foto que estava junto com a carta. A imagem na foto me atingiu como um soco no peito. Celina, Joana e... minha esposa. Abraçadas lado a lado, com um sorriso aberto e contagiante. Pareciam tão conectadas,
O cheiro forte de antisséptico ainda impregnava minhas narinas quando pisei para fora do hospital. O ar da rua parecia mais fresco do que nunca, mas minha cabeça ainda estava pesada, como se eu estivesse saindo de um sonho ruim e entrando em outro. O céu acinzentado ameaçava uma chuva fina, e o vento frio me fez encolher os ombros. Joana me esperava ao lado do carro, os braços cruzados e um olhar atento demais para o meu gosto. Meus passos estavam firmes, ainda que lentos. A desidratação que me levou ao hospital já não era um problema, mas a exaustão ainda pesava em cada músculo do meu corpo. Eu só queria voltar para casa e fingir, ao menos por algumas horas, que nada daquilo estava acontecendo. Eu sei que ele não estaria ali mas não pude deixar de olhar em volta procurando. Mas era isso, tinha acabado tudo. Era melhor, até agora eu não sei onde eu estava com a cabeça quando me deixei levar, acreditei que poderíamos viver aquilo, acreditei que Lívia não se importaria.
— Joana, vira o carro. Vamos voltar. — A voz saiu de mim com uma urgência que eu não sabia de onde vinha. Era uma mistura de desespero e necessidade. Joana virou o volante, e senti o carro fazer uma curva brusca. — Imediatamente, Celina. Tomara que ela fique bem até chegarmos — Joana me respondeu com os olhos vidrados na estrada e o pé fincado no acelerador. A angústia que queimava dentro de mim, estava clara, refletindo em seus olhos. — Tomara mesmo, Joana. Por favor vá mais rápido que puder — eu desejei de todo o meu coração.Joana percebendo que eu ainda estava um pouco abatida me perguntou: — Você está se sentindo bem? Ainda está muito pálida. — Eu estou bem, só estou muito preocupada com Sofia. A possibilidade de algo acontecer com Sofia me consumia por dentro, e eu tinha que chegar até ela. A estrada estava movimentada, o trânsito denso, e eu olhava para o lado, me preparando para o que estava por vir. A ansiedade me apertava o peito, mas algo na sen
— Desculpa, Sofia — Gabriel murmurou, a voz falhando. Ele estava a ponto de se despedaçar ali mesmo. Eu podia ver que ele se culpava, que ele sentia que tudo aquilo era culpa dele. Mas, naquele momento, havia algo mais importante: Sofia. Só ela. — Eu... eu estava com medo — Sofia sussurrou, a voz pequena, mas audível, quebrando o silêncio pesado que havia entre nós. — Eu achei que nunca mais ia te ver, Celina… O choro dela começou a sair incontrolável, e ela se agarrou a mim com força, como se quisesse se esconder de tudo o que a assustava. Gabriel hesitou por um segundo, mas então se aproximou também, colocando a mão sobre o ombro dela, os olhos marejados. — Eu não vou mais deixar nada acontecer com você, Sofia. Nunca mais. — A voz de Gabriel estava quebrada, mas sua promessa era firme, quase desesperada. Eu sabia que ele estava se redimindo naquele momento, tentando encontrar uma maneira de ser o pai que Sofia precisava. Eu podia sentir a tensão entre