Àquela altura eu não conseguia acreditar em nada. Estava até duvidando que a carta fosse real. Ou que a história fosse real. Lívia podia ter doado um rim para Celina, mas ela não usaria a bondade dela para forçar outra pessoa a entrar na minha vida e brincar com o meu coração desse jeito. Ela não me manipularia. E minha mãe compactuar com isso? Minha mãe se tornou muito amiga dela, mas jamais faria isso. Será que essa história de Celina e Joana eram inventadas? E essa carta seria outra artimanha de Celina e Joana para me manipular? Eu realmente queria respostas mas abrir a carta estava sendo muito difícil. Quais respostas eu encontraria lá? Coisas que me fariam odiar Lívia? Minhas mãos estavam frias. A carta parecia pesar toneladas, como se soubesse que, ao abri-la, nada mais seria o mesmo. Eu tinha que fazer uma escolha. Então, respirei fundo e rompi o lacre do envelope. Assim que meus olhos pousaram sobre a primeira linha, soube que a carta era real: Olá “Sr. Darc
Eu ainda segurava a carta em minhas mãos, os olhos presos nas palavras dela. A tinta parecia ainda fresca, como se tivesse sido escrita ontem, embora eu soubesse que o tempo não foi tão generoso. Minhas mãos tremiam e o peso das palavras de Lívia era mais forte do que eu esperava. Lívia estava certa, me fechei, me tornando alguém que mal reconhecia. Ela estava morrendo, e eu estava me afundando no meu próprio sofrimento. Não estava mais conseguindo ser o homem que ela conheceu, o marido que ela merecia. Sentado na cadeira, o silêncio da sala parecia me engolir. O cheiro do papel, o calor da luz suave que entrava pela janela... tudo parecia distante, irrelevante. Só existia a carta, o que estava escrito nela, e o turbilhão de sentimentos que ela trouxe. Olhei para a foto que estava junto com a carta. A imagem na foto me atingiu como um soco no peito. Celina, Joana e... minha esposa. Abraçadas lado a lado, com um sorriso aberto e contagiante. Pareciam tão conectadas,
O cheiro forte de antisséptico ainda impregnava minhas narinas quando pisei para fora do hospital. O ar da rua parecia mais fresco do que nunca, mas minha cabeça ainda estava pesada, como se eu estivesse saindo de um sonho ruim e entrando em outro. O céu acinzentado ameaçava uma chuva fina, e o vento frio me fez encolher os ombros. Joana me esperava ao lado do carro, os braços cruzados e um olhar atento demais para o meu gosto. Meus passos estavam firmes, ainda que lentos. A desidratação que me levou ao hospital já não era um problema, mas a exaustão ainda pesava em cada músculo do meu corpo. Eu só queria voltar para casa e fingir, ao menos por algumas horas, que nada daquilo estava acontecendo. Eu sei que ele não estaria ali mas não pude deixar de olhar em volta procurando. Mas era isso, tinha acabado tudo. Era melhor, até agora eu não sei onde eu estava com a cabeça quando me deixei levar, acreditei que poderíamos viver aquilo, acreditei que Lívia não se importaria.
— Joana, vira o carro. Vamos voltar. — A voz saiu de mim com uma urgência que eu não sabia de onde vinha. Era uma mistura de desespero e necessidade. Joana virou o volante, e senti o carro fazer uma curva brusca. — Imediatamente, Celina. Tomara que ela fique bem até chegarmos — Joana me respondeu com os olhos vidrados na estrada e o pé fincado no acelerador. A angústia que queimava dentro de mim, estava clara, refletindo em seus olhos. — Tomara mesmo, Joana. Por favor vá mais rápido que puder — eu desejei de todo o meu coração.Joana percebendo que eu ainda estava um pouco abatida me perguntou: — Você está se sentindo bem? Ainda está muito pálida. — Eu estou bem, só estou muito preocupada com Sofia. A possibilidade de algo acontecer com Sofia me consumia por dentro, e eu tinha que chegar até ela. A estrada estava movimentada, o trânsito denso, e eu olhava para o lado, me preparando para o que estava por vir. A ansiedade me apertava o peito, mas algo na sen
— Desculpa, Sofia — Gabriel murmurou, a voz falhando. Ele estava a ponto de se despedaçar ali mesmo. Eu podia ver que ele se culpava, que ele sentia que tudo aquilo era culpa dele. Mas, naquele momento, havia algo mais importante: Sofia. Só ela. — Eu... eu estava com medo — Sofia sussurrou, a voz pequena, mas audível, quebrando o silêncio pesado que havia entre nós. — Eu achei que nunca mais ia te ver, Celina… O choro dela começou a sair incontrolável, e ela se agarrou a mim com força, como se quisesse se esconder de tudo o que a assustava. Gabriel hesitou por um segundo, mas então se aproximou também, colocando a mão sobre o ombro dela, os olhos marejados. — Eu não vou mais deixar nada acontecer com você, Sofia. Nunca mais. — A voz de Gabriel estava quebrada, mas sua promessa era firme, quase desesperada. Eu sabia que ele estava se redimindo naquele momento, tentando encontrar uma maneira de ser o pai que Sofia precisava. Eu podia sentir a tensão entre
Sofia estava bem. Pelo menos fisicamente. Eu a deixei com Simone, e quando saí seu pequeno corpo descansava nos braços da governanta, que a embalava suavemente enquanto sussurrava palavras tranquilizadoras. Mas eu sabia que, dentro dela, o turbilhão ainda não havia cessado. Nem dentro de mim. Eu não queria, de forma alguma, deixar Sofia. Mas, depois de envolver a polícia em seu desaparecimento, precisava lidar com as consequências daquele dia caótico. Ainda restava algo a ser resolvido—prestar esclarecimentos para que tudo, enfim, chegasse ao fim. Dei meu depoimento, mas omiti qualquer menção a Celina. Não queria que a polícia a exaurisse com perguntas. Ela parecia abatida ainda, eu não podia evitar. Eu me preocupava com ela. Então, disse apenas o necessário: como qualquer criança curiosa, Sofia se deixou levar pela impulsividade, e, por uma falha de segurança, conseguiu sair sem ser notada. Um erro. Um acidente. Algo que nunca mais aconteceria. Meus olhos estavam fixo
Joana abriu a porta encarando-o: — Entre, Gabriel. Como está Sofia? — perguntou. — Ela vai ficar bem. Obrigada pelas duas terem ido encontrá-la. Nunca vou parar de agradecê-las. — Nós a amamos muito, Gabriel — murmurou Joana. — Eu preciso falar com vocês. Eu li a carta de Lívia. Ele entrou, tirou um papel de seu bolso. Meus olhos estavam vermelhos, mas eu mantinha uma postura firme. — Eu... não sei nem por onde começar — ele disse, olhando para Joana e depois para mim. — Lívia explicou muito naquela carta. Seus olhos estavam vermelho, a roupa encharcada pela chuva mas ele mantinha uma postura determinada. — Celina, eu não sabia sobre você... sobre o que você compartilhou com ela. Isso me pegou de surpresa. Eu senti um nó na garganta. Havia tanto que eu queria dizer, mas as palavras não vinham. — Ela viu você se fechar na escuridão — Joana respondeu. — E é por isso que ela pediu ajuda. Sofia precisa de você, Gabriel. Mas você também precisa de
Era maravilhoso estar com ele sem segredos. Era maravilhoso que eu não precisasse mais mentir para ele, que finalmente, depois de tanto tempo, estávamos vivendo a verdade. Eu estava nas nuvens, Gabriel era tudo o que eu imaginava e ainda melhor. A forma como ele me entendia e me amava , sem reservas, sem medo, fazia tudo valer a pena. Era como se, pela primeira vez, o mundo estivesse no lugar certo, como se cada peça finalmente se encaixasse. Eu podia ver em seus olhos que ele sentia o mesmo. O jeito como me olhava, como segurava minha mão, como sussurrava meu nome depois das noites ardentes de amor ou o olhar cheio de ternura que me acolhia sempre que eu precisava contribuía para eu ficar mais e mais apaixonada. E, naquele momento, eu acreditei. Acreditei que nada poderia nos tirar isso. Que, depois de tanto tempo, finalmente pertencíamos um ao outro. Mal sabia eu que a vida ainda tinha outras provações à nossa espera. Mesmo com a verdade dita, os outros motivos q