Eu ajustava a gola da blusa no espelho do corredor quando senti um arrepio percorrer minha nuca. Ele estava ali.Antes que eu pudesse me virar, senti o calor de um corpo atrás de mim. O perfume amadeirado de Gabriel me envolveu, e logo depois seus dedos deslizaram suavemente pela minha cintura, apertando-a com delicadeza. Meu coração acelerou.— Você está brincando com o perigo — murmurei, tentando ignorar o tremor na minha voz.— Eu sempre fui bom nisso. — A voz dele roçou minha pele, baixa, rouca, íntima. Seus lábios encostaram de leve no meu ombro descoberto, enviando ondas de calor pelo meu corpo.Fechei os olhos por um instante. Ele não podia fazer isso. Não ali, não agora.— Sofia pode descer a qualquer momento — tentei argumentar, sem muita firmeza.— Ela está no quarto dela. Simone está na cozinha. Samantha foi abastecer o carro e depois irá direto para casa — Gabriel deslizou a mão para as minhas costas, puxando-me suavemente para ele. — Temos alguns minutos.Tentei conter um
Gabriel tinha ido colocar Sofia para dormir, e eu o esperava na sala quando meu telefone tocou. Era Joana. Olhei furtivamente para cima para me certificar de que ele ainda estava no quarto. — Oi Joana. Você não devia ficar me ligando. — Celina, você está bem? Você não me ligou mais, como está tudo? Por que não me deu notícias? Estou preocupada. Eu não podia dizer a Joana que tinha desistido de lutar contra meus sentimentos. Que Gabriel e eu estávamos juntos e que lhe contar a verdade poderia acabar com tudo. Eu amava Joana mas enquanto o meu envolvimento com Gabriel fosse secreto, eu podia ficar com ele e Sofia. E de certa forma eu estava cumprindo minha missão. Mesmo que fosse fundamentado em uma mentira. — Não se preocupe, Joana. Deu tudo certo. Conversamos e concluímos que foi um erro. Está tudo bem. — Ele aceitou tranquilamente, Celina? — Sim, claro. Eu sou a babá, seria um escândalo, as ações da empresa poderiam despencar. — Mas e você minha amiga? Eu sei que está apaixona
Decidi não trabalhar hoje. Pela primeira vez em muito tempo, eu podia simplesmente parar e aproveitar o que havia conquistado. O aplicativo que Sofia e eu havíamos criado havia se tornado um sucesso estrondoso. Milhões de pessoas estavam usando, e as cifras estavam começando a refletir o nosso esforço. Era surreal pensar que, em apenas alguns meses, a nossa ideia havia se transformado em algo tão grande. Era uma sensação de vitória, mas também de alívio. Eu tinha passado por tanto, e agora, tudo parecia finalmente se alinhar.Eu olhei para Sofia, que estava brincando no jardim. Ela ria enquanto Celina a girava pelos braços. Seus olhos brilhavam com a inocência de uma criança feliz, e eu sentia meu peito apertar de tanto amor. A felicidade dela era a minha felicidade. Eu não sabia o que o futuro me reservava, mas, naquele momento, eu sabia que tínhamos tudo o que precisávamos: amor, união e a certeza de que éramos uma família. Eu e Sofia, tínhamos encontrado nosso equilíbrio.Celina en
Dei um passo para trás, sentindo como se o chão tivesse sumido sob meus pés.— Senhor Gabriel?— Senhor Gabriel? — o médico me chamou, buscando me tirar de meus pensamentos.— Posso vê-la? — cortei, a voz mais dura do que eu pretendia.— Claro. Vou prescrever uma hidratação e repouso.Agradeci com um aceno de cabeça e fui até o quarto onde Celina estava. Ela estava sentada na cama, o rosto ainda pálido.Dez anos. Foi exatamente o tempo que tinha passado desde que Lívia doou um rim. Eu sabia que ela tinha feito isso por uma amiga, a Lina. Só então que me dei conta: Ce-Lina. O que estava acontecendo? Minha cabeça era incapaz de formular qualquer teoria. Entrei no quarto e todos os meus dedos tremiam. Assim que me aproximei dela, só consegui dizer:— Dez anos.Celina piscou, confusa.— O quê?— Você tem um transplante de rim há dez anos. — Minha voz soava mais pesada. Celina desviou o olhar, mexendo no lençol como se quisesse se esconder. Ela ainda estava visivelmente pálida, o rosto
Eu me virei, saí do quarto batendo a porta com força, como se isso pudesse afastar a dor. Cheguei à recepção e, sem pensar, me deixei cair no sofá. A raiva e a mágoa me consumiam, e, por um momento, parecia que o mundo ao meu redor estava desmoronando. Eu conhecia Lívia. Custava a acreditar que ela faria isso. Seria possível que Lívia tivesse decidido minha vida e obrigado Celina a participar de tudo? Precisava tirar isso a limpo, peguei meu telefone e liguei para meu assistente.— Preste atenção, Matheus. Levante o histórico médico da minha esposa Lívia, veja se ela se envolveu em algum acidente de carro, quero tudo sobre o tempo que ela passou na faculdade. Cruze as informações com a antiga e a nova babá de Sofia. Joana e Celina. Quero tudo o mais rápido possível.Celina teria alta em dois dias. Liguei para Simone e pedi para ficar com Sofia. Eu só sairia daquele hospital com a verdade.Eu não tive coragem de voltar a visitar Celina no quarto, mas também não consegui deixá-la sozinh
O assistente de Gabriel me avisou de Celina e do motorista que ele deixou. Eu o dispensei, não era necessário. Eu poderia dirigir e cuidar de Celina, mas aceitei que ele pagasse as custas do hospital.Abri a porta devagar, sem saber exatamente o que eu ia encontrar. Celina estava sentada no sofá, encolhida, os olhos vermelhos de tanto chorar, revelando uma expressão de culpa tão profunda que chegou a me doer. Ela levantou os olhos para mim, e por um momento, pareceu decepcionada. — Pensei que fosse ele. — Sua voz era um fio quebrado. Suspirei, fechando a porta atrás de mim. — Celina… — Você deve estar me odiando também, não é, Joana? Eu estraguei tudo.Fui até ela, sentando-me ao seu lado. — Não acho que seja tão simples assim.— Como soube que eu estava aqui, Joana?— O assistente de Gabriel me avisou — respondi com calma.— Obrigada por ter vindo.— Eu jamais te deixaria.Celina balançou a cabeça, olhando para as próprias mãos, como se carregassem todo o peso da culpa. — Eu n
Àquela altura eu não conseguia acreditar em nada. Estava até duvidando que a carta fosse real. Ou que a história fosse real. Lívia podia ter doado um rim para Celina, mas ela não usaria a bondade dela para forçar outra pessoa a entrar na minha vida e brincar com o meu coração desse jeito. Ela não me manipularia. E minha mãe compactuar com isso? Minha mãe se tornou muito amiga dela, mas jamais faria isso. Será que essa história de Celina e Joana eram inventadas? E essa carta seria outra artimanha de Celina e Joana para me manipular? Eu realmente queria respostas mas abrir a carta estava sendo muito difícil. Quais respostas eu encontraria lá? Coisas que me fariam odiar Lívia? Minhas mãos estavam frias. A carta parecia pesar toneladas, como se soubesse que, ao abri-la, nada mais seria o mesmo. Eu tinha que fazer uma escolha. Então, respirei fundo e rompi o lacre do envelope. Assim que meus olhos pousaram sobre a primeira linha, soube que a carta era real: Olá “Sr. Darc
Eu ainda segurava a carta em minhas mãos, os olhos presos nas palavras dela. A tinta parecia ainda fresca, como se tivesse sido escrita ontem, embora eu soubesse que o tempo não foi tão generoso. Minhas mãos tremiam e o peso das palavras de Lívia era mais forte do que eu esperava. Lívia estava certa, me fechei, me tornando alguém que mal reconhecia. Ela estava morrendo, e eu estava me afundando no meu próprio sofrimento. Não estava mais conseguindo ser o homem que ela conheceu, o marido que ela merecia. Sentado na cadeira, o silêncio da sala parecia me engolir. O cheiro do papel, o calor da luz suave que entrava pela janela... tudo parecia distante, irrelevante. Só existia a carta, o que estava escrito nela, e o turbilhão de sentimentos que ela trouxe. Olhei para a foto que estava junto com a carta. A imagem na foto me atingiu como um soco no peito. Celina, Joana e... minha esposa. Abraçadas lado a lado, com um sorriso aberto e contagiante. Pareciam tão conectadas,