Capítulo 3
Mal tinha aberto os olhos naquela manhã, Rafael já entrava no quarto. Seu rosto denunciava um cansaço profundo, como se tivesse vindo direto de alguma atividade noturna. Ao me avistar, se aproximou com o movimento habitual, aquele que sempre precedia suas demonstrações de afeto.

Recuei bruscamente, e a repulsa física se manifestou imediatamente em meu rosto. Ele congelou por um instante, interpretando equivocadamente minha reação como consequência do ferimento. Seus olhos pousaram em minha perna lesionada antes que murmurasse com doçura contida:

— Querida, veste o casaco.

— Para quê? — Retruquei em tom glacial.

Ele respirou fundo, e na voz manteve a suavidade, porém agora tingida de certa impaciência:

— Você nunca soube disfarçar desconforto. Vamos refazer os exames, não podemos negligenciar essa lesão.

Permaneci impassível, permitindo que assumisse o controle da situação, embora meu interior já estivesse petrificado.

Na entrada do hospital, esbarramos em Mariana. Ela se apoiava na parede, as mãos pressionando o ventre, o rosto lívido e suado.

Rafael soltou minha mão antes mesmo de perceber, atraído como por magnetismo.

Meu tornozelo colidiu com a quina da parede. Uma facada de dor percorreu minha perna, me fazendo conter um grito. Contudo, Rafael já se movia em direção oposta, envolvendo Mariana num abraço protetor enquanto inquiria:

— Onde está doendo? Por que não me avisou?

Ela soltou um sorriso cansado, mas seus olhos faiscaram ao notar o casaco que eu usava. O mesmo modelo que vestira na semana anterior.

— É só uma cólica. Vocês vieram juntos? — Perguntou Mariana, com curiosidade estudada.

Ele levou a mão ao queixo, evitando contato visual, e recitou a fórmula habitual:

— A irmã de uma amiga machucou o pé. Estou dando suporte.

A narrativa era conhecida demais. Desde que havia decidido ocultar nosso relacionamento, Rafael sempre me apresentava como "irmã de uma amiga". Apenas seu círculo íntimo conhecia a verdade.

Mariana assentiu com distração.

— Então cuide dela, eu...

Rafael se interrompeu, se contraindo numa nova onda de dor. Ele não hesitou em a erguer nos braços e, se voltando para mim, lançou sobre o ombro:

— Natália, espera aqui um instante.

Observei o sangue impregnando o curativo, cada pulsação ampliando a dor lancinante. Seus passos rápidos ecoavam no corredor, cada movimento carregado de urgência genuína.

Permaneci imóvel, um sorriso ácido se moldando em meus lábios. Até ele, mestre em dissimulações, se revelava transparente quando se tratava de sua verdadeira paixão.

— Nossa! Como seu pé está sangrando assim! — Uma enfermeira correu até mim, me segurou pelo braço e me levou correndo para a sala de emergência.

Baixei os olhos para o tornozelo. O sangue escarlate jorrava de forma assustadora, com aquele cheiro metálico pesado no ar. No entanto, Rafael continuava alheio a tudo.

Enquanto fazia o curativo, a enfermeira franziu a testa com preocupação.

— Caiu em cima de cacos de vidro e ainda teve luxação óssea, né?

Assenti em silêncio, revivendo mentalmente o momento do acidente. O empurrão brutal de Rafael me fez despencar no piso. Os fragmentos de vidro trespassaram a carne enquanto sentia o osso ceder sob o impacto.

Nunca havia experimentado dor tão intensa, até um simples arranhão na infância mobilizava toda a família. Agora, restava apenas cerrar os dentes e suportar.

Quando terminaram os procedimentos, meu corpo inteiro tremia de exaustão. A enfermeira advertiu enquanto guardava os instrumentos:

— Vai precisar de repouso absoluto. Peça pro seu companheiro vir te buscar. Qualquer esforço pode romper os pontos.

Por reflexo, já tirava o celular do bolso. A mão pareceu se mover sozinha para contatá-lo.

Porém, ao abrir o aplicativo de mensagens, os dedos congelaram sobre a tela.
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