Capítulo 2
— Rafa. — Chamei, mantendo a voz baixa e um distanciamento calculado.

Ele estacou por um instante, claramente surpreso pelo tratamento inusual.

Fitei seus olhos sem hesitar, respondendo com uma franqueza que nos separava.

Num movimento brusco, ele se projetou sobre mim, me prendendo contra o colchão com aquele tom desafiador de sempre:

— Amor, será que está me tratando assim fria por que não transamos ontem?

As palavras rolavam descompromissadas como sempre, fingindo que nossa dinâmica permanecia inalterada.

— Amor, a culpa é toda minha. A partir de agora vou me dedicar mais na cama até a gente transcender a intimidade.

As frases que antes me faziam arder de vergonha agora provocavam náuseas, como se meu estômago tentasse se revoltar contra o corpo.

Enquanto abria os botões da camisa, avistei a marca de batom em seu peito. Na nossa época, ele sempre proibia qualquer marca com o argumento: "Adultos não ficam marcando posse". Agora entendia que não era sobre marcas, era sobre quem tinha direito de fazê-las.

Quando seus dedos roçaram o gesso no tornozelo, uma facada de dor me fez empurrá-lo com força. As lágrimas jorraram sem controle, não sabia se da ferida ou da mistura de nojo e desespero que me consumia.

— Sai de cima de mim!

Rafael, ainda com a camisa entreaberta, sentou na beirada da cama. Ao ver meu rosto molhado, fez uma careta de preocupação:

— Querida, o que foi? Está passando mal?

— O pé doí. — Respondi em monossílabo gelado.

O gesso estava visível desde sua entrada, mas só até esse momento merecia atenção. Seu rosto se transformou numa máscara de reprovação preocupada.

— O que aconteceu com seu pé? Por que não me avisou que se machucou?

Olhei fixamente enquanto um riso amargo subia pela garganta. Ele mesmo me derrubava nas escadas ao correr atrás de Mariana, e agora encenava essa amnésia conveniente. Sua preocupação soava como diálogo ensaiado, ridículo em sua artificialidade.

— Amor, passo uma noite fora e você já se enfia nessas enrascadas. O que seria de você sem mim? — Enxugou minhas lágrimas com o polegar enquanto se levantava para buscar água. — Meu pobrezinho, está partindo meu coração.

Observando suas costas apressadas, a dor física e a ferida emocional se entrelaçaram num sorriso torto. Nove anos. Cuidou de cada detalhe meu, e eu, tola, achava que era amor. Agora entendia que toda aquela dedicação talvez nunca tivesse sido realmente dirigida a mim.

Essa relação se revelava uma farsa grotesca que me enchia de repulsa e exaustão.

Naquela noite, usando o pé como pretexto, me instalei no quarto de visitas. Ele apareceu carregando um edredom, tentando me envolver. Estava me libertando do abraço quando seu celular vibrou.

— Amor, meu amigo está mal. Vou conversar com ele.

Com isso, ele saiu em direção ao escritório.

Deitada, ao rolar o Instagram, deparei com a story de um amigo dele: [Só a Mariana mesmo para tirar alguém do paraíso!]

Dei like nessa postagem e logo depois apaguei as luzes para dormir.
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