A porta se abriu de repente. O sorriso fácil de Aurora se petrificou ao avistar Breno estendido na cama. Vacilou por um instante, mas logo ergueu a voz: — Breno, seu sem-vergonha! Disse que prepararia surpresa para minha irmã, mas pelo visto é pior que susto! Me interpus rápido, tentando remediar: — Aurora, não é como pensa, nós só... Breno se levantou com desenvoltura, cantarolando com leveza: — Aurora, cada casal tem seus segredinhos, não é mesmo? Aurora esfregou a testa, meneando a cabeça com resignação. Estendeu a mão para acariciar meu rosto, mas interceptei seu gesto: — Ele estava dopado! Só dei uma ajudinha manual. Seu semblante endureceu de repente, perguntando:— Esses malditos fizeram isso com você outra vez? Sobre Breno, Aurora já me havia contado toda a trama. A família Valente tinham dois herdeiros. Com o pai gravemente enfermo, o irmão mais velho se empenha em macular a reputação do caçula, o retratando como playboy inconsequente para desagradar acionistas. Noss
No dia seguinte, quando experimentava um vestido de noiva, o barulho lá fora me fez congelar. — Amor! Amor, estou aqui! Natália, sou eu, o Rafael!Apoiada na enfermeira, saí cambaleando do quarto. Lá estava ele de terno completo, segurando com uma mão, buquê de gardênia branca e na outra aquela caixinha azul de joalheria. O rosto marcado de cansaço tentava disfarçar com sorriso forçado, parado na soleira como estátua.— Me perdoa, foi tudo culpa minha. Nem imaginava que seu pé estava nesse estado! — Os olhos dele escorregaram para o meu tornozelo engessado, e sua voz carregada de remorso teatral. — Fui um babaca. A Mariana... Aquilo já acabou faz tempo, juro! Apenas somos amigos. Se você quiser, nem olho mais na cara dela! Senti um nó na garganta, metade vontade de rir, metade nojo.— Amigos? — A palavra saiu com gosto amargo. Todo mundo sabia que Mariana era o amor da vida dele. Começou comigo por pirraça, e agora que eu estava saindo de cena para deixar o caminho livre, ele vinha
Rafael se ajoelhou, a voz rouca e teimosa rasgando o ar: — Só pode me amar nessa vida! Você não tem capacidade para amar mais ninguém! Olhei para ele com frieza, um sorriso de desprezo brotando o fundo do peito. Esse homem sempre foi assim, achando que me tinha na palma da mão. Contudo, desde quando eu seria marionete dele?— Engolir barata e dizer que é caviar nunca foi meu forte. — Soltei gelada. — Então pode pegar sua barata podre e vazar de uma vez. Foi quando Rafael desmontou. Nunca tinha visto aquilo - soluços convulsivos, mãos tremendo, a postura desmanchando feito açúcar na chuva.— Natália, eu te amo. — Ele engasgou entre lágrimas. — Depois de tudo, percebi que só você importa. Viver sem você está me matando, não aguento mais um dia! Pelo amor de Deus, foram nove anos juntos! Nove anos acordando do seu lado, te vendo todo santo dia. Como joga isso fora?Um enjoo subiu da boca do estômago. Lembrei daquela tarde fuçando o Twitter da Mariana. Nos dois primeiros anos, postagem
— Aurora, para com isso! Não vamos arrumar confusão, né? — Interrompei.Não era dó do Rafael que me consumia, mas o medo das tretas que minha irmã podia se enfiar.Ia me meter no meio quando o Breno me puxou com força pro colo dele.— Deixa rolar, Bolinha foi adestrada para não acabar com ninguém. — Aurora respondeu, fazendo pouco caso.— E outra, um lixo desse nem merece a baba da cadela. — Completou o Breno com meio sorriso.Os berros do Rafael ecoavam pelo lugar, e o desgraçado não parava de gritar meu nome: — Natália, a gente não acabou! Eu não aceitei! Está fazendo isso só para me provocar, eu sei... Aurora deu uma risada sem graça e mandou: — Bolinha, pega a boca dele! Num piscar de olhos, o sangue escorria pelo rosto do Rafael todo.Meu peito apertou, com medo da merda que ia dar, e disse: — Aurora, para com essa palhaçada, pelo amor de Deus! Bolinha olhou para mim, na dúvida.Rafael se retorcia no chão feito minhoca.— Aurora, chega! Se der merda de verdade... — Insisti.
Naquele final de tarde, a gente viu o sol se pôr juntos. De longe o mais irado que já vi nesses últimos anos. Breno tirou uma foto minha sorrindo feito bobo, com aquele brilho dourado do sol batendo nas minhas costas, parecendo que tava até com halo de santa.Quando fui ver o Instagram dele mais tarde, tinha postado a foto com legenda: [O pôr do sol mais lindo, e você, mais linda ainda.]Aurora curtiu e soltou: [Nossa, que fofo, hein?]Breno respondeu na hora: [Aurora, está na hora de arrumar um namoradinho para você em vez de ficar stalkeando os outros.]Ela fez uma careta de desprezo que até eu vi daqui.Quanto ao Rafael? Nem lembraram que ele existia.No dia do noivado, o cara apareceu todo enfaixado que parecia a múmia do filme, com a Mariana colada nele. Os seguranças fizeram questão de colocá-los bem na frente, para assistirem cada detalhe da festa.Virei para Breno cochichando: — Que significa essa palhaçada? Ele deu aquela risada marota dele e respondeu: — Falei que ele ia v
Nove anos pareciam um sonho que nunca acabava. Eu e Rafael, o melhor amigo de infância da Aurora, tínhamos vivido tudo juntos - desde a adolescência até o momento em que estávamos quase nos casando. Tudo corria bem, até aquela noite em que o destino resolveu pregar uma peça.Naquele dia, fui buscar Rafael num bar onde ele estava com os amigos, como sempre fazia. Quando cheguei na porta do camarote, ouvi risadas e brincadeiras de mau gosto antes mesmo de entrar.— Ei Rafael, sua ex paixão voltou do exterior. Vai continuar com a segunda opção ou vai tentar ter as duas? — A voz era debochada, como quem conta piada.Fiquei paralisada do lado de fora. Senti um nó na garganta enquanto outra voz completava: — O cara é gênio! Quando a Mariana foi embora, você agarrou a Natália, a irmã da sua melhor amiga. Nove anos é tempo pra caramba, hein? Agora que a verdadeira voltou, pode aposentar a reserva. A resposta de Rafael veio cortante: — Quem mandou a Mariana dizer que eu nunca superaria ela?
— Rafa. — Chamei, mantendo a voz baixa e um distanciamento calculado.Ele estacou por um instante, claramente surpreso pelo tratamento inusual.Fitei seus olhos sem hesitar, respondendo com uma franqueza que nos separava.Num movimento brusco, ele se projetou sobre mim, me prendendo contra o colchão com aquele tom desafiador de sempre: — Amor, será que está me tratando assim fria por que não transamos ontem?As palavras rolavam descompromissadas como sempre, fingindo que nossa dinâmica permanecia inalterada.— Amor, a culpa é toda minha. A partir de agora vou me dedicar mais na cama até a gente transcender a intimidade.As frases que antes me faziam arder de vergonha agora provocavam náuseas, como se meu estômago tentasse se revoltar contra o corpo.Enquanto abria os botões da camisa, avistei a marca de batom em seu peito. Na nossa época, ele sempre proibia qualquer marca com o argumento: "Adultos não ficam marcando posse". Agora entendia que não era sobre marcas, era sobre quem tinha
Mal tinha aberto os olhos naquela manhã, Rafael já entrava no quarto. Seu rosto denunciava um cansaço profundo, como se tivesse vindo direto de alguma atividade noturna. Ao me avistar, se aproximou com o movimento habitual, aquele que sempre precedia suas demonstrações de afeto.Recuei bruscamente, e a repulsa física se manifestou imediatamente em meu rosto. Ele congelou por um instante, interpretando equivocadamente minha reação como consequência do ferimento. Seus olhos pousaram em minha perna lesionada antes que murmurasse com doçura contida:— Querida, veste o casaco.— Para quê? — Retruquei em tom glacial.Ele respirou fundo, e na voz manteve a suavidade, porém agora tingida de certa impaciência:— Você nunca soube disfarçar desconforto. Vamos refazer os exames, não podemos negligenciar essa lesão.Permaneci impassível, permitindo que assumisse o controle da situação, embora meu interior já estivesse petrificado.Na entrada do hospital, esbarramos em Mariana. Ela se apoiava na par