Entramos em casa, e o silêncio acolhedor nos envolveu assim que fechei a porta. Stella estava ao meu lado, tirando os sapatos enquanto eu pendurava as chaves no gancho. A noite tinha sido longa, mas, para mim, havia algo reconfortante em ver como ela e Fiorella se deram bem.
Seguimos para o quarto, e Stella foi direto para o closet, mexendo na barra do vestido enquanto eu tirava o blazer. O ambiente era iluminado por uma luz suave, refletida no grande espelho da parede.
Deixei o blazer sobre a poltrona em frente ao espelho e comecei a desabotoar a camisa.
— Tudo correu bem, não acha?
Ela assentiu, tirando os brincos e os colocando no pequeno porta-joias.
— Fiorella me fez sentir... parte da família.
Havia algo na forma como ela disse aquilo, um toque de emoção que me fez parar o que estava fazendo. Caminhei até ela, envolvendo sua cintura com meus braços e puxando-a para mais perto.
As portas do elevador se fecham com um leve sibilo, isolando-nos temporariamente do mundo exterior. Olho para Stella, parada ao meu lado, as mãos inquietas acariciando a barriga em um gesto que mistura nervosismo e proteção. Ela tenta parecer calma, mas eu conheço cada detalhe de sua expressão, e o leve tremor em seus dedos denuncia o turbilhão de pensamentos que deve estar atravessando sua mente.— Ei... — murmuro, deslizando minha mão sobre a dela, envolvendo-a com firmeza. — Tudo vai dar certo. Eu prometo. — Minha voz sai baixa, mas segura, como se eu pudesse, de alguma forma, fazer aquelas palavras se tornarem uma verdade absoluta.Ela finalmente me olha, e por um breve momento, vejo uma fagulha de esperança se misturar ao medo em seus olhos.— E se ele não puder nos ajudar? — ela pergunta, quase num sussurro.— Ele vai. — respondo com convicção, mesmo que no fundo eu não tenha todas as respostas. — Bernardo é advogado da minha família há anos. Não vamos deixar nada nem ninguém at
A despedida no escritório do advogado foi breve, mas carregada de significados. Matteo manteve sua mão em minha cintura enquanto caminhávamos pelo estacionamento em direção ao carro. Quando finalmente paramos ao lado da porta, ele se virou para mim, me surpreendendo. Suas mãos firmes deslizaram até minhas costas, pressionando-me gentilmente contra o metal frio do veículo.— Tudo vai correr bem, Stella. — ele disse, sua voz carregada de uma convicção que aquecia meu coração. Seus dedos acariciaram minha barriga com cuidado, como se ele pudesse se comunicar diretamente com o bebê através daquele gesto.Coloquei minhas mãos sobre as dele, absorvendo a força e o carinho que ele transmitia. Por um momento, parecia que o mundo havia parado ao n
O quarto estava iluminado pela luz dourada do entardecer, e o som baixo de uma música qualquer preenchia o espaço. O cheiro doce das uvas congeladas que ela comia parecia se misturar ao aroma suave do perfume que ainda pairava no ar desde que Stella saiu do banho. Eu me movia pelo quarto, dobrando cada roupa com a precisão de um perfeccionista, encaixando-as nas malas como se estivesse resolvendo um quebra-cabeça.Ela estava sentada na cama, com as pernas cruzadas, segurando o potinho de uvas na palma da mão e usando os dedos para escolher uma de cada vez. Um gesto tão simples, mas que para mim parecia carregar toda a suavidade do mundo. Stella nem imaginava o quanto eu gostava de observá-la assim, nos momentos em que ela achava que ninguém estava olhando.Cada movimento dela era como um detalhe perfeito de uma obra de arte, algo que não se devia apressar para entender.Dois meses. Era inacreditável pensar que, há apenas dois meses, eu havia desembarcado no Brasil com um coração vazio
A chuva encharca meus sapatos enquanto caminho pela calçada de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, rezando para que, desta vez, eu não chegue atrasada. O som do meu estômago roncando me faz soltar uma das mãos da sombrinha e apertar o próprio corpo.Lidar com a chuva até que é fácil — eu poderia tentar secar o cabelo no secador de mãos do banheiro de novo. Mas hoje trabalhar será difícil, porque não conseguirei passar na padaria e gastar minhas últimas moedas. Nem chegamos à metade do mês, e meu salário já foi quase todo embora.Paro em frente ao semáforo e espero abrir para atravessar em direção ao prédio da Fiori Security, uma das filiais da maior empresa de segurança italiana. Por um milagre, depois de ter sido demitida do meu último emprego de babá, consegui uma vaga de secretária.Deus abençoe minha mãe no dia em que me obrigou a fazer aquele curso.Meu pé desliza dentro do salto molhado ao entrar no saguão de mármore branco e dourado. Chamo o elevador e subo para o vig
Esfrego os olhos, sentindo que estou prestes a enlouquecer.Meus dedos estão exaustos de tanto digitar as pautas que minha chefe precisa para as reuniões de amanhã. Pelo menos consegui almoçar no refeitório da empresa. A Fiori fornece almoço para todos os funcionários e isso ajuda a economizar.Levando em consideração que minhas opções de culinária são limitadas no fogão de duas bocas que cabe na minha cozinha.Não reclamo de ficar um pouco depois, as horas extras sempre me ajudam.Às vezes sinto falta do meu antigo emprego.Trabalhei por cinco anos como babá para uma família rica e foram ótimos anos de trabalho. Recebia um salário adequado que me ajudou a pagar a faculdade de secretariado e convivendo com as duas crianças mais fofas e amáveis desse mundo.Era muito bem tratada pela família, que pagou meus cursos de idioma e me levou em algumas viagens.Sempre serei grata por tudo o que fizeram por mim.Infelizmente, o pai foi transferido para Londres, para uma das filiais da empresa
Estou tão cansada que desmaiaria ali mesmo, então decido fazer o que qualquer pessoa lascada de dinheiro faz em um dia de chuva.— Eu mereço voltar para casa confortável... Só hoje.Abro o aplicativo de Uber e começo a procurar um motorista, ciente de que vou me arrepender.Esse é um problema para a Stella de amanhã.Percebo um veículo preto e luxuoso diminuir a velocidade pela rua do prédio e estacionar devagar bem na minha frente. Agarro a bolsa, pronta para correr; se alguém vai me sequestrar, então terá que me pegar primeiro.Já estou fodida demais, ninguém pagaria meu resgate.O vidro abaixa devagar, e no banco do motorista vejo o mesmo par de olhos azuis do elevador.— Ei, nova amiga de trabalho. Quer uma carona?O sorriso dele me desconcerta, e por um instante, fico hesitante. A chuva fina que começa a cair sobre a calçada me faz pensar rapidamente. Não quero esperar mais um segundo para pegar um Uber, e a grana está tão curta que, sinceramente, vou deixar a minha preocupação c
Tranco a porta me certificando de dar duas voltas.Não quero ser acordada pelo meu vizinho bêbado entrando no apartamento errado novamente.Fico em pé encarando a mansão de um cômodo em que moro. O apartamento é formado apenas por um banheiro e na parte onde estou ficam o meu sofá cama, a televisão sobre o móvel de madeira gasta e ao lado da porta, a cozinha com apenas um balcão e um armário superior.Não posso esquecer do meu incrível fogão de duas bocas.Deixo a bolsa sobre a bancada e em dois passos estou sentada no sofá.Tenho vontade de chorar ao imaginar que mal consigo andar sozinha nesse apartamento, quem dirá com um bebê.— Ninguém descobriu sobre você ainda — deslizo a mão pelo volume inexistente na minha barriga — Ainda temos um tempinho.Descobri que estou grávida de três semanas há alguns dias.A notícia fez com que o meu mundo desabasse um pouco mais. Eu preciso daquele emprego, e preciso muito mais agora. Não tenho ajuda, o pai dele ou dela é um cara com quem saí apenas
O alarme tocou às cinco da manhã.O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.Calça de treino, camiseta básica, tênis.Tudo funcional, sem firulas.A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo