O som constante do motor preenchia o silêncio dentro do carro enquanto eu dirigia pela estrada estreita que levava ao cemitério. O sol do final da tarde banhava a paisagem em tons dourados, mas tudo o que eu via eram os flashes de uma vida que nunca existiu. As possibilidades assombravam minha mente, como um filme projetado em minha memória: pequenas mãos alcançando as minhas, uma risada cristalina ecoando no ar, a palavra "papai" pronunciada com a doçura de quem sabe que é amado.Ela nunca teve a chance de me chamar assim. Nunca teve a chance de viver. E essa dor às vezes era tão intensa que eu não sabia como ainda conseguia respirar.Meus dedos apertaram o volante, e eu me forcei a olhar para a estrada à frente. Os girassóis no banco do passageiro tremulavam levemente com os solavancos do carro. Eles eram as flores favoritas de minha mãe, e eu i
O aroma de molho de tomate e ervas frescas se espalhava pela sala, misturando-se ao som das risadas das gêmeas, que corriam pela casa, suas bonecas balançando para cima e para baixo. A mesa estava cheia, mas o cenário parecia acolhedor e descontraído. Fiorella, a irmã de Matteo, estava sentada à cabeceira da mesa, visivelmente divertindo-se, enquanto Antonella, a avó, parecia ter o sorriso mais travesso que já vi.— Ah, Stella — começou Antonella, os olhos brilhando — você não tem ideia das coisas que Matteo aprontava quando era criança. Sempre foi o mais travesso, esse menino.Olhei para Matteo, que, sentado ao meu lado, estava claramente desconfortável com a história que se aproximava. Seu rosto, normalmente tão sério e contro
A luz da lareira projetava sombras dançantes pela suíte, mas meu mundo inteiro estava concentrado no movimento sutil da barriga de Stella, sob minha cabeça. A sensação era quase hipnotizante, como se pudesse sentir a pequena vida dentro dela respondendo à minha presença.— Ei, pequenina. — murmurei, minha voz carregada de ternura. Minha mão deslizou devagar pela curva suave da barriga dela. — Você não faz ideia de como estou ansioso para te conhecer. Eu penso nisso todos os dias... como vai ser segurar você nos braços, ver seu rostinho, ouvir sua risada pela primeira vez.Senti Stella rir suavemente, sua mão acariciando meus cabelos.— Mas, por enquanto, acho que esta bem aqui. Onde é mais quentinho, não é? Com a mamãe cuidando de tudo.Ela riu de novo, mas havia algo mais dessa vez. Algo no jeito como ela suspirou, quase como se estivesse se preparando para falar algo que temia dizer em voz alta.— Vou sentir falta disso tudo... quando o nosso acordo acabar. — ela sussurrou, sua voz
Entrar na loja de artigos para bebês foi como abrir as portas de um mundo mágico. Assim que cruzamos o limiar, fui invadida por um arco-íris de tons pastel: rosa, azul, amarelo, verde, todos suavemente estampados em roupinhas, cobertores e brinquedos. O cheiro doce de algodão novo pairava no ar, e as prateleiras pareciam brilhar sob os olhos atentos da avó Antonella.— É como entrar no paraíso, Stella! — Antonella exclamou, segurando um par de sapatinhos minúsculos em uma mão e um body de coelhinho na outra.— Não sei se 'paraíso' é bem a palavra, mas... — comecei, antes que ela me interrompesse com um olhar determinado.— Não seja modesta, querida. Essa bebê merece tudo do bom e do melhor.Fiorella, ao meu lado, já havia começado sua própria busca, vasculhando uma arara de vestidos.— Olha isso, Stella! Um vestidinho vermelho com bolinhas brancas! Vai ficar perfeito no Natal!Eu ri, mas antes que pudesse responder, o carrinho de compras — que eu tinha certeza de que estava vazio um mi
O carro deslizou pelas ruas tranquilas e arborizadas, longe da agitação da cidade. A cada curva, eu me sentia mais envolvida pela serenidade do lugar, como se estivéssemos entrando em um outro mundo, longe de tudo. Matteo dirigia em silêncio, mas eu podia sentir a tensão leve em seus ombros, como se ele estivesse me conduzindo a algo importante, algo que ele queria compartilhar comigo.A estrada estreitou-se, e logo estávamos dentro de um condomínio, com casas antigas e bem cuidadas que me lembraram uma vila italiana. As paredes de pedra, as ruas calmas e as árvores que pareciam abraçar cada casa ao redor criavam uma atmosfera acolhedora e charmosa. Eu avistava crianças brincando perto de um lago, suas risadas ecoando suavemente, e famílias caminhando tranquilamente pelas ruas.Matteo reduziu a velocidade até parar em frente a uma das propriedades, uma casa de dois andares que parecia saída de um conto de fadas. As paredes eram de pedras claras, cobertas por flores que subiam pelas par
O sol começava a se despedir, pintando o céu com laranjas e dourados que refletiam suavemente na superfície tranquila do lago. Era impossível desviar os olhos daquela imagem – mas, naquele momento, nada era mais bonito do que Stella aconchegada contra mim, com o corpo relaxado e a cabeça apoiada no meu ombro.Minhas mãos se moviam de forma quase automática sobre a curva da barriga dela, desenhando círculos leves sobre o tecido florido do vestido. Cada toque era um lembrete de que, ali, sob minhas mãos, estava a nossa filha. Nossa família.— Essa torta está divina. — ela murmurou entre uma mordida e outra, a voz baixa, mas cheia de satisfação.Sorri, encostando o queixo no topo da cabeça dela.— Claro que está. Você acha que eu ia te trazer algo menos do que perfeito?Ela riu, aquele riso suave que parecia um raio de sol invadindo o peito.— Não sabia que você tinha dotes culinários tão avançados. — Ah, não tenho. — admiti com uma risada, apertando-a levemente contra mim. — Mas sei es
Eu estava sentada no sofá da sala de estar da casa da avó de Matteo, com um chá quente nas mãos, enquanto Antonella revirava uma enorme caixa de papelão no meio da sala. O aroma de camomila e biscoitos recém-assados preenchia o ambiente, criando uma atmosfera acolhedora que só a casa dela conseguia ter. Matteo estava ao meu lado, observando tudo com um sorriso divertido nos lábios.— Aqui está! — exclamou Antonella, erguendo um pequeno ursinho de pelúcia marrom com uma orelha um pouco torta. Ela o sacudiu no ar, como se fosse um troféu, e depois caminhou até mim com um brilho nos olhos. — Este era do Matteo quando ele era pequeno. Não largava por nada!Olhei para Matteo, que corou ligeiramente e deu de ombros.— Eu tinha uns dois ou três anos, não me lembro disso.Antonella riu.— Não importa se você não lembra, eu lembro! Ele dormia com esse ursinho toda noite. E agora, quero que a sua filha tenha algo que foi do pai dela.Segurei o ursinho com cuidado, sentindo o tecido macio, embora
A tarde estava quente, e o ventilador girava preguiçosamente no canto da sala enquanto Matteo empurrava mais uma caixa para o centro do apartamento. O pequeno espaço, que eu havia chamado de lar por tanto tempo, agora parecia diferente, quase irreconhecível com as paredes nuas e os móveis desmontados. Era estranho pensar que, em breve, ele não seria mais meu.— Você tem certeza que quer mandar esse móvel para o seu vizinho? — Matteo perguntou, apontando para o rack que já estava encostado perto da porta. Ele me observava com aquela expressão meio desconfiada que fazia sempre que achava que eu estava escondendo algo.— Tenho. — respondi, tentando parecer decidida. — Ele estava precisando de um e... bem, eu não vou levar isso para a Itália. Faz sentido que fique com ele.Matteo apenas assentiu, mas não parecia convencido. Ele voltou a se concentrar na caixa de livros à sua frente, deixando o ar carregado de uma pergunta não feita.Suspirei e me sentei no chão, passando as mãos pelo cabel