Os dias se passaram de forma silenciosa, como se cada um carregasse consigo um peso de nostalgia e expectativa. Bernardo e eu começamos a arrumar as coisas do nosso apartamento, empacotando lembranças e memórias que, de alguma forma, pareciam estar se multiplicando. Cada objeto que eu colocava em uma caixa trazia consigo uma lembrança, uma história. O quadro que pendurei na sala logo depois de me mudar, as canecas que colecionei ao longo dos anos, até mesmo as pequenas imperfeições nas paredes, todas pareciam ter uma importância que eu não tinha percebido antes.Havia algo de melancólico em deixar para trás aquele espaço que, por tanto tempo, havia sido o meu refúgio. Mas eu sabia que essa mudança era necessária, que estava sendo feita por um bem maior. Ainda assim, o nó na minha garganta só apertava cada vez que eu olhava ao redor e via meu apartamento sendo esvaziado.— Tudo bem? — Bernardo perguntou uma noite, enquanto empilhava caixas no canto da sala.Eu sorri, embora a expressão
~BERNARDO~Ao contrário de Alice, que enfrentava seu primeiro dia no novo hospital com uma mistura de ansiedade e determinação, eu não estava nem um pouco ansioso para voltar ao trabalho na Orsini. Sentia um peso no peito, como se cada passo que eu desse em direção ao prédio da empresa estivesse me levando para dentro de uma tempestade que eu não poderia evitar. Havia uma tensão latente no ar, uma sensação de que algo estava prestes a explodir, e eu sabia que seria o alvo principal.Quando cheguei à Orsini, o ambiente me pareceu mais frio do que nunca. O prédio, com suas paredes de vidro e aço, refletia o céu cinzento daquela manhã. As pessoas que cruzavam comigo nos corredores pareciam estar à espreita, com olhares furtivos e cochichos que cessavam abruptamente assim que eu passava. Era como se todos soubessem de algo que eu não sabia, ou pior, que todos estivessem esperando pelo momento certo para me atacar.Entrei no meu escritório e fechei a porta, tentando criar uma barreira físi
~BERNARDO~Valentina estava se provando muito hábil em manipular situações a seu favor, transformando até o menor deslize em uma arma. Mas eu não estava disposto a ceder. Sentia a pressão, a expectativa de todos ao meu redor, mas precisava mostrar que ainda estava no controle. Não era o momento para hesitar, mas sim para demonstrar que eu ainda tinha total domínio sobre a situação, mesmo que por dentro o caos estivesse se instalando.— É exatamente isso que estou fazendo, estou cem por cento focada no sucesso da empresa — Valentina respondeu, com aquele tom de voz suave e quase inocente, que me dava nos nervos. — Mas você anda tão distraído ultimamente, Bernardo, que acabou cometendo um erro gravíssimo no final do ano. Um erro que resultou em um rombo financeiro significativo para a Orsini.Minha respiração ficou presa na garganta por um momento. Antes que eu pudesse processar completamente o que ela estava dizendo, Valentina estendeu um dossiê em minha direção, como se estivesse ofer
~BERNARDO~Quando finalmente cheguei em casa, o estresse acumulado do dia começou a se dissipar assim que abri a porta do apartamento. Fui imediatamente recebido pelo som inconfundível de "Don't Stop Me Now" do Queen, tocando em um volume que fazia as paredes vibrarem levemente. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto. Era praticamente impossível ficar indiferente a uma música como aquela. Sua energia contagiante tinha um jeito de fazer até os dias mais difíceis parecerem suportáveis.Fechei a porta atrás de mim e segui o som, sentindo meu corpo relaxar um pouco mais a cada passo. Enquanto caminhava pelo corredor, já podia imaginar a cena que me esperava. E não estava errado. Ao chegar à porta do quarto, parei e fiquei ali, apenas observando.Alice estava no meio do quarto, completamente imersa em sua própria festa particular. Ela cantava e dançava com uma animação que me fez esquecer, ainda que por um breve momento, todas as preocupações do dia. Em meio à arrumação das caixas da
~BERNARDO~Os dias se arrastaram em uma sequência monótona e desgastante. A rotina na Orsini Tech estava cada vez mais difícil de suportar. A pressão que antes era gerenciável, agora parecia sufocante. Eu estava sendo atacado de todos os lados de forma velada — pequenas sabotagens, rumores maliciosos, decisões importantes sendo tomadas sem o meu conhecimento. Valentina continuava a pressionar para que a auditoria fosse iniciada, tentando minar minha autoridade com o conselho, enquanto eu tentava, discretamente, descobrir mais sobre seus planos.Contratei um investigador particular para ver se conseguia descobrir algo antes de ser atingido novamente. Até agora, os resultados foram vagos, mas já era evidente que Valentina não estava agindo sozinha. Seus aliados estavam bem posicionados dentro da empresa, e suas jogadas eram cuidadosas, o que tornava difícil encontrar algo que pudesse derrubá-la.No entanto, esse não era meu único fardo. Alice também estava passando por um inferno partic
O domingo se arrastava em um ritmo lento e quase entediante no Mercy Hospital. O som dos passos ecoava pelos corredores praticamente vazios, e o silêncio reinava nas áreas de descanso. A atmosfera ali era completamente diferente do que eu estava acostumada no São Lucas, onde o caos geralmente se instalava nos finais de semana. Aqui, tudo parecia calmo demais, quase surreal para um hospital. Por um lado, era um alívio não ter que lidar com a pressão constante de casos críticos, mas, por outro, essa calmaria me deixava com tempo demais para pensar.E pensar era a última coisa que eu queria fazer.Estava na sala de descanso, olhando para a janela que dava para o estacionamento vazio, e não conseguia evitar as comparações. No São Lucas, certamente haveria uma fila de ambulâncias, enfermeiros correndo para lá e para cá, e eu estaria completamente imersa em algum procedimento complicado, sem tempo para respirar, quem dirá para pensar. Aqui, no entanto, o tédio parecia se infiltrar nas pared
~BERNARDO~Voltar ao São Lucas não era exatamente o que eu chamaria de algo agradável, mas eu sabia que era necessário. O hospital tinha um ar familiar, com o cheiro característico de antisséptico no ar e as luzes brancas refletindo nas paredes limpas. Eu nunca estive ali para algo tão pessoal, mas, naquele dia, minha presença ali era por uma razão inegavelmente importante. Clarice tinha me pedido para estar com ela durante o ultrassom, e por mais que a situação fosse complicada, eu sabia que precisava estar lá. O bebê que ela carregava, afinal, era meu filho.Assim que entrei na sala de espera, a vi sentada em uma das poltronas de couro, mexendo freneticamente em seu celular. Seus olhos se ergueram assim que notaram minha presença, e um sorriso suave e caloroso apareceu em seu rosto. Ela parecia aliviada por me ver.— Que bom que você veio — disse ela, levantando-se com um movimento fluido e se aproximando de mim. Havia um leve toque de gratidão em seu tom, que não passou despercebid
O dia no hospital havia sido mais desgastante do que o normal. Não por causa da carga de trabalho, mas pelas dores nas mãos, que estavam se tornando mais frequentes e difíceis de ignorar. Cada pontada parecia um lembrete cruel de que algo estava errado, um lembrete que eu preferia enterrar no fundo da mente.Hoje, fui além do que estava disposta a admitir para qualquer um. Quando fui escalada para uma cirurgia no início da tarde, inventei uma desculpa e pedi para ser retirada da equipe. O medo de ter uma crise durante o procedimento e colocar a vida do paciente em risco era maior do que eu queria admitir. Dizer que estava "um pouco indisposta" soou falso até para mim, mas era melhor do que ter que enfrentar o que realmente estava acontecendo.Cheguei em casa sentindo o peso do dia nos ombros. Passei pela sala de estar, meus passos ecoando suavemente sobre o piso de mármore, e segui em direção ao terraço, onde a luz suave do fim da tarde iluminava o espaço de forma acolhedora. Assim qu