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Capítulo 3 – Amadurecer a ideia

Sarah

O percurso até minha casa se torna um pouco mais árduo do que achei possível. Meu Mustang dá sinais de que a última manutenção foi muito efetiva, o motor roncando poderoso.

Já pensei em vende-lo para algum colecionador diversas vezes, mas desde que o ganhei da herança do senhor Lins, eu me tornei um pouco apegada demais.

Ele faleceu a dois anos atrás. Sem filhos e sem nenhum parente próximo, seu humilde testamento, foi divido em alguns amigos próximos de Lins.

Eu sabia que Lins me tinha como uma antiga amiga, pois eu já treinava com ele a mais de oito anos, claro que depois que comecei a trabalhar efetivamente como assistente social, meus treinos foram seriamente reduzidos a poucas horas na semana, mas o que valia eram as conversas tranquilas que tínhamos antes de cada treino.

Lins era um homem de quase sessenta anos, mas com um humor vivaz e muita perspicácia. Mesmo quando me mudei para uma cidade vizinha, eu ainda me deslocava sempre que podia para lá. Foi uma grata surpresa, receber o carro dele como herança, pois eu sabia o apreço que ele tinha pela relíquia.

Pensando agora na proposta insultante de Samuel para conseguir o dinheiro dos advogados de minha mãe, eu começo a achar que eu deveria ter vendido o carro, mesmo que me doesse como um inferno fazê-lo.

Casamento. Contrato. Receptiva. Foder.

As palavras de Samuel ficam se repetindo em minha mente, cada vez mais, meus dedos apertando o volante com força.

“Sua mãe merecia mais.” Ele havia me dito.

Samuel sabia como isso me machucaria... e disse mesmo assim.

Como vou passar dois anos da minha vida com um homem que parece dedicado a me atormentar?

E ainda tem aquela conversa toda de transar comigo, como se eu tivesse a obrigação de o servir sexualmente.

Porra... será que ele não percebe o quão ridículo e ultrajante soou aquilo?

Será que foi proposital?

Uma moto barulhenta, me tira dos devaneios. Estacionando na minha rua, eu percebo que é Nina e sua nova moto. Olho para minha amiga alta e esguia, descendo da moto, suas longas pernas em um couro apertadíssimo, vindo em minha direção como uma modelo, o que ela já foi a anos atrás.

Acho que alguns hábitos não mudam...

Nina b**e no meu vidro, seus curtíssimos cabelos repicados e lisos, modelando bem o rosto com traços indianos, uma herança riquíssima que se espelha em sua pele e trejeitos.

Ela tenta até hoje falar sem o sotaque, mas não se sai muito bem.

Nina e eu nos conhecemos, um pouco depois de Samuel ir embora de nossa cidade natal. Ela vinha de uma carreira conturbada como modelo, querendo o anonimato e um pouco de paz.

Até hoje, eu não sei como a personalidade desbocada dela, se encaixou com a minha mais fechada, mas mesmo quando eu queria manda-la a merda, ela continuava lá, me dando seu apoio ou só me fazendo rir quando preciso.

Nina e eu montamos, a base de muitas brigas e acertos, uma amizade sólida e pela forma que ela me mira os olhos escuros agora, eu sei que ela percebe o quanto a conversa com Samuel me abalou.

Ela espera que eu saia do carro, me dá uma breve averiguada e torce os lábios cheios.

— Tão ruim assim? — Ela me pergunta, a voz enganosamente macia.

— Pior. — Respondo e caminho na pequena trilha de pedras que eu mesma fiz, até a minha porta.

Nina me segue, seus passos sempre impacientes, soando altos no salto que usa.

Nós entramos na minha casa de tons claros de lilás e branco, um pequeno sofá cinza na sala e uma televisão razoável a frente dele.

O imóvel alugado foi uma necessidade, após eu finalmente dizer a Silos que eu teria um canto só para mim. Ele insistiu em me acompanhar em cada casa que procurei e ele chegou a me ameaçar ficar plantado na porta da minha casa, se eu não escolhesse um lugar decente.

Silos pode ser um doce quando quer, mas ele tem um jeito todo especial de te forçar a seguir conforme a música dele e por mais que seja irritante as vezes, eu amo isso nele.

Eu procurei incessantemente um bairro que não fosse caro demais, perigoso demais ou longe demais.

Essa casa de dois andares foi um meio termo em tudo, então eu praticamente rosnei para o locatário que ficaria com a casa. Na época eu só queria ter um canto, sem deixar Silos louco de preocupação.

Tenho ciência que Silos é um pouco mais protetor comigo do que o normal, mas considerando as circunstâncias de como fui morar com ele, é compreensível.

Nina se j**a no sofá, ligando a televisão em um programa qualquer e coloca os pés na mesa de centro. Estreito meus olhos em sua direção e ela retira os pés, bufando.

Nina é o que as pessoas considerariam como folgada, mas ela só age de forma tão espontânea com quem tem grande apreço.

E até hoje eu não sei se fico feliz ou triste por estar em sua lista de pessoas mais queridas.

— Então, como foi? — ela me pergunta, quando eu me jogo ao seu lado e pego o controle de sua mão.

— Acho que Samuel ficou louco. — Murmuro, ainda muito magoada com tudo que ele disse.

— Louco do tipo: vou te dar a grana ou louco do tipo: vá se foder? — ela indaga, uma de suas sobrancelhas escuras arqueadas.

Sorrio apesar de tudo, pois Nina tem um jeito só dela de ver as coisas.

— Louco do tipo que te propõe casamento em troca de “os melhores advogados que o dinheiro pode comprar.” — Cito e imito a fala de Samuel.

— O que? — Nina grita e eu fecho os olhos com o som estridente.

— É isso aí mesmo que ouviu. Foi insultante e ainda me tratou como alguma acompanhante de luxo sei lá... — Reclamo, minha voz soando birrenta.

— Você está falando sério? — Nina começa a rir e eu me contenho para não lhe dar um soco.

— É Nina, foi ridículo e eu quase bati nele. — Digo, realmente frustrada por ela levar isso na brincadeira.

Vejo Nina colocar as mãos no rosto, os ombros se sacudindo com a gargalhada.

— Eu já conheci homens excêntricos na minha vida, mas eles ao menos tentavam fingir que era algo natural, quando queriam algo comigo. Esse seu Samuel é muito direto. — Nina comenta.

— Ele não é o meu Samuel. Deixou de ser a muitos anos. — Digo, me lembrando da forma fria e até cruel que ele me tratou.

— Aparentemente, ele quer ser o seu Samuel novamente. — Nina me diz, a voz cheia de intenção.

— Não é bem assim, Nina. — Gemo de frustração — Ele deixou bem claro que quer essa bobagem de casamento para posar de homem de família. Acredito que exista até um desejo reprimido aí nessa jogada dele sim, mas ele mudou, mudou demais. Eu mal o reconheço.

Nina assente, os pensamentos parecendo estarem longe.

— Você sabe que eu poderia falar com minha família... — Nina começa hesitante e já até imagino o que ela vai oferecer.

— E o que? Vai se humilhar para eles pedindo dinheiro para mim, sendo que eles lhes viraram as costas? Não, Nina. Eu prefiro aturar a mágoa e os olhares gelados de Samuel. — Lhe digo, muito convicta.

— Pera... Vai mesmo aceitar se casar com ele por causa do processo da sua mãe? — Nina me pergunta, os olhos arregalados em mim.

— Ele consegue o que ele quer e eu tenho o que quero. Será um contrato e ele me deu um prazo de dois anos, não é para sempre. — Digo e prefiro deixar toda aquela conversa estranha de satisfazer os desejos de Samuel omitidas, pois não sei como ela veria isso.

— Sah, isso cheira a problema. E se ele for do tipo agressivo... e se ele te levar para outro país... e se...

— Para. — Levanto minha mão, não querendo ouvir mais nenhum “e se” dela — Samuel pode ter se tornado em um babaca insensível, mas eu conheço o caráter daquele estúpido. Ele nunca levantaria um dedo para mulher alguma, ele está sendo honesto comigo sobre cada passo que quer dar e eu sei que Silos literalmente o pegaria pelas orelhas, se ele sequer insinuasse em me retirar do país a força.

— Você mesma disse que não o reconhece mais. — Nina retruca, tendo um ponto.

— Eu sei, mas ele pode mudar a fachada, o modo de ver as pessoas e o modo de se mostrar, mas não pode mudar como ele foi criado. Eu literalmente cresci com Samuel e sei que ele não é assim. — Digo, não entendendo essa necessidade de garantir que ele é uma boa pessoa.

Acho que uma parte minha sempre será leal a ele, afinal.

— Ok, mas casar? — Nina guincha, as linhas de seu rosto tensas — Tem algo de muito errado nisso. É como se você estivesse se...

— Vendendo? — completo por ela, vendo seu rosto fazer uma careta constrangida.

— É, Sah. Não consigo ver de outra forma. — Ela me diz, mesmo que pareça estar se corroendo por isso.

— Eu sei o que parece e eu sei o que é, mas por enquanto, pelo bem do processo de minha mãe, eu vou só fingir que é um contrato que beneficiará as duas partes. — Determino, tentando fazer com que eu mesma acredite nisso.

Vejo Nina balançar a cabeça, abrir a boca, a fechar e tornar a abri-la, sem me dizer nada novamente. Por fim, ela exala o ar com força, o corpo se afundando no meu sofá.

— Não dá. Por mais que eu tente achar argumentos para que você não siga com isso eu não consigo, pois eu sei o quanto a soltura de sua mãe é importante para você e se ele tem tantos recursos assim, é melhor que você cole nele, afinal, mas preciso que você me prometa uma coisa. — Nina me olha, os fios escuros de sua franja, caindo charmosamente por suas bochechas.

— O que?

— Se você não se sentir segura, ou se ele sequer te ameaçar... Não, nem venha o defender de novo. — Ela corta, quando eu abro meus lábios — Eu sei que você acha que o conhece, mas eu não e estou te pedindo para que se você achar um indício sequer de que ele é perigoso, por favor me chame ou peça ajuda.

Confirmo com a cabeça para ela, pensando que o único perigo que Samuel me oferece é para o meu coração, pois se teve algo que aquele encontro me mostrou é que eu não sou tão inume a ele, quanto gostaria de ser. Samuel é bonito, sexy como um pecado e é cheio de uma aura viril que o torna em um imã para mulheres sedentas por alguém que as ampare como eu.

— Eu vou chamar ajuda se precisar, Nina, mas tenho que reiterar, Samuel não representa esse tipo de perigo pra mim. Admito que ele possa me magoar, mas não é nada que eu não consiga retribuir. Eu só preciso amadurecer essa ideia um pouco, ver o que estou disposta a abdicar por isso e seguir em frente. Se toda essa bagunça, retirar minha mãe da cadeia, eu estarei mais do que feliz em aturar toda aquela mágoa daquele homem. — Confesso, tirando dessas palavras um pouco de força.

— E o que fará quanto ao sexo? — Nina argumenta, um sorriso sábio se esticando em seu rosto.

— O que tem o sexo? — Pergunto, deixando minha expressão neutra.

— Vai dizer a ele sobre o seu hímen intocado, querida? — ela me pergunta, a voz tão sedosa que minha vontade é jogá-la pela janela.

— Eu não tenho que dizer nada. — Respondo, meu tom mordaz — Não tem forma menos bizarra de dizer que uma mulher de vinte e seis anos é virgem.

— Não é nada bizarro. A boceta é sua e você a deixa ser tocada quando você bem entender. — Nina dispara, sem filtro nenhum.

— Nina! — Repreendo, um sorriso se esticando em mim.

— O que? — ela dá de ombros — Quando te perguntei sobre dizer isso a ele ou não, é porque não quero que se sinta pressionada.

Penso na forma direta com que Samuel me disse que queria me foder e a forma como meu corpo reagiu a isso. Tudo que vou sentir nesse casamento de mentira será pressão, mas não de Samuel, mas sim de mim mesma, pois não há modo de eu morar com aquele homem, sem me sentir incendiar por ele.

Não mais.

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