Samuel
Antes....
A mensagem de Sarah brilha uma última vez antes de eu bloquear a tela mais uma vez. Eu não sei o que fazer.
A oportunidade que tenho nesse investimento é enorme, mas… ter que largar tudo assim…
Minha moto, já um pouco gasta, percorre as estradas bem cuidadas do centro e quando percebo já estou em frente ao hospital de Lírio.
Preciso encontrar meu pai. Ainda que eu nem tenha ideia de como abordar o assunto com ele.
Vou entristecê-lo, sei que vou. Meu pai ama que estejamos todos a sua volta, debaixo de sua proteção.
Caminho devagar, encolhendo um pouco os ombros a fim de não chamar tanto a atenção. Desde meu primeiro estirão de crescimento, eu tenho essa sensação interna de ter que curvar um pouco os ombros e não me destacar tanto.
Ser alto não é só o problema, há também toda essa massa que ganho com os exercícios severos do esporte. Faz um certo sucesso com as garotas da minha idade, mas meio que não gosto muito da atenção exagerada. Quem gosta disso é Lucas.
A única que eu gostaria que me notasse do jeito que a maioria nota, não me vê assim. Sarah foi meu calcanhar de Aquiles desde que a vi pela primeira vez. Naquela época, eu era pequeno demais para entender, mas seus olhos verdes e sorriso doces sempre me quebravam, uma vez após a outra.
Levou alguns anos e algumas ereções constrangedoras para eu entender que meu corpo a queria mais do que uma amiga, mas Sarah nunca viu isso. Para ela sou apenas o seu amigo fiel, seu confidente… Porra, talvez ela até me veja como um irmão!
Afasto o pensamento cruel de minha mente, pois só de imaginar isso, eu já me sinto enjoado.
Mando uma mensagem para meu pai e vou em direção ao refeitório do hospital pequeno, o cheiro de antisséptico que parece sempre impregnar esse ambiente me incomodando um pouco.
Sento-me em um dos bancos próximos à janela, meus pensamentos confusos e coração arredio.
Eu não quero ter que me afastar de todos, da minha vida. Dela.
Mais do que não poder estar mais sempre ao seu lado, ainda existe a constate certeza que vai me acompanhar: eu nem sequer tentei. Fiquei anos ao seu lado, com meu coração rasgando por ela dia após dia e nunca nem tentei lhe dizer isso. Nunca achei os meus colhões para tal.
— Sam, aconteceu algo? — Meu pai chega, sua mão apertando meu ombro.
Vejo ele se sentar, um copo fumegante de café em suas mãos.
— Mais ou menos. — Lhe respondo, respirando fundo — Sabe aquele projeto de um novo sistema de dados em que eu estava trabalhando e que mandei para uma startup famosa, sem compromisso?
Os olhos azuis, assim como de Lucas, vão se arregalando lentamente. Meus olhos se perdem com nostalgia por seus traços, agora com mais alguns sinais da idade. Lucas puxou todo ao meu pai, desde os olhos até os cabelos. Já eu, sou meio que uma mistura dos meus pais. Quando pequeno ele sempre brincava que meus olhos eram uma mistura deles dois e não deixa de ser verdade.
— Meu Deus, filho… não vai me dizer que… — Ele balbucia, uma expectativa alegre em seu rosto.
— Sim. Um tubarão de lá, gostou da proposta. Recebi a notícia um pouco antes do campeonato acabar. — Passo as mãos no cabelo, sabendo que terei que dizer a parte mais difícil.
— E por que você não parece feliz com isso? — Meu pai pergunta, pescando algo em minha expressão.
— Estou feliz, de verdade. Essa é uma oportunidade de uma vida. Se eu conseguir o investimento e futuramente o vender, posso ter uma vida ótima daqui para frente.
— Mas… — meu pai instiga, dando um gole em seu café.
— Terei que me mudar pai, para o outro lado do país. O período de avaliação pode levar meses e eles adicionaram a proposta que eu termine a minha graduação em uma universidade de muito renome por lá. — Revelo, vendo a melancolia preencher seus olhos.
— Entendo. — Ele expira pelos lábios, mas quando volta a me fitar, um orgulho puro brilha em seus olhos — Pode ser difícil por um tempo, mas esse é o seu futuro e oportunidades assim devem ser aproveitadas.
Assinto para ele, sabendo que tudo o que ele disse faz sentido, mas…
— É a Sarah, não é? — Meu pai indaga, os olhos astutos em mim.
— O quê? — Pergunto, sem saber como reagir.
— Eu não sou cego, filho. — Ele sorri, um pequeno rasgar de lábios de quem sabe das coisas — Sei que amizade de vocês é sincera, mas reconheço o brilho no seu olhar quando a vê.
Sentindo meu rosto se incendiar, eu balbucio uma resposta, mas paro subitamente, sabendo que é inútil. Meu pai nos acompanha de perto desde que dei os meus primeiros passos. Foi ele que me ensinou a andar, a me banhar, a falar. Foi ele que esteve comigo em cada dia feliz, em cada conquista e em cada crise minha… e foram muitas. Meu temperamento sempre me colocou em situações muito ruins e foi ele que me ensinou a colocar isso em uma rédea curta.
Não há nada sobre mim que esse velho não conheça.
— Eu não sei o que fazer. — Comento por fim, minha voz tão miserável quanto me sinto — Ela não sente o mesmo, nunca foi assim para ela, mas sei lá… eu queria que ao menos…
— Ela soubesse. — Ele completa, a voz serena.
— Porra, sim! — sibilo, muito frustrado.
— Vocês são uma bagunça cheia de hormônios. — Meu pai solta, a risada suave o acompanhando.
— O que quer dizer?
— Nada filho. — Ele balança a cabeça e volta a me encarar com seriedade — Diga a ela, então. Você pode se magoar, mas ao menos tirará isso de sua consciência e poderá seguir com a sua vida.
Fico um tempo pensando no que ele diz e um tipo diferente de determinação vai me fazendo endireitar os ombros.
Sarah tem dominado cada pensamento meu desde moleque. Aprendi a amar o jeito que ela sorri quando quer te animar, o jeito que ela se aproxima de mim quando o dia está uma merda para ela, como se a nossa mera aproximação fosse o suficiente para lhe acalentar.
Porra… amo até o jeito que ela briga comigo quando pego algo de seu prato, mas no final acaba dividindo comigo de qualquer forma.
Cada pedaço dela, desde os mais doces, até os mais sombrios, todos me fazem queimar por ela.
Olho para meu pai decidido.
— Acho que teremos uma declaração hoje hein… — ele brinca e eu sorrio.
— Com toda certeza.
A festa é barulhenta ao meu redor e o pequeno ramo de flores que seguro começa a ficar molhado em minha palma de tanto que estou nervoso. Sei que estou mais do que um par de horas atrasado, mas espero firmemente que ela ainda esteja aqui.
Merda! E se eu chegar suado e fedorento perto dela? É melhor eu ir embora.
Travo minhas pernas no lugar, não querendo recuar depois que tomei minha decisão.
Desvio de muitas tentativas de conversa bêbada do pessoal da faculdade e subo o lance de escadas da fraternidade, procurando por Sarah.
Ela me mandou mensagens o dia inteiro e nervoso como eu estava, acabei ignorando todas. Ela deve estar além de brava comigo.
Abro algumas portas e não a encontro em nenhuma delas. Já um pouco cansado da viagem e de estar nesse constante estado de tensão o dia inteiro, eu pondero ir embora e conversar com Sarah em casa, mas quando passo por uma porta a minha esquerda, eu ouço sua voz.
Pela fresta larga da porta vejo algo que me trava no lugar.
Ela não está sozinha. Lucas está com ela. O morder antigo do ciúme me faz ficar plantado no lugar, algo me dizendo que preciso ir, mas não conseguindo sair dali mesmo assim.
Eu sempre desconfiei que ela tinha uma queda por Lucas, mas a forma com que ela olha para ele agora, me diz que pode ser muito mais que isso.
O oscilar de suas pernas me faz perceber outro detalhe: ela está bêbada.
— Sarah… — Lucas a adverte, se afastando um passo, o olhar confuso.
— O que é… — Sarah retruca, se aproximando mais — Não sou tão boa como metade das vagabundas que você pega?
— Por Deus… — Lucas resmunga — O que há com você?
— Cansei de esconder isso. — Ela enlaça o pescoço de Lucas com determinação.
Tento recuar e não ver o que despedaça meu peito agora, mas acompanho os segundos mais longos da minha vida, onde os lábios dela tocam os dele, as curvas que tanto quis tocar se pressionando em Lucas com intensidade.
Isso dói… achei que a rejeição doeria, mas caralho… isso dói muito mais, pois agora tenho a certeza que nunca terei chance nenhuma com ela.
Fecho meus punhos, a vontade de quebrar tudo a minha volta me dominando. Mas de que adiantaria? Eu só estaria ainda mais furioso no final e sem ela. Sempre sem ela.
Lucas a afasta bruscamente e ela cambaleia com os olhos turvos.
— Porra, Sarah… que merda foi essa? — Lucas sibila.
Observo os lábios de Sarah se separarem para o responder, mas seus olhos me veem, ali parado na porta e com um ridículo ramo de flores na mão.
— Samuel. — Meu nome sai de sua boca, como um sopro, seus olhos se arregalando.
Deixo cair o ramo de flores no chão e ela acompanha o movimento. Algo em sua expressão muda, quando volta a mirar meus olhos, talvez encaixando tudo e percebendo que talvez eu quisesse ser algo mais do que um amigo.
Pro inferno com tudo isso! Viro as costas, algo em meu peito se endurecendo a cada passo que dou.
Eu queria que ela soubesse dos meus sentimentos, antes de eu sair de sua vida… pois bem… agora ambos sabemos muito mais que isso.
Ouço ela me chamar da porta, o indício do choro reverberando em seu timbre, mas não olho para trás e prometo a mim mesmo nunca mais fazer isso.
Nunca mesmo.
SamuelReleio pela terceira vez o parágrafo do livro a minha frente, sem na verdade entender nada. Fecho o livro de economia com força e o repouso na mesa da minha cozinha. Exalo o ar com vigor, deixando que meus pensamentos vaguem para onde eles realmente querem estar: Sarah.Ela ainda está linda. Os cabelos, que na época em que éramos amigos, sempre ficavam curtos na altura das orelhas, agora estão longos, caindo em ondas escuras e brilhantes pelas costas dela. O corpo que sei que se exercita é tonificado na medida da perfeição em alguns pontos, macios em outros. A pele que parece sempre tocada pelo sol, um tom quente e macio. Os seios não são os maiores em que já pus meus olhos, mas são perfeitos.Como seriam a cor de seus mamilos? Ficariam rígidos com meu toque?A cintura estreita destaca os quadris largos, a curva perfeita que aquela bunda empinada faz, tomando minha atenção quando ela foi embora.Tudo nela parece ter sido feito só para o meu desespero, até o rosto.O queixo sua
SarahSinto meus passos soarem no corredor de pisos escuros, como se eu estivesse a por toda a minha vida nas mãos de Samuel. Eu ainda tenho alguns pontos a serem resolvidos com ele e sinceramente não sei qual será o resultado de hoje, mas prefiro não deixar que o nervosismo me leve mais do que já está levando.Empino meu queixo e digo a recepcionista onde quero ir e com quem quero falar.A mulher loira e com uma maquiagem impecável me fita, provavelmente achando engraçado o fato de uma mulher de sapatilhas confortáveis, calças jeans, a melhor que tenho e um suéter bem conservado, querendo falar com o Ceo da empresa.Dirijo-lhe o mesmo olhar que deixo reservado as pessoas arrogantes e ela desvia o olhar, logo depois me liberando a passagem com um rosto vermelho.Sorrio para ela, agora sem nenhum traço do meu gênio, pois eu não sou o tipo de pessoa que se prende a coisas tão bobas.Entro no elevador privativo e o vejo subir, meu olhar travado em meu reflexo.Olhando para os olhos verde
SarahObservo a expressão surpresa de Samuel, enquanto ele mira o meu Mustang preto, a lataria brilhando com o último retoque que meu mecânico de confiança deu.Admito que uma parte minha se envaidece com sua expressão parte confusa e parte admirada.— Sarah... é praticamente uma peça de colecionador. — Ele declara, desviando a atenção para mim, por um breve momento e depois voltando para o carro.— Eu sei. Foi Lins que me deu. Ele era apaixonado por esse carro. — Comento, um sorriso saudoso se pronunciando em mim.— Eu imagino... — Samuel me responde, ainda parecendo encantado.— Se você prometer não ser babaca nas próximas três horas, eu troco contigo e te deixo dirigir. — Digo, enquanto me encaminho para o carro.Abro a porta do motorista e me sento nos bancos de couro bege, aspirando o cheiro de castanhas nele.Samuel abre a porta do passageiro, seu corpo grande tomando o assento ao meu lado.— Você disse três horas? — um grunhido frustrado, sai de seus lábios enquanto ele se move
Sarah“Eu tinha acabado de completar dezesseis anos, o que já é uma idade complicada por si só, ainda mais ligado a um passado traumático, uma paixão não correspondida e umas três rodadas de vodka bem caprichadas.Eu estava uma bagunça, meus cabelos curtos e escuros um pouco revoltos sobre a minha cabeça, o vestido curto que havia comprado exclusivamente para a festa, estava subindo a todo momento e meu rímel já dava sinais de que me deixaria parecida com um panda no dia seguinte.— Você viu com quem Luck saiu meia hora atrás? — Uma das meninas da minha classe, Jen ou Jeny, eu não me lembrava muito bem, havia me perguntado.— Não. — Respondi, engolindo o caroço das lágrimas.— Ela parecia tão madura... desse jeito nunca vamos conseguir uma chance com ele... — Ela se lamuriou, seu tom me parecendo muito irritante.Eu odiava isso. Odiava ter que ouvir minhas colegas de classe dizerem o quanto Lucas era bonito, o quanto ele parecia pegar a todas ou as interesseiras que se aproximavam de
SarahFinalmente eu estaciono em frente à minha casa de fachada acinzentada, as janelas com detalhes em preto. Vejo Samuel observar cada detalhe do lado de fora e os arredores.A casa em si não tem nada de especial, mas o jeito como o imóvel é integrado a vegetação árida, lhe dá um aspecto quase exótico.— Pitoresca. — Samuel comenta e não consigo dizer pelo seu tom se isso foi realmente um elogio.— Fica melhor de dentro, vamos. — Chamo e retiro o cinto, já saindo do carro.Caminho pela trilha de pedras, que eu tanto gosto e abro a porta de uma madeira escura.Sinto o corpo de Samuel as minhas costas e lhe dou passagem para passar.Antes de fechar a porta, eu vejo a vizinha idosa da frente fechar a janela com pressa.Fofoqueira...Balançando a cabeça eu fecho a porta, vendo como Samuel olha cada detalhe da minha simples sala.— A sua casa é muito aconchegante Sarah, mas ainda não estou entendendo o motivo para as três horas naquele carro. — Ele me diz e se vira para me olhar.Um pouc
SamuelAbro o pequeno armário do banheiro, que Sarah me indicou e pego uma toalha branca. Sinto o cheiro delicado e floral que está no tecido e sorrio um pouco.Sarah é do tipo de mulher que se atenta aos mínimos detalhes, antes de chamar uma casa de lar realmente.Passo o tecido macio por minha pele, me secando e depois envolvo a toalha em meu pescoço, procurando no armário as roupas que ela deixa separadas para meu pai.Acho uma calça moletom que fica um pouco curta em minhas pernas, mas serve bem ao propósito de me aquecer durante a noite. Procuro uma camisa, mas o mais próximo disso que consigo, é um casaco longo e largo dele. O coloco e só fecho até a metade do corpo. Me olho no espelho e faço uma careta, percebendo que pareço mais um garoto propaganda de algum pornô de garagem.Retiro o casaco e decido ficar sem camisa mesmo.Se Sarah e eu vamos seguir com essa ideia de casamento ela terá que se habituar a ver um pouco de pele, pois em casa é muito difícil eu ficar de camisa.N
SarahUm som estridente começa a se infiltrar em minha névoa cansada do sono. Abro um pouco meus olhos tiro uma densa mecha de cabelo do meu rosto. Murmurando um palavrão, eu pego o responsável por me tirar de uma noite de sono merecida: meu celular.A irritação vai perdendo lugar para a preocupação, ao perceber que é Nina que me liga repetidamente.— Nina? — pergunto, o celular prensado no ouvido com força, enquanto tiro os cobertores de cima de mim.— Sah... — ela me chama, o timbre tremendo tanto que um arrepio de medo desce por minhas costas — Eu não sabia para onde ir... estou na sua porta, mas não quero acordar seus vizinhos.Meus passos apressados, contornam a caminha de Xerez, que se levanta, eriçando as costas como se sentisse em mim a tensão. Abro a porta do quarto e desço as escadas de três em três.Destranco a minha porta da frente, a iluminação automática revelando o rosto de nina lavado de lágrimas, um corte extenso no lábio inferior, algo que desperta memórias que eu pr
SarahParo o carro na garagem de Nina, como faço desde que ela se mudou para um bairro mais próximo do meu.A casa de fachada azul com delicadas janelas brancas, tem somente uma luz acesa. Desligo o carro e penso bem em como terei que agir daqui para frente.— Contatou seu advogado? — pergunto.— Sim. Faça parecer que foi legítima defesa e ele me garantiu que nos tira de qualquer problema em menos de duas horas. — Samuel me responde, muito tranquilo.— Duas horas? Explicou toda a situação para ele? — pergunto, dividida entre a admiração e a surpresa.— Sim. Acredita em mim, o cara sabe o que faz. Ele pegou um jatinho para cá e chega em menos de uma hora, ele só advertiu para não exagerarmos. — Ele me responde.— Sabe que o que terei que fazer para parecer realmente legítima defesa, certo? — pergunto, não querendo deixar nenhuma ponta solta.Samuel olha firme pela janela do carro e vejo o seu maxilar trabalhar freneticamente.— Um único golpe, Sarah — ele diz autoritário e estou pronta