AgoraSarahAcordo como se algo muito pesado repousasse em minhas pestanas. Minha primeira tentativa de abrir os olhos se da em uma tonteira terrível.Conheço essa sensação. Fui drogada, de novo.As lembranças do que me ocorreu vão desencadeando batidas frenéticas em meu peito, assim como o pavor.Minhas mãos vão ao meu ventre e me sento, mesmo que isso me custe uma onda de náusea terrível. Testo as minhas pernas e meu sexo para ver se sinto alguma dor, mas nada me acomete. Minha barriga também permanece sem ferimentos e eu a apalpo até a exaustão, a possibilidade de terem me tirado meu filho, sendo dura demais.— Seu filho está aí, menina. — Ouço Nicolas me dizer e o procuro com o olhar.O vejo encostado na parede, os braços cruzados e olhar atento em mim.— Demétrio... ele ... — começo a dizer minha língua um pouco pesada.— Ele viajou assim que a deixou aqui, não se preocupe. Ele sempre foi um moleque que não aguentava ver as próprias atrocidades, então foi a algum lugar, fingir qu
Sarah Um movimento me faz despertar e levanto minha cabeça, sentindo-a latejar em resposta. — Está doendo muito? — Ouço a voz grave de Samuel me perguntar, a raiva nítida em seu tom. Olho bem para ele, cada traço, até as imperfeições e sentindo as lágrimas me encherem os olhos, eu o abraço, não sabendo quando que terei o suficiente dele. — Eu pensei que nunca mais fosse te ver... Meu Deus, eu odeio todos eles. — Esbravejo, agarrada a sua camisa. Sinto outro tranco e percebo que estamos em um carro, esse que segue em alta velocidade. — Ren? — Chamo, olhando desesperadamente no banco da frente. — Fala, patroa. — ele me cumprimenta, sua voz sempre cheia de charme, me enchendo o peito — Esse pessoal é meio barra pesada, sabe...acho que quero um aumento. Samuel me puxa para seu peito novamente e sinto a risada no vibrar de seu peito. — Fale com o cara das finanças. — Respondo a ele, aproveitando esse pequeno intervalo nessa loucura toda, antes que eu me veja obrigada a reconhecer
Sarah Eu tenho ouvido muito sobre como é normal se sentir emotiva durante a gravidez, como é necessário ter uma certa paciência e isso de certa forma me chateia, pois eu sei que não só os hormônios da gravidez, que me fazem correr para os braços de Silos nesse momento e chorar em seu ombro como uma criança. É saudade e uma boa dose do revés de ter tido uma das piores experiências da minha vida, essa que me mostrou como os laços se estreitam no medo, na incerteza. Eu tive momentos ruins naquele quarto, em que me senti presa, presa em algum tipo de piada ruim do destino. Tive decisões importantes lá e depois disso, uma delas, sendo essa, de valorizar cada pequeno momento com quem amo. Sinto como Silos me aperta firme, uma sensação de afago, proteção me cercando. Samuel teve uma longa conversa com Silos e Lucas pelo telefone, tendo que contar a eles, claro, omitindo as piores coisas, sobre os acontecimentos na Europa. Silos, que já vinha planejando suas férias, as retirou as pressa
Sarah Existem momentos que ficam marcados em você como fogo. Deitada nessa cama, vendo a médica passar o gel no pequeno ovo que se resume a minha barriga, a sensação de estar sendo marcada só aumenta. Há cerca de doze horas atrás eu estava nos braços de Samuel na cama, com ele me dizendo quantas vezes foram necessárias que a consulta com o médico para descobrir o sexo do bebe correria bem, que tínhamos tomado a decisão correta em tentar descobrir. Uma parte de mim queria prolongar a espera, apreciar as pequenas descobertas, mas após tantos contratempos e decisões difíceis, eu decidi que as surpresas agora se restringiriam a pequeníssimas coisas. Meu olhar encontra o de Samuel, o carinho e a expectativa que vejo ali, me dizendo que ele está na mesma situação que eu, que ele entende. — Nervosos? — O doutor de aparência quase nórdica, nos pergunta. — Muito. — Admito, vendo na tela pequena, uma pequena forma aparecer. — Muito bem... vai valer cada cabelo branco, garanto a você
Sarah Dois anos e seis meses depois...Minha visão embasbacada encara o homem nu ao meu lado. Samuel se vira, o rosto perdido naquela expressão serena de quem está em um sono tranquilo, os lábios cheios um pouco separados, uma respiração constante.Lindo.Ele envolve o braço pesado em minha cintura, a mão subindo em direção ao meu seio e eu o olho segurando o riso.— Não vai fingir que ainda dorme, vai? — provoco, sabendo que ele está entre o sono e entre a realidade.— Não sei... se eu o fizer, vai te fazer ficar mais aqui comigo? — ele me responde, a voz rouca e uma ereção poderosa se enrijecendo em minha coxa.Penso nos nossos momentos de algumas horas atrás, das carícias trocadas, do sexo, primeiro afoito e depois mais tranquilo que fizemos.— Seria perfeito, mas sabe que hoje não posso. — Digo, percebendo o desânimo em meu tom.— Merda... eu esqueci que era hoje. — Ele me diz, se sentando e esfregando o rosto.— Ta tudo bem, se quiser pode ficar. — Digo, sendo sincera.— Nem ve
SarahMerda. Merda. Merda. Torço minhas mãos no colo, sem entender como tive a coragem de vir a esse lugar.Meus olhos passeiam pelo escritório arejado, uma parede inteira de janelas panorâmicas a minha frente. A mesa organizada e de tons escuros combina com os tons frios de chumbo das paredes. A estante de livros ao meu lado me chamando a atenção.Merda. Ele vai me comer viva.Semanas atrás, eu recebi a ligação do advogado que cuida do caso da minha mãe a anos e quando ele me disse estar abandonando o caso dela, me desesperei. Tentamos um recurso para a pena dela a anos e logo agora que havíamos conseguido um progresso, ele decide abandonar o caso.Ela ainda não aceita me receber. Todo mês, entretanto, eu faço meu caminho até a penitenciária dela. É um caminho infrutífero, mas gosto de pensar que ao menos estou um pouco mais próxima a ela.Tentei achar um advogado que aceitasse os honorários que meu cargo de assistente social me permite dar, mas ninguém quis aceitar um caso que, pa
SarahParaliso, um riso histérico querendo brotar bem no meio de minha garganta, inibindo temporariamente o fato de que estou muito irritada com ele.Samuel continua lá me encarando, como se ele não tivesse acabado de dizer, que quer um casamento em troca de cuidar do caso da minha mãe.Ele enlouqueceu?— Me diz que isso é alguma piada interna sua. — Peço, minha irritação voltando com rapidez.Samuel se levanta, toda sua altura e corpo forte me distraindo momentaneamente. Ele da a volta na mesa, se sentando nela e parando bem a minha frente, me obrigando a levantar o pescoço para encará-lo.— Eu não brincaria com um assunto desse, Sarah. — Ele me diz, a voz grave me despertando, para o fato de que ele realmente fala sério.— Você enlouqueceu? — esbravejo, me levantando e nivelando um pouco nosso olhar.— Não. — Ele responde, sucinto.— Samuel, nos estamos no século vinte e um, pelo amor de Deus! — Levanto minhas mãos, gesticulando o quanto isso tudo é loucura.— Arranjos assim são fei
SarahO percurso até minha casa se torna um pouco mais árduo do que achei possível. Meu Mustang dá sinais de que a última manutenção foi muito efetiva, o motor roncando poderoso.Já pensei em vende-lo para algum colecionador diversas vezes, mas desde que o ganhei da herança do senhor Lins, eu me tornei um pouco apegada demais. Ele faleceu a dois anos atrás. Sem filhos e sem nenhum parente próximo, seu humilde testamento, foi divido em alguns amigos próximos de Lins. Eu sabia que Lins me tinha como uma antiga amiga, pois eu já treinava com ele a mais de oito anos, claro que depois que comecei a trabalhar efetivamente como assistente social, meus treinos foram seriamente reduzidos a poucas horas na semana, mas o que valia eram as conversas tranquilas que tínhamos antes de cada treino. Lins era um homem de quase sessenta anos, mas com um humor vivaz e muita perspicácia. Mesmo quando me mudei para uma cidade vizinha, eu ainda me deslocava sempre que podia para lá. Foi uma grata surpres