Sarah
Merda. Merda. Merda.
Torço minhas mãos no colo, sem entender como tive a coragem de vir a esse lugar.
Meus olhos passeiam pelo escritório arejado, uma parede inteira de janelas panorâmicas a minha frente. A mesa organizada e de tons escuros combina com os tons frios de chumbo das paredes. A estante de livros ao meu lado me chamando a atenção.
Merda. Ele vai me comer viva.
Semanas atrás, eu recebi a ligação do advogado que cuida do caso da minha mãe a anos e quando ele me disse estar abandonando o caso dela, me desesperei. Tentamos um recurso para a pena dela a anos e logo agora que havíamos conseguido um progresso, ele decide abandonar o caso.
Ela ainda não aceita me receber.
Todo mês, entretanto, eu faço meu caminho até a penitenciária dela. É um caminho infrutífero, mas gosto de pensar que ao menos estou um pouco mais próxima a ela.
Tentei achar um advogado que aceitasse os honorários que meu cargo de assistente social me permite dar, mas ninguém quis aceitar um caso que, para eles, é pura perda de tempo.
Desesperada e admito, muito regada a vinho, eu olhei uma notícia de que o conglomerado das empresas de Samuel havia adquirido recentemente uma das maiores corporações de advocacia do país.
Bêbada e muito confusa, eu mandei um e-mail em meu nome para um dos e-mails que Lucas havia me dado anos atrás. Nunca em mais de sete anos, eu tentei entrar em contato de novo com Samuel e minha cabeça alcoolizada não achou que ele iria responder de qualquer forma.
Merda… o filho da mãe me respondeu.
O e-mail que ele me mandou foi frio e impessoal, tanto que uma parte minha, aquela que se dói até hoje por perder sua amizade, estremeceu em mim.
Ponderei deixar de vir e não mexer mais nessa ferida constantemente aberta que se tornou nosso relacionamento, mas a chance de poder tirar minha mãe daquele lugar falou mais alto. Aquela mulher está apodrecendo naquela cadeia a anos por mim, então acho que consigo engolir meu orgulho um pouco.
Depois daquela noite desastrosa, eu tentei uma única vez conversar com Samuel antes de ele ir embora, mas a forma que ele me olhou, como se tivesse se fechado de vez para mim, me calou e machucou mais do que um dia admitirei.
Passo as mãos nervosas pelos meus fios, que agora caem em ondas grossas e escuras por minhas costas, pensando que talvez eu devesse ter caprichado mais na hora de me vestir. Não é que a calça jeans apertada seja de uma lavagem ruim, mas o tecido já está mais gasto do que pensei. Meus tênis confortáveis também já viram dias melhores, mas também não é como se eu quisesse impressionar.
Não é?
Ouço a porta se abrir e fechar as minhas costas e me empertigo inteira na cadeira, a postura de menina insegura dando lugar a mulher guerreira que sei que sou.
Posso estar ferrada, sem dinheiro e precisando muito da ajuda dele, mas nunca abaixarei a minha cabeça.
Silos sempre me disse que tenho uma veia lutadora em mim que sempre prevalece. Posso estar à beira de um colapso, mas sempre me ponho a postos para a briga.
Seu perfume amadeirado chega a mim antes de sua figura de fato e constatar o quanto o aroma mexe comigo, é desconcertante.
Seus ombros largos estão em uma camisa social simples, o colarinho aberto no peitoral.
Samuel nunca gostou de nada muito apertado em seu pescoço, nem mesmo cordões, ele usava.
Meus olhos se desviam muito singelamente para suas coxas grossas, bem delineadas pelo tecido escuro da calça de alfaiataria.
Ele sempre foi um homem grande…, mas porra…
Subo meus olhos constrangidos para seu rosto e praguejo mentalmente, encarando os olhos que foram meu porto seguro por muitos anos, mas que agora me encaram como se fitasse uma estranha.
Reprimo a onda de dor em meu peito, com sua indiferença. Algo em meu peito, parece ter despertado anos atrás depois que descobri que Samuel nutria sentimentos por mim. Não é como se eu, do nada, descobrisse, que o amo apaixonadamente, mas uma sensação estranha ficou em mim: e se eu tivesse sido menos cega e dado uma chance?
Eu nunca saberei, pois magoei meu amigo o suficiente para ele me cortar da sua vida, como se eu nunca tivesse estado lá.
— Sarah. — Samuel cumprimenta, a voz grossa parecendo fria.
Pigarreio, não querendo que seu olhar congelante me intimide. Meus olhos passeiam pelos traços amadurecidos que parecem ter adquirido uma sensualidade quase obscena, os cabelos loiros escuros cortados rentes nas laterais e mais ondulados no topo.
— Obrigada por aceitar me receber. — Começo, não gostando nada de estar sob seu olhar atento — É uma questão urgente.
— Eu sei. — Samuel me diz, se recostando na cadeira.
— Sabe? — Guincho, um pouco confusa.
— O advogado da sua mãe abandonou o caso e você achou conveniente voltar a falar comigo. — Ele solta, a voz carregada de um veneno que nunca o vi usar.
— Certo. — Pauso, tentando controlar meu gênio — Te procurei, sim, pois estou em uma situação difícil, mas se você quiser ser um babaca com isso vou embora.
Me levanto, os punhos cerrados.
— Vai mesmo ir e perder à oportunidade de conseguir um advogado decente para sua mãe? — ele sonda, um sorriso cruel se esticando nos lábios sensuais.
Olho para ele, sem reconhecer o homem arrogante a minha frente.
— Meu Deus, Samuel… o que houve com você? — Sibilo, minha voz incrédula.
— Sente-se aí. — Ele retruca, a voz autoritária.
Sinto uma veia começar a pulsar furiosa me minha testa com o tom que ele usa.
— Se você pensa que vou ficar aqui e aturar suas merdas, está muito enganado. — Digo, já me virando e pisando duro até a porta.
— Se você passar por essa porta, perderá a sua melhor chance de tirar sua mãe de lá. — Samuel me diz, a voz muito tranquila.
Paraliso com a mão na maçaneta, meu orgulho brigando ferozmente comigo, por me virar com uma expressão neutra e me sentar exatamente do jeito que o filho da mãe mandou.
— O que você quer de mim? — Pergunto, meus dentes tão cerrados que chega a doer.
Samuel me encara como se eu fosse uma criança birrenta, levando todo o seu tempo para me responder.
Babaca.
— Eu te dou todo o apoio que quiser. Os melhores advogados que o dinheiro pode comprar, enquanto o processo de sua mãe durar, mas existe algo que você terá que suprir para mim. — Ele me diz, a voz toda negócios.
Franzo as sobrancelhas, não entendendo. O que eu poderia dar a um homem que já tem tudo.
— O que é? — pergunto, mais do que impaciente.
— Você. — Ele diz, os olhos de cores diferentes mirados nos meus com intensidade — Quero que se case comigo.
SarahParaliso, um riso histérico querendo brotar bem no meio de minha garganta, inibindo temporariamente o fato de que estou muito irritada com ele.Samuel continua lá me encarando, como se ele não tivesse acabado de dizer, que quer um casamento em troca de cuidar do caso da minha mãe.Ele enlouqueceu?— Me diz que isso é alguma piada interna sua. — Peço, minha irritação voltando com rapidez.Samuel se levanta, toda sua altura e corpo forte me distraindo momentaneamente. Ele da a volta na mesa, se sentando nela e parando bem a minha frente, me obrigando a levantar o pescoço para encará-lo.— Eu não brincaria com um assunto desse, Sarah. — Ele me diz, a voz grave me despertando, para o fato de que ele realmente fala sério.— Você enlouqueceu? — esbravejo, me levantando e nivelando um pouco nosso olhar.— Não. — Ele responde, sucinto.— Samuel, nos estamos no século vinte e um, pelo amor de Deus! — Levanto minhas mãos, gesticulando o quanto isso tudo é loucura.— Arranjos assim são fei
SarahO percurso até minha casa se torna um pouco mais árduo do que achei possível. Meu Mustang dá sinais de que a última manutenção foi muito efetiva, o motor roncando poderoso.Já pensei em vende-lo para algum colecionador diversas vezes, mas desde que o ganhei da herança do senhor Lins, eu me tornei um pouco apegada demais. Ele faleceu a dois anos atrás. Sem filhos e sem nenhum parente próximo, seu humilde testamento, foi divido em alguns amigos próximos de Lins. Eu sabia que Lins me tinha como uma antiga amiga, pois eu já treinava com ele a mais de oito anos, claro que depois que comecei a trabalhar efetivamente como assistente social, meus treinos foram seriamente reduzidos a poucas horas na semana, mas o que valia eram as conversas tranquilas que tínhamos antes de cada treino. Lins era um homem de quase sessenta anos, mas com um humor vivaz e muita perspicácia. Mesmo quando me mudei para uma cidade vizinha, eu ainda me deslocava sempre que podia para lá. Foi uma grata surpres
SamuelAntes....A mensagem de Sarah brilha uma última vez antes de eu bloquear a tela mais uma vez. Eu não sei o que fazer.A oportunidade que tenho nesse investimento é enorme, mas… ter que largar tudo assim…Minha moto, já um pouco gasta, percorre as estradas bem cuidadas do centro e quando percebo já estou em frente ao hospital de Lírio. Preciso encontrar meu pai. Ainda que eu nem tenha ideia de como abordar o assunto com ele. Vou entristecê-lo, sei que vou. Meu pai ama que estejamos todos a sua volta, debaixo de sua proteção.Caminho devagar, encolhendo um pouco os ombros a fim de não chamar tanto a atenção. Desde meu primeiro estirão de crescimento, eu tenho essa sensação interna de ter que curvar um pouco os ombros e não me destacar tanto.Ser alto não é só o problema, há também toda essa massa que ganho com os exercícios severos do esporte. Faz um certo sucesso com as garotas da minha idade, mas meio que não gosto muito da atenção exagerada. Quem gosta disso é Lucas.A única
SamuelReleio pela terceira vez o parágrafo do livro a minha frente, sem na verdade entender nada. Fecho o livro de economia com força e o repouso na mesa da minha cozinha. Exalo o ar com vigor, deixando que meus pensamentos vaguem para onde eles realmente querem estar: Sarah.Ela ainda está linda. Os cabelos, que na época em que éramos amigos, sempre ficavam curtos na altura das orelhas, agora estão longos, caindo em ondas escuras e brilhantes pelas costas dela. O corpo que sei que se exercita é tonificado na medida da perfeição em alguns pontos, macios em outros. A pele que parece sempre tocada pelo sol, um tom quente e macio. Os seios não são os maiores em que já pus meus olhos, mas são perfeitos.Como seriam a cor de seus mamilos? Ficariam rígidos com meu toque?A cintura estreita destaca os quadris largos, a curva perfeita que aquela bunda empinada faz, tomando minha atenção quando ela foi embora.Tudo nela parece ter sido feito só para o meu desespero, até o rosto.O queixo sua
SarahSinto meus passos soarem no corredor de pisos escuros, como se eu estivesse a por toda a minha vida nas mãos de Samuel. Eu ainda tenho alguns pontos a serem resolvidos com ele e sinceramente não sei qual será o resultado de hoje, mas prefiro não deixar que o nervosismo me leve mais do que já está levando.Empino meu queixo e digo a recepcionista onde quero ir e com quem quero falar.A mulher loira e com uma maquiagem impecável me fita, provavelmente achando engraçado o fato de uma mulher de sapatilhas confortáveis, calças jeans, a melhor que tenho e um suéter bem conservado, querendo falar com o Ceo da empresa.Dirijo-lhe o mesmo olhar que deixo reservado as pessoas arrogantes e ela desvia o olhar, logo depois me liberando a passagem com um rosto vermelho.Sorrio para ela, agora sem nenhum traço do meu gênio, pois eu não sou o tipo de pessoa que se prende a coisas tão bobas.Entro no elevador privativo e o vejo subir, meu olhar travado em meu reflexo.Olhando para os olhos verde
SarahObservo a expressão surpresa de Samuel, enquanto ele mira o meu Mustang preto, a lataria brilhando com o último retoque que meu mecânico de confiança deu.Admito que uma parte minha se envaidece com sua expressão parte confusa e parte admirada.— Sarah... é praticamente uma peça de colecionador. — Ele declara, desviando a atenção para mim, por um breve momento e depois voltando para o carro.— Eu sei. Foi Lins que me deu. Ele era apaixonado por esse carro. — Comento, um sorriso saudoso se pronunciando em mim.— Eu imagino... — Samuel me responde, ainda parecendo encantado.— Se você prometer não ser babaca nas próximas três horas, eu troco contigo e te deixo dirigir. — Digo, enquanto me encaminho para o carro.Abro a porta do motorista e me sento nos bancos de couro bege, aspirando o cheiro de castanhas nele.Samuel abre a porta do passageiro, seu corpo grande tomando o assento ao meu lado.— Você disse três horas? — um grunhido frustrado, sai de seus lábios enquanto ele se move
Sarah“Eu tinha acabado de completar dezesseis anos, o que já é uma idade complicada por si só, ainda mais ligado a um passado traumático, uma paixão não correspondida e umas três rodadas de vodka bem caprichadas.Eu estava uma bagunça, meus cabelos curtos e escuros um pouco revoltos sobre a minha cabeça, o vestido curto que havia comprado exclusivamente para a festa, estava subindo a todo momento e meu rímel já dava sinais de que me deixaria parecida com um panda no dia seguinte.— Você viu com quem Luck saiu meia hora atrás? — Uma das meninas da minha classe, Jen ou Jeny, eu não me lembrava muito bem, havia me perguntado.— Não. — Respondi, engolindo o caroço das lágrimas.— Ela parecia tão madura... desse jeito nunca vamos conseguir uma chance com ele... — Ela se lamuriou, seu tom me parecendo muito irritante.Eu odiava isso. Odiava ter que ouvir minhas colegas de classe dizerem o quanto Lucas era bonito, o quanto ele parecia pegar a todas ou as interesseiras que se aproximavam de
SarahFinalmente eu estaciono em frente à minha casa de fachada acinzentada, as janelas com detalhes em preto. Vejo Samuel observar cada detalhe do lado de fora e os arredores.A casa em si não tem nada de especial, mas o jeito como o imóvel é integrado a vegetação árida, lhe dá um aspecto quase exótico.— Pitoresca. — Samuel comenta e não consigo dizer pelo seu tom se isso foi realmente um elogio.— Fica melhor de dentro, vamos. — Chamo e retiro o cinto, já saindo do carro.Caminho pela trilha de pedras, que eu tanto gosto e abro a porta de uma madeira escura.Sinto o corpo de Samuel as minhas costas e lhe dou passagem para passar.Antes de fechar a porta, eu vejo a vizinha idosa da frente fechar a janela com pressa.Fofoqueira...Balançando a cabeça eu fecho a porta, vendo como Samuel olha cada detalhe da minha simples sala.— A sua casa é muito aconchegante Sarah, mas ainda não estou entendendo o motivo para as três horas naquele carro. — Ele me diz e se vira para me olhar.Um pouc