SarahObservo a expressão surpresa de Samuel, enquanto ele mira o meu Mustang preto, a lataria brilhando com o último retoque que meu mecânico de confiança deu.Admito que uma parte minha se envaidece com sua expressão parte confusa e parte admirada.— Sarah... é praticamente uma peça de colecionador. — Ele declara, desviando a atenção para mim, por um breve momento e depois voltando para o carro.— Eu sei. Foi Lins que me deu. Ele era apaixonado por esse carro. — Comento, um sorriso saudoso se pronunciando em mim.— Eu imagino... — Samuel me responde, ainda parecendo encantado.— Se você prometer não ser babaca nas próximas três horas, eu troco contigo e te deixo dirigir. — Digo, enquanto me encaminho para o carro.Abro a porta do motorista e me sento nos bancos de couro bege, aspirando o cheiro de castanhas nele.Samuel abre a porta do passageiro, seu corpo grande tomando o assento ao meu lado.— Você disse três horas? — um grunhido frustrado, sai de seus lábios enquanto ele se move
Sarah“Eu tinha acabado de completar dezesseis anos, o que já é uma idade complicada por si só, ainda mais ligado a um passado traumático, uma paixão não correspondida e umas três rodadas de vodka bem caprichadas.Eu estava uma bagunça, meus cabelos curtos e escuros um pouco revoltos sobre a minha cabeça, o vestido curto que havia comprado exclusivamente para a festa, estava subindo a todo momento e meu rímel já dava sinais de que me deixaria parecida com um panda no dia seguinte.— Você viu com quem Luck saiu meia hora atrás? — Uma das meninas da minha classe, Jen ou Jeny, eu não me lembrava muito bem, havia me perguntado.— Não. — Respondi, engolindo o caroço das lágrimas.— Ela parecia tão madura... desse jeito nunca vamos conseguir uma chance com ele... — Ela se lamuriou, seu tom me parecendo muito irritante.Eu odiava isso. Odiava ter que ouvir minhas colegas de classe dizerem o quanto Lucas era bonito, o quanto ele parecia pegar a todas ou as interesseiras que se aproximavam de
SarahFinalmente eu estaciono em frente à minha casa de fachada acinzentada, as janelas com detalhes em preto. Vejo Samuel observar cada detalhe do lado de fora e os arredores.A casa em si não tem nada de especial, mas o jeito como o imóvel é integrado a vegetação árida, lhe dá um aspecto quase exótico.— Pitoresca. — Samuel comenta e não consigo dizer pelo seu tom se isso foi realmente um elogio.— Fica melhor de dentro, vamos. — Chamo e retiro o cinto, já saindo do carro.Caminho pela trilha de pedras, que eu tanto gosto e abro a porta de uma madeira escura.Sinto o corpo de Samuel as minhas costas e lhe dou passagem para passar.Antes de fechar a porta, eu vejo a vizinha idosa da frente fechar a janela com pressa.Fofoqueira...Balançando a cabeça eu fecho a porta, vendo como Samuel olha cada detalhe da minha simples sala.— A sua casa é muito aconchegante Sarah, mas ainda não estou entendendo o motivo para as três horas naquele carro. — Ele me diz e se vira para me olhar.Um pouc
SamuelAbro o pequeno armário do banheiro, que Sarah me indicou e pego uma toalha branca. Sinto o cheiro delicado e floral que está no tecido e sorrio um pouco.Sarah é do tipo de mulher que se atenta aos mínimos detalhes, antes de chamar uma casa de lar realmente.Passo o tecido macio por minha pele, me secando e depois envolvo a toalha em meu pescoço, procurando no armário as roupas que ela deixa separadas para meu pai.Acho uma calça moletom que fica um pouco curta em minhas pernas, mas serve bem ao propósito de me aquecer durante a noite. Procuro uma camisa, mas o mais próximo disso que consigo, é um casaco longo e largo dele. O coloco e só fecho até a metade do corpo. Me olho no espelho e faço uma careta, percebendo que pareço mais um garoto propaganda de algum pornô de garagem.Retiro o casaco e decido ficar sem camisa mesmo.Se Sarah e eu vamos seguir com essa ideia de casamento ela terá que se habituar a ver um pouco de pele, pois em casa é muito difícil eu ficar de camisa.N
SarahUm som estridente começa a se infiltrar em minha névoa cansada do sono. Abro um pouco meus olhos tiro uma densa mecha de cabelo do meu rosto. Murmurando um palavrão, eu pego o responsável por me tirar de uma noite de sono merecida: meu celular.A irritação vai perdendo lugar para a preocupação, ao perceber que é Nina que me liga repetidamente.— Nina? — pergunto, o celular prensado no ouvido com força, enquanto tiro os cobertores de cima de mim.— Sah... — ela me chama, o timbre tremendo tanto que um arrepio de medo desce por minhas costas — Eu não sabia para onde ir... estou na sua porta, mas não quero acordar seus vizinhos.Meus passos apressados, contornam a caminha de Xerez, que se levanta, eriçando as costas como se sentisse em mim a tensão. Abro a porta do quarto e desço as escadas de três em três.Destranco a minha porta da frente, a iluminação automática revelando o rosto de nina lavado de lágrimas, um corte extenso no lábio inferior, algo que desperta memórias que eu pr
SarahParo o carro na garagem de Nina, como faço desde que ela se mudou para um bairro mais próximo do meu.A casa de fachada azul com delicadas janelas brancas, tem somente uma luz acesa. Desligo o carro e penso bem em como terei que agir daqui para frente.— Contatou seu advogado? — pergunto.— Sim. Faça parecer que foi legítima defesa e ele me garantiu que nos tira de qualquer problema em menos de duas horas. — Samuel me responde, muito tranquilo.— Duas horas? Explicou toda a situação para ele? — pergunto, dividida entre a admiração e a surpresa.— Sim. Acredita em mim, o cara sabe o que faz. Ele pegou um jatinho para cá e chega em menos de uma hora, ele só advertiu para não exagerarmos. — Ele me responde.— Sabe que o que terei que fazer para parecer realmente legítima defesa, certo? — pergunto, não querendo deixar nenhuma ponta solta.Samuel olha firme pela janela do carro e vejo o seu maxilar trabalhar freneticamente.— Um único golpe, Sarah — ele diz autoritário e estou pronta
NinaO som da porta se fechando é tudo que preciso para que a tremedeira me tome de vez. Olho para a sala de Sarah, o ambiente familiar aliviando um pouco o peso em meu peito.Subo as escadas devagar, sentindo como cada passo me custa um pouco do meu controle.Como eu pude ser tão tola? Não era eu, que sempre dizia como agiria diferente das mulheres agredidas? Eu não dizia que saberia discernir os sinais e que nunca, em hipótese alguma, me tornaria mais uma dentre muitas nas estatísticas?Porra, eu me tornei só mais uma.Depois de tudo que passei até chegar aqui, eu deixei um babaca qualquer me agredir.Sinto algumas lágrimas descerem livres por meu rosto e não tento pará-las.“Nada disso é sua culpa e não deixe que esse infeliz te tire mais nada.” Sarah havia me dito.Paro um pouco na escada, minha mão apertando o corrimão com força e fecho os olhos, tentando ordenar meus pensamentos.Eu não tenho culpa do infeliz se achar no direito de fazer o que ele fez. Não fui eu a tornar outra
SarahEspreito através da minha caneca de chocolate quente, os rostos em volta da bancada da minha cozinha. Depois de uma volta para casa no mínimo constrangedora, todos nos instalamos na minha cozinha com expressões muito diferentes.Dylan estava taciturno, encarando os papéis a sua frente, como se eles tivessem a cura para o câncer.Samuel digitava algo em seu celular, as olheiras debaixo dos seus olhos, me dizendo que o pouco tempo que passou comigo, já o mostrou que sou um poço de problemas.Bom... talvez assim ele desista dessa ideia ridícula de casamento.Nina tentava furiosamente não ficar encarando Dylan, enquanto bebericava o café que ela preparou.Eu só os observava com um misto de cansaço e curiosidade.A ideia de lhes preparar algo para beber foi de Nina, talvez querendo preencher o silêncio constrangedor, com alguma função.Eles optaram pelo café, apesar de eu não ter visto Samuel sequer encostar na caneca. Eu fiz um chocolate quente, com toda coragem que ainda tinha, poi