Três dias se passaram e como prometido, David entrou em contato comigo. Márcia tinha me dado seu celular, adaptando o aparelho para meu próprio uso. Não me opus a isso, ela parecia ter algo em mente, então confiei nela. Combinamos de nos encontrar em um restaurante, mas deixei claro que ele não precisava me buscar. A ideia de ficar com ele dentro de um carro, mesmo que por um curto espaço de tempo era grotesco. Vesti uma calça jeans e uma regata preta. Prendi meus cabelos em rabo de cavalo e optei por não usar maquiagem, mantendo minha aparência mais normal possível. Não iria passar a impressão errada para aquele cretino. Olhei para o celular, nervosa. David tinha marcado nossa “reunião” ao entardecer e isso levantou sinais de alerta alarmantes. Olhei o pequeno equipamento que Mauro me entregou antes de sair, instruindo-me a esconder entre minhas roupas. Era algum aparelho de escuta, então tudo o que eu deveria fazer era conseguir uma confissão. Porém, duvido muito que David caia e
Quando recobrei a consciência, minha cabeça latejava de dor. Só então encarei a realidade de que o plano tinha ido pelo ralo. Percebi que estava no chão sujo de algo que julguei ser o velho galpão da cidade. Felizmente estava sozinha e não estava amarrada, o que me deu tempo de olhar em volta e procurar algo que eu pudesse usar para me defender. A luz era mínima, mas foi o bastante para me familiarizar com o lugar. Encontrei um prego enferrujado em alguns escombros e o guardei no bolso da calça. Estar com o prego me daria uma vantagem. Se David aparecesse sozinho, eu poderia usar o objeto contra ele e criar um curto espaço de tempo para escapar. Mas se houverem mais pessoas, teria que ser criativa com a situação. Sentimentos conflitantes dominavam meus pensamentos. Rafael perceberia que a escuta não estava comigo? Saberia onde me encontrar? Chegaria a tempo de algo pior acontecer? Por mais que eu odiasse admitir, estava com medo, assustada com o desenrolar da situação e a incerteza
O que se seguiu foi uma série de acontecimentos difíceis de explicar. A polícia chegou ao lugar com uma rapidez assombrosa, seguido por uma ambulância. Recebi os primeiros socorros enquanto David urrava de dor e fazia ameaças enquanto era levado. Para a sorte dele, a bala o acertou de raspão, além do prego enferrujado em seu braço. Esperava que o desgraçado sentisse muita dor no hospital. Homens como ele não mereciam ter a mínima dignidade. Os policiais pegaram meu depoimento e me pediram para fazer exames de corpo de delito. Eu iria prestar queixa contra ele pelo que aconteceu. E com as provas que Márcia tinha entregado e os relatórios de fraude de Jorge, as acusações contra David iriam aumentar. Uma parte do pesadelo tinha acabado, graças a Deus. Agora faltava o mandante. O pai da filha de Márcia. Olhei para ela enquanto os policiais pegavam seu depoimento e notei suas mãos trêmulas. Por mais demonstrações de exaustão que seu corpo apresentasse, seu rosto não deixara transparec
Nada como viver um dia de cada vez.Eu não tinha muito que reclamar da minha vida, já que a mesma realmente era uma droga. Sempre mantive a cabeça no lugar e procurava resolver meus problemas da melhor forma possível, apesar de muitas vezes ser feita de trouxa. Nessa hora, deveria estar trabalhando em meu projeto, mas ao contrário do que eu queria, vim ajudar uma amiga na lanchonete onde trabalha. Ficar devendo favores aos outros é uma droga. O favor em questão era em uma pequena lanchonete gerenciada pela carismática Emília Souza, uma senhora de idade que sofre de artrite reumatoide, uma doença inflamatória crônica que afetou as articulações de suas mãos e pés, causando um inchaço doloroso. Comovi-me com essa senhora, principalmente por ter que lidar com pessoas sem responsabilidades. Deixei-a anotando os pedidos enquanto eu preparava e entregava os mesmos para os clientes.Depois de lavar mais uma remessa de louça suja, apoiei o rosto em uma das mãos com um suspiro. As chances de s
– Com licença.Uma voz firme chamou minha atenção antes mesmo de sentir a sua presença. Fechei os olhos, resmungando a minha má sorte e olhei para trás. O “deus grego” me olhava com curiosidade.– O que deseja, senhor?– Gostaria de saber a razão pela qual não fui atendido pela senhorita.Arqueei a sobrancelha, considerando-o louco.– Eu não trabalho aqui, estava ajudando uma amiga. – Respondo com educação olhando-o nos olhos por um instante. Vejo meu blazer no chão com uma marca de sapato no mesmo. Peguei-o do chão e tento esconder minha frustração ao olhar para ele. – Que já o estava atendendo há poucos minutos.– Ela não era a mais qualificada para me atender.– E por acaso eu sou?Seu olhar percorreu o meu corpo, que responde com um tremor involuntário.– Talvez.O terno preto impecável cobria perfeitamente seus ombros largos e sua pele cor de caramelo arrancava suspiros das mulheres. Levantei a cabeça para olhar-lhe nos olhos âmbar, que me sondaram com curiosidade. Sua boca era
As pessoas à minha volta ofegaram e alguém tentou me puxar pela blusa. Empurrei-o firmemente, mas sem machucar. E daí que se machucasse? Ninguém me queria aqui.Cruzei os braços em frente ao corpo e não falei mais nada. Um silêncio mortal caiu sobre nós me deixando ainda mais nervosa. Um brilho bem humorado surgiu nos olhos dele, mas sua voz soava fria e profissional:– Não sei do que está falando Srtª, mas sugiro que pare com esses argumentos estúpidos. – Levantou e deu um passo em minha direção.- Acho que tenho um ponto, já que você está aqui. Qualquer pessoa em seu juízo perfeito reagiria da mesma forma.Era uma desculpa fraca e o estranho sabia disso. Ele inclinou em minha direção e eu pude sentir sua respiração em meu pescoço. Ficando próximo a mim, sentenciou: – Você não vai gostar dos resultados se agir assim. Senti-me pequena e indefesa como nunca me senti antes. Não chegava nem aos ombros dele e precisei fazer um esforço para esconder meu espanto. Nossos olhares se cruzara
No dia seguinte, cheguei ao trabalho um pouco mais cedo, não sei se fora por impulso ou porque não queria ver ninguém. O fato foi que, às sete da manhã, eu já estava em frente ao casarão. O pessoal só começaria a chegar às oito, o que me daria tempo de me recompor e enfrentar olhares indesejados. Como de costume, joguei a bolsa sobre a escrivaninha e andei de um lado para o outro, tentando imaginar o que o destino me aguardava naquele dia.Quem era aquele cara, afinal? Relembrando o dia anterior, vi alguns rostos em pânico pelo modo que agi com o estranho. Será que era alguém importante ou imaginei tudo em minha cabeça? Tentando não pensar a respeito, optei por me sentar um pouco e comecei a trabalhar.***O resto da semana passou normalmente, mas eu estava apreensiva. Sempre era a primeira a chegar e a última a sair, o que para eles não era um problema. Mas como punição pelo que acontecera na segunda-feira, todos os projetos que eu havia recusado foram parar em minha mesa. Não tinh
Não demorou muito e escutei burburinhos vindos do lado de fora de minha sala. Imaginei o que seria até ouvir a voz irritante de David dando instruções aos funcionários de como deveriam se portar quando as visitas chegassem. Senti um arrepio na espinha ao lembrar o que me aguardava quando saísse da sala, porém balancei a cabeça. Não iria mudar de ideia agora.Peguei o pen drive e apertando-o contra o corpo, sai do escritório justamente no momento que David recebe os recém-chegados. Fico parada em frente a minha sala observando meu chefe agir despreocupadamente e com um sorriso falso. Para aqueles estranhos David vestiu seu terno Armani preto, lustrou os sapatos e até penteou o cabelo ridículo. Coisa que ele não faz em dias normais de trabalho. Observei o casal com atenção. A mulher era mais alta que eu: loira, magra e com cara de poucos amigos. Vestia um terno lilás, cabelo preso em um coque alto, olhava para o lugar com desprezo e batia o salto de sua sandália no chão, impaciente. O