Capítulo 6 | Adeline

Eu deveria estar presa.

Não por assassinato – ainda – mas porque claramente era crime federal estar lidando com uma ressaca dessas e ainda precisar fingir que era um ser humano funcional.

O que me levava à pergunta do dia: por que caralhos eu achei que beber até esquecer meu próprio nome era uma boa ideia?

Suspirei, sentada no sofá da minha sala, afundada em um moletom velho que cheirava a café e desespero. Meu laptop estava aberto na mesa de centro, com uma tela em branco que me encarava de volta. O cursor piscava, como se estivesse julgando minhas escolhas de vida.

Atualizar meu currículo. Esse era o plano.

Porque se minha vida virou um desastre, eu pelo menos podia ser uma desempregada com um currículo impecável — que era algo que eu claramente tinha, afinal… além de ter trabalhado em um dos melhores hospitais, eu ainda consegui me tornar cirurgiã chefe daquele lugar (não que isso fosse algo tão surpreendente, já que Carlos, claramente não conseguia lidar com os meus cirurgiões).

Mas… de qualquer forma, eu precisava colocar essas coisas no papel. 

Nome: Adeline Moretti.

Idade: 35 anos.

Profissão: Cirurgiã cardíaca, ex-chefe do Saint Louis, ex-noiva de um canalha.

Habilidades: Operações de alta complexidade, liderança de equipe, detectar traições de idiotas e NÃO COMETER HOMICÍDIO MESMO QUANDO JUSTIFICADO.

Apaguei essa última parte, junto da que eu dizia que eu era ex-noiva de um canalha. Apesar de verdadeira, recrutadores costumam desgostar de tons homicidas, e também… de detalhes desnecessários como aquele.

Respirei fundo e encarei a tela. Mas antes que eu pudesse continuar, minha cabeça latejou em protesto.

Ai.

A m*****a ressaca ainda estava me punindo por todas as decisões questionáveis da noite anterior. Aparentemente, meu fígado estava organizando um motim.

Pior ainda, minha paciência para lidar com qualquer coisa estava em níveis negativos.

E foi exatamente nesse momento que o interfone tocou, como se fosse um presságio que indicava, que o meu ódio apenas aumentaria depois daquilo.

Revirei os olhos.

— O que foi? — atendi, sem paciência.

— Bom dia, senhora. Temos uma entrega para você.

Eu franzi a testa.

— Entrega?

— Sim, um buquê de flores.

Um buquê de flores? Por acaso… isso era algum tipo de piada com a minha cara?

— Quem enviou?

O entregador demorou um segundo antes de responder:

— Um senhor… Carlos. — Ele disse ao olhar o nome que tinha naquele maldito cartãozinho que ele tinha em mãos.

Ah…

Eu podia ter lidado com isso de muitas formas. Poderia ter ignorado. Poderia ter recusado. Poderia até ter pego as flores, jogado na privada e filmado a descarga girando para depois mandar para ele por mensagem, antes de xingar ele de todas as formas possíveis e inimagináveis.

Mas não.

Em vez disso, aceitei o buquê. Segurei aquelas malditas rosas vermelhas entre os dedos e, sem pensar duas vezes, fui até a varanda, depois de agradecer o entregador, — que parecia mais confuso do que qualquer coisa.

E joguei.

Flores, pétalas, sentimentos e qualquer vestígio de paciência que eu ainda tivesse.

Vi as rosas despencando e se espalhando em cima de algum carro qualquer, como um festival de humilhação pública. Uma senhora que passava na calçada olhou para cima com os olhos arregalados. Dei um sorrisinho e acenei.

Ela provavelmente achou que eu fosse doida.

E talvez eu fosse.

Mas eu tinha certeza de uma coisa: doida ou não, eu jamais aceitaria rosas de um canalha que achava que um buquê poderia apagar o fato de que ele ME TRAIU EM CIMA DA MESA DE MOGNO, QUE EU HAVIA DADO PRA ELE.

Entrei de volta no apartamento, chutando a porta para fechar.

— Que merda, Carlos! — rosnei, marchando até a mesa e pegando o cartão que veio junto.

"Adeline, espero que repense a sua demissão, e volte para o hospital

Com amor, Carlos."

Eu encarei aquelas palavras como se o próprio diabo tivesse as escrito.

Respirei fundo, rasguei o cartão em dois.

Então em quatro.

Depois em oito.

Joguei os pedaços no lixo e fechei os olhos.

Carlos tinha a audácia de me mandar flores? O mesmo Carlos que me traiu dentro do hospital? O MESMO CARLOS QUE TEVE A OUSADIA DE FAZER ISSO EM CIMA DO PRESENTE QUE EU TINHA DADO PRA ELE?!

AQUILO TINHA SIDO UMA FORTUNA!

Eu não sabia o que era pior: o fato de ele ser um canalha ou o fato de ele achar que eu ia cair nesse teatrinho barato, que ele estava tentando fazer para me fazer voltar para aquela porra de hospital. 

Peguei meu celular, abri as mensagens e comecei a digitar.

Adeline: "Carlos, enfia as flores no rabo."

Apaguei.

Muito direto. Ele podia se divertir com isso.

Tentei de novo.

Adeline: "Se acha que um buquê vai resolver alguma coisa, então você é ainda mais burro do que eu pensava."

Pensei melhor. Ainda dava muita atenção para ele.

Suspirei e joguei o celular de lado.

Carlos podia mandar quantas flores quisesse.

Nada, absolutamente nada, ia me fazer voltar atrás.

Me joguei no sofá, encarando o teto.

Meu currículo ainda estava aberto na tela do laptop, me lembrando que eu precisava seguir em frente.

Mas naquele momento, tudo que eu queria era um remédio para ressaca, um litro de café e a garantia de que nunca mais na minha vida eu teria que ouvir o nome "Carlos Ricci" de novo.

O que, sinceramente, parecia muito mais difícil do que deveria, já que do jeito que eu sabia que aquele desgraçado era… com toda certeza, ele continuaria tentando, até ter o que ele queria — mas eu com toda certeza, não iria ceder dessa vez, porque eu até podia ter sido completamente trouxa por ele antes, mas agora? Eu não pretendia cometer o mesmo erro duas vezes. 

Porque no fim, eu ainda era Adeline Moretti, uma cirurgiã completamente capaz, que não precisava daquele traste para porcaria nenhuma na minha vida — e agora que eu parava pra pensar… era nítido o quanto ele precisava mais de mim, do que eu dele. 

Isso me fez dar uma gargalhada sincera, porque agora… ele parecia completamente patético.

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